quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Gaivota sem Fernão

As coisas nunca mudam
As pessoas são o que são
Tudo que amo deixo livre
Mesmo sendo o mundo um moinho
E eu, gaivota sem Fernão
Errante
Quase pronta
E só


Feliz 2010!

domingo, 27 de dezembro de 2009

Aqueles dias

Fábia não tem TPM, mas, coincidentemente, quase todo começo de seu ciclo menstrual é acompanhado de ressaca. Não sabe dizer se antes daqueles dias lhe bate uma Heleninha Roitman de frente ou se, inconscientemente, escolhe ter de tomar ponstan e neosaldina ao mesmo tempo, só pra poder purgar todas as barbaridades que diz pros gatinhos que costuma traçar (geralmente nos dias que ovula). Aliás, como morre de medo de engravidar, não brinca desprotegida na entrada da área de jeito nenhum, principalmente levando-se em conta os centroavantes com quem tem o hábito de passar o precioso tempo regulamentar entre uma depilação e outra.

Apesar de parecer previsível, medo de avião, de homem grosso e de bunda caída Fábia costuma ter o mês todo, independente do dia. Semana passada, inclusive, encontrou o ex-marido com a ex-secretária e atual bucetinha da vez que, mesmo baranga, é uma moça esforçada. Lembrou que desde que era casada com esse ex, a desfavorecida donzela vivia com um livro de auto-ajuda na bolsa. Acha notável, por exemplo, o empenho dela em subir na vida e a considera a mais nova promessa na disputa pelo ouro no alpinismo social, logo que este virar esporte olímpico, provavelmente em 2016.

Interessante reparar que certas coisas, assim como as olimpíadas, são cíclicas.

Outras, ao contrário, são mais que absolutas, como a necessidade de se ter sempre espelho, arruda, OB, creme sem enxágue, halls de melancia, pinça, camisinha, fio dental, bombom de cupuaçu, calcinha extra, gloss e cartão de fidelidade da Pello Menos na bolsa.

Que ser mulher é legal pacas, mas, em tempos de novos e radicais esportes, tem dado trabalho demais.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Volta, Mário!

As metáforas estão em polvorosa, assim como as mesóclises e os gerúndios

Hipérboles arrancam os cabelos

Dizem até que eufemismo, mesmo sem admitir, está morrendo de saudades

O fato é que estamos todos sem palavras

Não é possível que tenham atirado no dramaturgo

Volta, Bortolloto, de onde quer que você esteja

Nossa vida não tem possibilidade de caber num opala sem ti

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Figuras

Dias desses, Metonímia chegou pra Metáfora e perguntou:

-Qual de nós duas o Particípio Passado escolheria pra casar?
-Eu, é claro!
-Por quê?
-Porque parte pelo todo é coisa de anoréxica e Particípio é do tempo que homem gostava era de carne.
-Té parece que é muito gostosa você...
-Nem preciso!
-Ah, não?
-Minha cara, quem pode se comparar ao que quiser, tá com tudo e não tá prosa...
-Metida!

Mal sabem elas que Particípio tá de olho é em Hipérbole.

Porque, mesmo sem admitir, homem gosta mesmo é de fartura.

domingo, 15 de novembro de 2009

A estranha história de Maria de Souza Provisória e João de Aquino Longo Prazo

Quando Maria de Souza Provisória e João de Aquino Longo Prazo se conheceram não se deram conta do que estava por vir. Oriundos de famílias com criações antagônicas, nem perceberam como foi que se encantaram tão rapidamente um pelo outro. Nada ali parecia ter chance de dar certo, já que ela, entusiasta inconteste das trepadas fast-food, da solteirice festiva e dos personal fuckers, nunca teve muito saco pra rapazes como ele, adepto das relações longas, da hipocrisia construída e da fidelidade aparente. O que a princípio era pra ser um encontro inóspito, rapidamente se transformou numa intimidade lancinante, digna de comédias românticas estreladas por Hugh Grant e Julia Roberts.

Pela velocidade com que tudo acontecia, parecia que ali se estabeleceriam laços duradouros.

Que nada.

