quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Ave, César! (pro Clube da Leitura)

Tem tempo que Suellen desistiu desse negócio de príncipe encantado. Chega de meninos bonzinhos que abrem a porta do carro, pagam a conta e acendem cigarros. A boa agora eram os rústicos, incapazes de amenidades lânguidas, mas profundos conhecedores da arte de imobilizar uma dama contra a parede. Semana passada, num evento que produziu, um moço adentrou sua vista com um ramo de flores. Para não parecer muito tosca, deu-lhe um abraço de final de expediente e mencionou serem as azaléias suas preferidas desde a infância.

Tamanha empáfia não era à toa. Certa vez, há muitos anos, fora casada com um homem doce como o mel, de olhos negros como a asa da graúna. Não havia um pedido dela que ele não atendesse com um sorriso de propaganda de pasta de dente. Um belo dia, no entanto, a obedecer um dos caprichos da amada, foi parar numa casa de suíngue e, numa massagem subaquática, acabou descobrindo uma homossexualidade que sequer fazia ideia da existência. Depois disso, ajoelhou-se no milho e jurou jamais ficar de costas pra outro homem na vida. Mas a semente da desconfiança já tinha sido plantada e Suellen acabou descobrindo que, matematicamente falando, era melhor ter dois canalhas na mão do que um galanteador com validade vencida.

A partir daí, a culpa judaico-cristã perdeu totalmente o sentido e a moça passou a atravessar a cidade rumo às feijoadas com roda de samba dos subúrbios cariocas, onde a miscigenação era livre e a cerveja, barata. Com o tempo, no entanto, seu estômago foi ficando sensível a tanta orelha de porco e Suellen acabou voltando a frequentar os sambas de branco da galera da faculdade, onde a cerveja, apesar de quente, pelo menos era mais cara. Porque uma mulher como ela, bem empregada, bem vestida e arrojada, precisava gastar dinheiro com alguma coisa diferente de vibradores tailandeses à prova d’água.

Ironia do destino, justo quando foi comprar uma calcinha comestível pra usar com seu personal fucker da vez, conheceu César, jovem empresário de boa lábia, que em um dia ganhava o que ela levava um mês pra conseguir. Como já estava cansada da Disneylândia existencial na qual tinha se transformado sua vida, resolveu fazer aquilo que só mulheres muito confiantes conseguem: cozinhar o bofe em banho-maria sem parecer romântica demais. O resultado foram exatos três meses de brincadeira na entrada da área sem direito nem a gol de mão. A fissura do moço estava tão grande que se duvidasse ele até casava com ela, só pra poder cobrar um pênalti sem goleiro.

Mas não foi preciso tanto. Numa tarde chuvosa, depois de assistir Casablanca duas vezes seguidas, a moça resolveu parar de regular a mixaria e ligou pra combinar um cineminha. Já na sala escura mostrou que estava pra jogo e a noite terminou com champagne, morangos, lençóis de seda e bola na rede.

No dia seguinte, o artilheiro era só sorrisos, tanto que preparou ovos mexidos e café passado na hora. Com medo de se meter de novo com um príncipe de araque, Suellen foi logo vetando qualquer espécie de programa que envolvesse casas de massagem ou viagens em grupo.

Se a história vai dar em casamento, ainda não se sabe.

Mas pelo menos serviu pra que Suellen desse a César o que era de César.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

O telefone de Alice (pro Clube da Leitura)

Alice é do tipo que bebe e sai ligando pras pessoas. Dia desses, às três da manhã, numa bebedeira com uma galera meio intelectual meio de esquerda que conheceu numa ONG, ligou justo pro ex-namorado que a trocou por outra, também de esquerda, mas de intelectualidade duvidosa. O diálogo que se seguiu ao alô não foi exatamente bacana e o moço, além de não reconhecer o número nem a voz dela, deu-lhe um corte seco e profundo. Só isso já devia ter sido suficiente pra que ela tomasse uma coca-cola e recobrasse o juízo. Mas o álcool ferveu seu sangue e destilou toda a peçonha que vinha guardando desde que fora trocada. Mandou uma mensagem de texto nada simpática e, terminado o recado, foi direto abraçar o vaso sanitário, pra esvaziar-se da bebida e do ódio.

No dia seguinte não lembrava de nada, o que teria sido uma benção, dadas as circunstâncias. Porém, a galera meio intelectual meio de esquerda tinha ótima memória e fez questão de reconstituir toda a história, tim tim por tim tim, com direito a detalhes. Incrédula, verificou o celular e teve a certeza de que podia muito bem ter dormido sem essa.

