domingo, 20 de julho de 2008

O adorável escroto

-Você tá de onda!
-Não tô, Lívia, ele mandou essa.
-Como é que é? Você e o Bukowski, o quê?
-Que eu, assim como Bukowski no início de carreira, não entendia nada do sexo oposto.
-Disse assim, na lata?
-Na lata, fiquei pretérita!
-Também ficaria...
-Pois é.
-Mas sabe que eu sempre achei meio Bukowski seus textos?

Mentira, Lívia nunca leu sequer uma linha dele. Mas aquela foi a única coisa que pôde dizer naquele momento, já que não se sentia à vontade de comentar com a amiga que o gatinho que ela tá amarradona de dar um confere podia estar personalizando demais suas observações literárias, provavelmente por estar se sentindo vulnerável dentro da relação. Ou por ter um pau muito pequeno. Ou um pouco fino. Enfim, independente do que fosse, era coisa de casal. E, nesses casos, o melhor é que as amigas não metam a colher.

De repente, do nada, surge a pérola:

-Nem te falei uma coisa, ele escreveu um texto pra mim.
-Mesmo?
-Aham.
-E aí? Legal?
-Intenso.
-Mas legal?
-Não sei, tinha uma coisa de esperar, mas não saber por que ou por quem. Uma coisa bonita, mas um pouco ensimesmada demais, sabe?
-Porra, mas você não sabe que ele é ensimesmado? Queria que ele escrevesse uma parada cool?
-Calma, gata!
-Foi mal, mas esse negócio de analisar homem não é fácil.
-Não estamos analisando, estamos comentando.
-Ah, ainda bem que você me avisou! Estamos comentando! Agora sim, entendi tudo!
-Debochadinha...
-Quer a verdade nua e crua?
-Sempre.
-Eu, como sua amiga, diria pra você sair fora desse cara enquanto ainda não deu pra ele e não ficou de quatro.
-Ficar de quatro não é mau, vai...
-Posso continuar?
-Claro.
-Onde eu estava mesmo?
-Na parte que eu ficava de quatro...
-Isso mesmo! Eu estava dizendo que, por outro lado, acho que o ensimesmado vai fazer esse vulcão que tem aí dentro explodir.
-Explodir como?
-Ah, uma coisa lava incandescente, saca?
-...
-Eu tive um cara assim também, ensimesmado, quase canalha, mas adorável.
-Quase canalha?
-Isso mesmo! Me escrevia umas coisas herméticas, tipo isso aí que você falou, de esperar mas não saber por que e nem por quem.
-Jura?
-Juro, isso é coisa que só um escroto adorável faz por você...
-Escroto adorável?
-É, darling, tem um monte deles por aí.
-Mas, vem cá, por que você nunca me contou desse cara?
-Porque se eu for ficar falando tudo que eu já vivi vou ficar parecendo sua tia, o que está longe de ser o caso.
-Você é mais rodada mesmo, qual o problema?
-Rodada é punk!
-Bucetuda, prefere?
-Melhor.
-Tá, bucetuda, diga lá, o que aconteceu com o seu ensimesmado?
-Um dia eu acordei e tive a certeza de que eu precisava de uma pessoa mais tranqüila do meu lado, independente de não ser tão intensa nem tão capaz de falar as coisas mais oportunas nas horas mais sensacionais.
-Sei...
-Uma pessoa que, apesar de não me deixar úmida com um único olhar, não me daria cortes tão secos, não me largaria derrapando na pista, nem me deixaria triste nos dias mais alegres.
-Nossa...
-Por isso não te falei nada, entende? Porque acho que você tem que ser a protagonista dessa história. Todo mundo na vida precisa aprender a decodificar, seduzir, comer e deixar ir pra sempre pelo menos um escroto adorável.

E assim, sem entrarem nos detalhes mais sórdidos, as duas ficaram lá pensando porque não poderiam ter tudo que queriam do jeito que achavam mais gostoso, como quando eram crianças e faziam charme pra Papai Noel.

E, enquanto pensavam, viram que o melhor mesmo era parar de pensar e ir correndo pro videokê do botequim da esquina, que estava pegando fogo, pra tomar uma gelada, comer um queijinho de coalho, morrer de dar risadas e adorar a lua, que transbordava de tão cheia.

Porque canta melhor quem canta pra subir.