Desgastado por um casamento desfeito, João, com a conivência de Maria, passou a falar além do que precisava ser dito a uma mulher sexualmente ativa. Já Maria, desgastada pelo sexo casual, passou a fazer planos além dos recomendados a qualquer mulher.

Como a coragem é o medo disfarçado de sábado de carnaval, um belo dia, depois de uns drinques e torcendo pra parecer despercebida, Maria dá um basta na sessão “fala que eu te escuto” protagonizada por João. Já João, que não tinha bebido nada, dá um basta em Maria, fazendo com que aquela quarta-feira, de uma hora pra outra, ficasse para lá de cinza.

No final, mesmo sem ter tido a chance de desabrochar como casal, os dois perceberam ter sido vítimas do encantamento agudo que só os Provisórios conseguem despertar naqueles que carregam o Longo Prazo como herança.

Parece que, agora, Maria é só de Souza e, João, é só de Aquino.

Azar o deles.

Quem mandou acreditarem que o mel do fundo do pote é mais doce que o da tampa?

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Dez coisas que meninos bacanas precisam saber sobre o telefone

1) 98% das meninas gostam quando os meninos ligam pra elas nem que seja só pra conversar sobre o nada. Os outros 2% estão sem celular

2) Meninas que comentam “a gente se fala” depois do terceiro chopp estão querendo dar o telefone pra você

3) Meninas que perguntam “qual seu signo” depois do quinto chopp estão querendo dar mais que o telefone pra você

4) Não pega bem ligar pra moça num dia dizendo que vai tornar a ligar e depois sumir como por encanto. Vai ficar sempre no ar a ideia de que você não vale muita coisa

5) Não adianta culpar Eva nem a maçã: não foram elas que inventaram as chamadas não-atendidas

6) Se o sexo foi incrível e você está com medo de se envolver, evite dizer isso pra moça, muito menos pelo telefone. Soa pretensioso demais

7) Se for pra falar de mulher, ligue prum amigo homem

8) Se for pra falar de homem, ligue pruma amiga mulher

9) Se for pra reclamar da vida, ligue pro seu terapeuta

10) Nada substitui o olho-no-olho

PS: Quando se trata de deixar recado no celular, o menos é sempre mais.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

A mesóclise e o gerúndio (pro Clube da Leitura)

Mariângela e Jacinto moram juntos há um ano. Ela é pesquisadora de conteúdos midiáticos. Ele, operador de telemarketing. Ela adora uma mesóclise. Ele não vive sem um gerúndio.

Ultimamente, inclusive, Jacinto pôde estar preparando vários chás de camomila para Mariângela estar melhorando de seus intermináveis enjoos matinais.

Jacinto é bom e atencioso e o sexo entre eles é um pretérito quase perfeito. O enjoo é devido à gravidez de 8 semanas e Mariângela tem sérias dúvidas se seus eruditos gens combinam com os do rapaz.

O fato é que não passa um dia sem que ela sinta vergonha dele.

Na fila da clínica, escuta seu nome, se concentra na música do Roberto Carlos que toca ao fundo e deixa apenas uma lágrima escapar quando sente que tudo acabou.

Toma um sundae de chocolate, compra um rímel e liga para Jacinto avisando que as coisas dele estão na portaria.

Se ela pudesse (e quisesse), até fá-lo-ia feliz.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Dez coisas que meninas bacanas precisam saber sobre o telefone

1) Meninos que só falam de si ao vivo vão fazer o mesmo por telefone

2) Meninas que dão o telefone na maior parte das vezes esperam que ele toque

3) Não adianta se revoltar com Graham Bell: não foi ele quem inventou os babacas

4) Se ficou na dúvida se atende ou não uma chamada, não atenda. Deixe pra conversar ao vivo

5) Se ele te ligava direto e parou de fazê-lo, provavelmente é bipolar e você escapou de boa

6) Quem espera ligação nunca alcança nada

7) Receber uma ligação de um ex e, distraidamente, não reconhecer o número nem a voz dele, às vezes pode ser melhor do que sexo

