Como sabiamente canta Zeca Baleiro, o maior desejo da boca é o beijo. Daí, por conta disso, vez por outra, meninas tomam como gatinhos em potencial moços que até têm tesão nelas e adoram estar por perto, mas, definitivamente, as veem como brothers. A partir disso, é criada uma pseudo-relação, pseudo no sentido da falta de confluência e fluidez, mesmo quando ambas as partes julgam ter sido claras sobre as intenções que as movem. Acontece. Se enganar faz parte da vida. Enganos, inclusive, podem ser nossos amigos. Com o tempo, se bem aproveitados, passam a compor uma espécie de anti-cartilha do cotidiano.
Assim sendo, segue mais uma lista de dicas práticas para evitar que vocês, meninas, gastem energia com o que não flui, e para que vocês, meninos, fiquem mais atentos às feminices.
Capítulo primeiro: do standby
-Vocês vão sair de novo finalmente?
-Parece que sim.
-Como assim, parece?
-É que não marcamos exatamente.
-Tão em dúvida de onde ir?
-Não, já escolhemos um local.
-Sei...
-É que ele me deixou em standby, disse que é melhor marcar só no dia mesmo, que daí não rola de termos de desmarcar, caso ele não consiga se desvencilhar do trampo e tal.
-Porra, amiga, standby é coisa pra aparelho de dvd!
-É que a vida dele é uma loucura, não tem horário pra nada. Pra você ter uma ideia, tem dias que ele sai de casa às quatro da manhã porque precisa filmar o sol nascendo, acredita?
-Há quanto tempo você tá em standby, nega?
-Há algumas semanas.
-Já reparou que se você deixar o dvd parado por mais de meia hora ele desarma?
-Que analogia besta, amiga...
-Não é não! Uma coisa é deixar um encontro pré-combinado, tipo “vamos se ver na sexta, mas te dou aquela ligadinha confirmando no dia”. Isso é mostrar interesse e consideração pela dama, sem deixar de levar em conta os imprevistos da vida. Outra coisa é deixar pra te convidar só no dia, como se você estivesse à disposição full time.
-...
-De repente ele te vê como brother.
-Será?
-Acho que sim.
-Pensando bem, isso rola direto entre nós duas e é mó normal, né?
-Sim, nós podemos nos deixar em standby, temos anos de brodagem nas costas!
-Mas isso rolar com o gatinho é caído, né?
-Eu não acho bacana, mas se você não se importa, tranquilo também...
Dica prática: se o moço não consegue te encaixar na agenda dele, talvez seja a hora de sair do standby e dar play em aparelhos outros. Ou de outros, você é quem sabe. Só não vale é se acomodar, que isso não é posição digna pruma gatinha.
Capítulo segundo: das “amigas”
-Você não vai acreditar.
-Ai, Jesus, fala.
-Ontem encontrei de novo com o tal carinha que te falei, lembra?
-O que você ficou anteontem?
-Esse mesmo.
-Sim e aí?
-E aí que ele não olhava direito na minha cara, sabe assim “sou muito tímido”?
-Mas pra dormir junto pelado não teve timidez, né?
-Nenhuma.
-Ai, que preguiça...
-Espera que tem mais.
-Aff...
-Chegou uma amiga minha e simplesmente se pendurou no pescoço dele, tipo cachecol, sabe assim?
-Você tem umas amigas também, hein, vou te contar!
-Foda!
-Mas ele ficou com ela na sua frente?
-Não, mas a sensação que eu tive era de que teria rolado se eu não estivesse por ali, sabe assim?
-Sei.
-Incrível esse tipo de situação, né?
-É, baby, de repente ele te vê como brother.
-Será?
-Brother é assim: fica contigo, com sua amiga, com sua irmã, tudo na mesma semana, esquema procriação em cativeiro.
-Hahahahahahahaha! Só você pra me fazer rir, amiga.
-Tem que rir, filha, e, da próxima vez que encontrá-lo, dá um jeito de cantar no ouvidinho dele assim: “Take it easy my brother Charlie, take it easy meu irmão de cor, ê, ô”.
-Hahahahahahaha! E ele é negão!
-Do olho verde, tô ligada, esse é o tipo de informação que não esqueço, gata.
Dica prática: se ficou com o gatinho e teve uma noite excelente de miscigenação, fique atenta à atitude dele com suas amigas quando encontrá-lo novamente. Se a simpatia e a permissividade forem excessivas, ligue seu detector para brothers e dê um jeito de receber um telefonema urgente requisitando sua retirada imediata do local, pois situações como essa não precisam de cenas do próximo capitulo.
