quarta-feira, 28 de maio de 2008

A primeira vez

-Tem certeza que você nunca fez isso, Clara?
-Tenho.
-Nem beijinho inocente numa amiguinha da escola?
-Cara, pra você ter uma idéia, na escola eu era tipo Carmelita Descalça, não comia ninguém e tinha medo até de falar no assunto.
-Sei.
-Por que eu mentiria pra você?
-Nem um beijinho?
-Só uma vez, no bloco de carnaval, coisa alegórica.
-E aí?
-Achei meio com gosto de isopor.
-Hahahahahahaha.
-Sério!
-Mas então por que isso agora?
-A questão não é essa. Eu achei você linda e você ficou me tentando a noite inteira.
-Eu e o dono da festa.
-Mas o dono da festa é igual a quatrocentos outros. Fala coisas previsíveis de forma previsível no momento mais previsível de todos.
-Esquema show de obviedades, né?
-Exatamente.
-Esses meninos parece que ensaiam uma coreografia onde os passos ousados são proibidos.
-Pois é...
-Mas você não vive sem eles, né?
-Por enquanto ainda não consegui um meio de ser emocionalmente auto-suficiente.
-Me diga uma coisa: você se masturba com freqüência?
-Claro.
-Com essa unha? Duvido.
-Qual o problema da minha unha? É grande, e daí?
-Unha grande é uma coisa! Isso aí é um abridor de lata adaptado pra buceta!
-Nossa, Sarah, que lirismo...
-Fora de brincadeira agora, você sabe que eu sou casada, né?
-Que nem o dono da festa.
-Hahahahahahha.
-Você sempre ri de tudo assim?
-É o jeito, baby.
-Vem cá, vem.
-Eu juro que estou morrendo de medo dessa sua unha.
-Jesus, me dá uma lixa então ao invés de ficar nessa reclamação!
-Você é uma lasciva!
-Nunca disse o contrário...

As palavras enfim deram espaço pras linguagens não-verbais de largo alcance.

Foi então que Clara percebeu a grande diferença entre beijar uma mulher em pé, no meio do bloco, e se deitar com outra, em completo silêncio.

Ainda que, em ambos os casos, seja tudo carnaval.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

A primeira linha

Ele disse que escreveu a primeira linha e nada mais.

Disse também que o futuro estava sendo feito e que o passado não cabia na garganta.

Tinha autoridade pra afirmar que no final um bom chá de camomila tudo resolveria.

Já ela, carregada de hipóteses e parábolas, estava pra lá da nonagésima frase.

Tomando vinho tinto barato como quem saboreia voz rascante de atiçar pescoço branco saudoso.

Na linha de frente, jaz o arrepio.