8) Um telefonema na hora certa, com a entonação correta, pode mudar seu dia

9) Na dúvida, ligue pra sua mãe, que ela tá mais acostumada com suas neuroses

10) Se a palavra é de prata, o silêncio é de ouro

PS: Quando se trata de telefonemas na madrugada, geralmente o combustível é o álcool.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O peso e a leveza

O peso é pros papéis não voarem

É a desculpa da escrivaninha pra própria desordem

A leveza é a natureza do papel

É a desculpa da escrivaninha pra existência das pastas

O peso, como precursor das pastas, é estágio probatório

A leveza, como voo imaginário de papéis, é estágio avançado

Juntos desde sempre, já não tentam mais arrumar desculpas para ainda estarem casados

Simplesmente coexistem, ansiosos pelo futuro

Como papéis em branco na infinita procura de qualquer coisa que lembre uma assinatura

terça-feira, 15 de setembro de 2009

O vaticínio

-Ele é aquele tipo Simpatiquinho da Estrela, sabe?
-Sei.
-Daí não deu duas cervejas e já tava partindo pra dentro.
-Hahahahahahaha.
-Daí, escuta só.
-Hahahahahahaha. Simpatiquinho da Estrela! Hahahahahaha.
-Cara, para de rir e escuta!
-Aiiiiiiiiiiiiii. Fala.
-Daí eu não fiquei muito a fim, ele tinha um cheiro de creme de barbear mal-tirado, sabe assim?
-Hahahahahahahaha
-Cara, nada que eu falei é tão engraçado, vai!
-Aiiiiiiiiiiiii. Hahahahahahaha.
-Você fumou, gata?
-Não! Aiiiiiiiiiiiiii. Tô de riso froxo.
-Pera que agora é que vem o melhor.
-Tá, aaaaaiiiiiiiiiiiiii, deixa eu respirar um pouco, meu abdômen tá doendo.
-Tá precisando fuder hein, nega.
-Para com isso!
-Sério, tá muito sem fôlego você. Quanto tempo sem fuder?
-Que horror essa boca suja sua, por isso que não arruma namorado!
-De que adianta namorar, me diz?
-É bom ter a companhia de um homem, vai. E olha, vou dizer pra você, que ninguém nos ouça: é sensacional não ter mais que trocar lâmpada. Quando Adalberto trocou a primeira lâmpada aqui em casa foi que me senti casada, pra você ver.
-Serinho, amiga, diz pra mim, você sabe que eu não falo pra ninguém...
-Ai, para de querer saber da minha vida íntima.
-Quanto tempo sem fuder, diz.
-Tsc.
-Diz.
-Seis semanas.
-Tá vendo? Quis arrumar namorado, deu nisso, acabou arrumando marido e tá aí, contando abstinência em semanas, pra parecer que é menos tempo, fala sério!
-Você é muito radical...
-Bicha, do jeito que a coisa anda, tá super valendo ficar sozinha, na boa. E tem mais: eu gosto de fuder, sou puta, sim, chupo que é uma coisa. Se eu tiver com sede então, o individuo objeto de minha devoção se dá bem. Tenho isso até em vídeo, gata, posso provar.
-Eu passo.
-Ótimo, não ia te emprestar mesmo.
-Mas conta do cara.
-Então, como eu não tava muito a fim, fui deixando isso claro, porque ele vinha naquele esquema de mãozinha nas costas, pegadinha na cintura, enfim, todas essas coisas que quando a gente tá a fim são ótimas, que daí rola aquela afliceta, o carinha pegando na pedrinha do seu anel, na pontinha da sua unha, você umedece, delícia, quem não gosta? Foda é quando você não tá a fim.
-Total.
-Na quarta mãozinha eu já tava como...
-Daquele jeito...
-Pois é.
-Péssimo isso, hein, querida.
-Mas sempre pode ficar pior, filha.
-Jesus amado!
-Escuta: fui ao banheiro me recompor de tanta mãozinha, que até alisada na barriga eu tomei, tá? O lance todo é que ele é amigo do meu chefe, sabe assim? Não posso mandar ele tomar no cu nem se fuder nem enfiar nada em lugar nenhum.
-Se acalma, você está ficando descontrolada!
-Você é o tipo de pessoa que jamais poderia trabalhar com o Almodóvar...
-Eu sei disso, coração.
-Mas enfim, como você quer que eu fale? Que eu não podia ralhar com ele, que ele é amigo do meu chefe?
-Hahahahahahahahahaha.
-Caralho, vai começar a rir de novo, porra, vou te dar um vibrador de aniversário, amada, que nem Jesus te salva dessa.
-Hahahahahahahahahaha.
-Quê é isso, meu Deus? Se controla, criatura!
-Hahahahahahahahaha.
-Geeeeeeeeeeente, quer uma água?
-Aaaaaaaaaaaaiiiiiiiiiiiii, quero sim. Ai, amiga, ralhar foi foda, vai.
-Lógico, não posso falar nada que você fica nessa de horror. Pra assistir ‘Um convidado bem trapalhão’ só em cima do urinol, né?
-Hahahahahahahahahaha.
-Chega, vou nessa, perdeu a graça, você não me escuta.
-Hahahahahahahaha.