Capítulo terceiro: da necessidade de mencionar outra mulher que não a mãe, a irmã ou a tia-avó numa conversa
-E aí, foi legal o encontro?
-Foi sim, ele é figura.
-Legal!
-É...
-É o quê?
-É legal porque o silêncio não incomoda, sabe assim?
-Sei, isso é bem gostoso.
-É sim.
-Mas e a química prática? Funcionou?
-Ele é bem suave.
-Você curte, né?
-Sim.
-Tá, mas o que se passa, então, filha?
-Nada.
-Conheço essa sua carinha de ponto de interrogação.
-Boba...
-Anda!
-Ah, nem é nada de mais, mas de vez em quando, não sempre, ele fala de outras mulheres, sabe?
-Hummm.
-E eu não consigo meter um: “Ah, é? Poxa, que legal!”.
-Nem é o caso, o ideal é mudar de assunto, não?
-É, mas sei lá, não curto.
-Nenhuma mulher curte. Fato.
-Será? Acho que tem mulher que não liga.
-Que não liga não existe. Existe mulher que entende isso como insegurança de macho e simplesmente desapega.
-Mas por que você acha que é insegurança?
-Não sei se é insegurança exatamente a palavra, mas é uma coisa tipo “tá vendo como sou desejado?”
-Ah, não, não posso acreditar nisso!
-Você pode até não acreditar, cada um acredita no que prefere, né não?
-Besta!
-Quer ver uma coisa? Você fala de outros caras pra ele?
-Lógico que não!
-Tá vendo? E por que você não fala?
-Porque não acho que isso seja assunto.
-E por que você acha que isso não é assunto?
-Porque não preciso me explanar pra ele, essas coisas eu deixo pra falar contigo, que com a gente rola brodagem pra isso.
-De repente ele te vê como brother.
-Será?
-Acho que sim.
-Cara, ele não tira o olho dos meus peitos.
-Querida, seus peitos são fenomenais, nem seu terapeuta deve tirar o olho deles.
-Minha terapeuta é mulher e você sabe disso, sua louca!
-Tá, mas você entendeu a semântica, né?
-Sim, sim, mas é que ele parece tão interessado...
-Em ser teu brother!
-É, né?
-É, flor, deixa quieto, que essas paradas tão rolando direto, são os ardis da pós-modernidade.
-Sempre ela...
Dica prática: se está conhecendo um moço, fique atenta à frequência com que ele cita outras mulheres no meio dos papos de vocês, porque isso, mesmo numa história com química sexual e intelectual interessantes, é sinal de que ele quer te comer e, ao mesmo tempo, ser teu brother. Se pra você isso é satisfatório, tanto melhor, mas, se você não sai bem nessa foto, não insista, porque essas coisas não costumam mudar.
Capítulo quarto: da confusão entre saudade e vício
-Menina, hoje me deu uma saudade do figura...
-Não é saudade, filha, é vício.
-Será?
-Óbvio, eu morro de saudade do meu maço de Marlboro.
-Falando nisso, hoje fazem três dias que eu não fumo.
-Mas você num foi numa festa ontem?
-Fui.
-Bebeu?
-Todas.
-E não fumou?
-Não.
-Nem varejo?
-Não.
-Nem traguinho amigo?
-Não.
-Tá explicado!
-O quê?
-A saudade do figura!
-Como?
-Natural, neguinha, você se privou de um vício, daí se lembrou de outro.
-Será?
-Claro, gata.
-Estranho isso, né?
-Estranho nada, a gente se acostuma com as pessoas, acontece. E acontece também de num belo dia você se olhar no espelho e pensar: “poxa, acho que de repente esse figura me vê como brother”.
-Foi meio isso mesmo que rolou.
Dica prática: se conseguiu vislumbrar que determinado moço te vê como brother e que, ainda assim, você meio que se acostumou com ele, pois ele é um querido e coisa e tal, aceite a situação, mude o foco e siga em frente numa boa, lembrando sempre que com homem é que nem com cigarro: as primeiras setenta e duas horas de abstinência são as piores. Depois a tendência é melhorar.
Afinal de contas, é prudente tentar enxergar o limite antes de se deparar de cara com ele.
Porque o mais importante é sermos brothers de nós mesmos.
Pra desenvolver a incrível habilidade de aceitar a vida do jeitinho que ela é: complicada e perfeitinha.