Já que não era possível chorar pelo uísque derramado, quis se retratar. Achou melhor mandar um email, uma coisa menos invasiva, pensou. Depois de três dias de espera, já um pouco ansiosa, começou a usar Valeriana 50 miligramas pra dormir melhor. Como a resposta não vinha, o jeito foi incorporar um Valium ao cardápio. Daí, numa noite dessas, resolveu cheirar uma carreirinha de nada, só pra dar um brilho. Não deu um mês e já era uma tamanduá-bandeira profissional, tanto que terminou internada numa clínica de repouso.

Por si só, a história de Alice já seria triste o suficiente. Mas o pior era ter de aturar o discurso da galera da ONG, unânime em afirmar que desde o início a moça parecia deveras desequilibrada.

Cá entre nós, esse povo meio intelectual meio de esquerda acha sempre que está abafando.

Mal sabem eles que de nada adianta estar com a faca e o queijo na mão quando se tem intolerância à lactose.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

A sobremesa

-Você pensa que não, mas tô ligada na tua, bela.
-Do que você tá falando, xuxu?
-Dessa onda de princesa que você tira, como se no colégio tivesse sido uma santa...
-Nunca fui santa! Casei virgem, é diferente.
-Às custas do próprio cu, né?
-Você é muito baixa, Deus me livre...
-Posso ser baixa, mas pelo menos vou tranquila ao proctologista.
-Grande merda.
-Olha, eu tenho uma teoria de que isso é coisa de tijucana.
-Para de show! Vai dizer que no Méier ninguém tem cu?
-Claro que tem, mas esse ranço cheira à Tijuca.
-Querida, isso é coisa de quem passou dos 30. A mulheradinha de hoje tá dando muito cedo, mas dando normal, que retaguarda virou retrô.
-Virou, é? Ainda bem que você tá me avisando, muito obrigada, ia morrer sem saber.
-Engraçadinha à beça você. Duvido que tenha transado com Alexandre antes de casar.
-Pior é que transei.
-Fala isso só pra dar de moderna...
-Quer ligar pra ele?
-Esse papo tá me dando nos nervos já!
-Discagem rápida, vai?
-Aff...
-Qual foi? Se aborreceu? Tamo conversando normal...
-Sei.
-Ai, amiga, casar com otário faz parte.
-Otário? Carlos Alberto é o homem da minha vida, como assim, otário?
-Você enganou o bofe direitinho com essa onda de princesa virgem, vai. Se ele não é otário, não sei quem é...
-Olha só, mesmo sem ter que dar satisfação da minha vida, vou te dizer uma coisa: se eu não fizesse a linha princesa jamais teria entrado na família de pai milico e mãe dona de casa. Detalhe: a mãe dele, que Deus a tenha na paz e na luz, fazia reuniões toda quarta-feira pra vender tupperware, sabe o que é isso? Eu perdi muitas tardes nessa e até hoje tenho pesadelos com embalagens plásticas. E pra quê? Pra ser aceita no clã dos Lima! Sinto lhe informar, mas isso, minha linda, dói muito mais do que uma ofensiva por trás.
-Hahahahahahaha! Reunião de tupperware!
-Portanto, fui é muito perseverante, isso sim!
-É, essa foi foda.
-Tem muito mais, só não fico divulgando pra não expor os podres da família e nem difamar os mortos, que isso não é coisa que se faça.
-Sogra boa é sogra morta, né?
-Não fala assim que Dona Germana foi uma mulher avançadíssima pra época.
-Sei, mas e o Carlos Alberto, já comeu seu cu?
-Lógico!
-Logo que vocês casaram?
-Não, tudo tem seu tempo.
-Hahahahahahahahaha.
-Nunca ouviu falar que cu doce é sobremesa de pica?
-Hahahahahahahahaha.

Riram por horas.

Ainda bem que eram amigas desde que o mundo era mundo e que adoravam falar uma bagaça, só pra relaxar vez por outra, quando tiravam folga do posto de rainhas do lar e iam escondidas tomar um drink no Country Club, enquanto as pequenas estavam no ballet, que judô é coisa muito masculina.

Pior é ter de admitir que hoje em dia, mesmo sendo a monarquia uma coisa retrô, ainda tem muita mulher independente querendo um príncipe que abrace sua vida, pague suas contas e ainda goste de discutir a relação.

Precisam entender que homem pra tudo não dá.

E que sobremesa é só pra quem comeu direito.