Foi andando em direção à porta, fingindo que estava puta, só pra zoar a amiga, até porque já era tarde e as duas tinham o péssimo hábito de acordar cedo.

Já recuperada, na porta do elevador, a risadinha pergunta:

-Mas você não contou do bofe! Resume, vai.
-Nem precisa de resumo que a coisa toda foi muito rápida, ele disse: ‘pô, você fez educação física, é?’ Aí eu: ‘é’. Aí ele: ‘Pô, nem parece’. Daí, na hora de falar o ‘nem parece’ deu aquela sacada de açougueiro, sabe assim?
-E ele era gostoso?
-Nem depois da terceira michelada, mas, como ele mandou essa, já tava justificada a saída pela tangente, que se meu chefe perguntasse alguma coisa, eu diria logo que ele me chamou de gorda e isso já é o bastante pra qualquer mulher sair de qualquer lugar, ainda mais quando esse lugar é ao lado de um boçal.
-Hahahahahahaha.

Volta e meia se encontram, até porque Adalberto viaja um bocado, é comissário de bordo.

Olhando assim, parece até que o aeromoço não quer descomprimir na cabine da esposa, nem enfrentar, feliz, turbulências e confusos horários.

Que nada, Adalberto é do tipo que comparece sempre que chega de viagem e adora colocar o despertador pra mais cedo só pruma rapidinha matinal.

Por isso se faz de distraída pra amiga. Nem consegue imaginar o que aconteceria se aquela centrífuga soubesse do manga larga disfarçado de bom moço que tinha em casa.

Se quem come quieto come duas vezes, pra comer sempre, é melhor dar de mal-comida.

Afinal, como vaticina Vera Loyola, amigo é quem atura seu sucesso.

domingo, 13 de setembro de 2009

Para Roberta

Lia livros na língua original aos 15 anos

Morava na única casa com piscina da turma

Dava cola na prova de história

Quase não descia pro pátio no recreio

Atolada com esportes de bola

Órfã de pai

Médica

Querida

Reapareceu no orkut depois de vinte anos pra dizer que curtia meu blog

Achei, sinceramente, que íamos nos rever para jogar conversa fora e lembrar do tempo em que problema era tirar média oito e se esconder dos meninos que nos achavam medonhas

Achei que poderia te mostrar a camisa mofada do último dia de aula, cheia de dedicatórias

Achei que só íamos chorar se fosse de tanto rir

Mas a brincadeira acabou

Estamos todos de castigo

O teu é não poder mais comentar meus textos

O meu é ter de engolir a seco monólogos que sempre te roubavam meios-sorrisos

É aceitar que de ti, a partir de agora, só tenho lembranças

E um link para lugar algum

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

As amigas de Ana (pro Clube da Leitura)

As amigas de Ana fazem dela várias. Tudo que Ana não viveu até hoje, seja por falta de oportunidade, de coragem ou de sorte, o fez por intermédio de suas amigas, que não são muitas, mas suficientes. Na escola só teve Lúcia, graúda abusada, tipo vulcão engarrafado. Juntas, trocavam confissões roubadas das irmãs mais velhas e, se duvidar, até hoje lembram do desamparo que era a hora da música lenta nas festinhas.

Na faculdade foi quando tudo começou de fato: a paixonite por um professor, as pegações nas chopadas, as histórias memoráveis, as amnésias inenarráveis, as coisas ditas em excesso e as mentiras mofadas, que, como grinaldas herdadas, ainda esperam por um pretérito perfeito.

Já mulher feita, Ana começou a frequentar casamentos demais e a ter de assistir suas melhores amigas partindo, seja para outros países, seja para o mundo dos maridos preocupados somente com o resultado do futebol, mesmo em se tratando de Quinze de Jaú contra Quinze de Piracicaba.

Quando entendeu o amor à distância, conseguiu perdoar as amigas que só se casaram por medo de camas vazias, e, naturalmente, parou de se constranger com as mães delas, sempre a bradar sobre o absurdo de uma moça tão bonita ainda estar solteira.

Como nem tudo é bege o tempo todo, Ana ama os poucos maridos que fazem felizes suas amigas e que gostam de recebê-la pruma cerveja aos domingos, para ficarem todos bêbados e atordoados com a bagunça das crianças, que insistem em crescer como samambaias choronas bem regadas.

Lá no fundo, mesmo sem admitir pra ninguém, Ana adoraria encontrar um homem assim: sensível, companheiro e imperfeito, que goste de Quinze de Jaú contra Quinze de Piracicaba, mas que não dispense poemas nem massagens nos pés.

Porque é disso que moças como Ana gostam: da imperfeição concreta e dos domingos bêbados.

domingo, 6 de setembro de 2009

Coisas de Antônio Torres

Trechos de “Um cão uivando para a Lua” (1972), romance de estreia de Antônio Torres

-Diz que você me ama, nem que seja mentira. Dizzz. Eu preciso ouvir isso. Preciso, preciso. Diz, diz. Você me ama? Você me ama? Ai. Vou morrer. Eu morro. Mor-ro. Diz de novo, nem que seja mentira.
-Você é completamente louca, mulher. Você me mata. Mas vou morrer feliz. Juro.
E tudo recomeçava
-Você me ama? Diz, nem que seja mentira. Diz de novo. Isso-é-tão-bom...
Caí para um lado da cama e a mulher começou a chorar.
Acordei.
Lila, Lila, Lila! Onde está você?

Acendo a luz e fico sentado na cama. O meu quarto tem uma mesa cheia de remédios, papéis rabiscados, alguns livros, papéis em branco e muitos envelopes. Estou todo molhado. Que horas serão? Bom, e que importância tem isso? Estou passando pelo tempo, estou sendo devorado pelo tempo. Pego uma toalha e me enxugo. É dezembro, parece. As ruas estão mais barulhentas do que nunca. E eu no mesmo lugar.

Chego em 1971 com 28 anos de idade e um nó na garganta.

Ainda assim prometo cavar no fundo da minha angústia alguma sobra de energia, não de todo estragada, para empregá-la até a última gota nas possibilidades de amanhã. Sei. Tudo isso é muito desagradável. É duro demais você assumir a sua própria dor.

Enquanto o sono não vem, escrevo uma carta pra Lila.
Crioula.
Já recebi uma tonelada de propostas. Uma de um velho amigo que acaba de chegar da Europa e me propôs ver os slides que ele fez. Garantiu-me ter batido umas fotos incríveis. Oferta extra: Jantar e uísque ou vinho, à minha escolha. Outra, foi de um sujeito que quer porque quer me mostrar um filme que ele fez com as crianças na praia. Um terceiro quase me mata porque eu recusei um convite para dar umas voltas em seu Opala, pelo Minhocão. Achou um absurdo um cara vindo do Rio não querer ver São Paulo by night. Não posso enumerar tudo. A memória não está ajudando.

Nos povoados, nas cidadezinhas, onde quer que houvesse uma casa, havia sempre um número incrível de crianças. Eu perguntava a idade de uma, ela fazia um gesto negativo com a cabeça. Não sabia. Então o pai, ou a mãe, respondia: 10, ou 11, ou 12 ou 9. Todas pareciam, porém, ter metade da idade que tinham. Era doloroso ver todos aqueles meninos barrigudos e com o tamanho do corpo inteiramente desproporcional ao tamanho da cabeça. Mas não era apenas neles que eu estava pensando. Isso também era outra coisa que eu já tinha visto antes, no Sertão, no Junco.

Eu já tinha sido um daqueles meninos, eu era a soma deles todos.

O dia que eu contei a Lila sobre o menino que eu fui, ela se ajoelhou a meus pés e beijou meu pau. Foi uma dose forte demais. Lila, quando menina, teve uma educação. Como se apresentar. Como andar. Como sentar à mesa. Como cumprimentar. Como dormir, como acordar. Tudo isso para debutar no Country Club. Tudo isso porque ela era uma moça de família, até, é claro, quando descobriu que trepar era o melhor de tudo e o resto não tinha a menor importância. Eu não sei falar de Lila usando palavras normais do vocabulário educado, porque Lila é uma tremenda puta, porque é putamente sensível, inteligente e louca. Naquela noite, em que ela, com reverência (quase digo com contrição), se ajoelhou para me prestar aquela homenagem pagã, eu descobri ter afinal encontrado alguém que chegara ao exagero de me elevar à categoria de herói. Pura e simplesmente pela simples condição de ainda estar vivo – e sendo capaz de funcionar.

Agora eu compreendia o significado de tudo.

Mais tarde, voltei a pensar em Lila e me perguntei até que ponto ela estava compreendendo a extensão de minhas dificuldades, chegando a temer que ela qualquer dia desses se cansasse de tantos trancos e barrancos. Eu já tinha vivido tempo suficiente para ter descoberto que as mulheres, de modo geral, procuram fugir de homens negativos, aqueles que estão sempre a braços com encrencas pessoais e demasiadas encucações, sem considerarem as causas e circunstâncias que os arrastam para baixo. Vislumbrei essa possibilidade como se estivesse avistando um terremoto. Sim, eu a amava. Não queria perdê-la.

Minha memória é uma cova funda onde enterrei todos os meus mortos.
Minha cabeça é uma montanha esburacada, por onde escoam todos os detritos do mundo.
Meu coração não bate, apanha.
E os meus pés estão sempre tropeçando.
Pára, pensamento, pára. Um instantinho só, por favor. Preciso esquecer.
O quê? Tudo
Chega de sofrimento, quero o alento.
É a memória – e não a dor – que faz você se lembrar de centenas de ruas selvagens e ermas.
Li isso em “Luz de Agosto”, mas já faz muito tempo.
Cite um absurdo.
O brado retumbante.
Outro.
Um homem rastejante.
Mais outro.
O céu da pátria nesse instante.
Cite o pior de todos.
A morte.
Diga qualquer coisa.
A paz a gente só encontra na morte ou quem morre acaba?

-Quem está aí com você?
-Ninguém
-Mas você está falando com alguém.
-Sim. Comigo mesmo. Posso?
-Está falando sozinho, então?
-Conforme o costume. Posso?
-Acho melhor você vir atender o telefone. É melhor do que ficar aí falando sozinho.
-Obrigado, já vou.

Sim, eu fazia uma porção de coisas, desde pequeno, mas a impressão que me deixavam era a de que não sabia fazer nada. Então, menino ainda, passei a declamar Castro Alves em praça pública, em dia de festa de escola e o povo dizia: -Menino danado. Foi assim, doutor, que descobri que queria ser jornalista. Eu sabia o que os outros não sabiam. A partir da descoberta disso, passei a ser perdoado por não ser bom no cabo da enxada. Entende? O senhor está entendendo agora?
-Amanhã você me conta o resto - disse ele. - Preciso sair.
E foi embora.
Fiquei andando pelo pátio, sozinho, sem pensar no que diria a seguir, nem no que tinha que fazer.
Eu leio os jornais todos os dias, meu chapa, e já não me inquieto com isso. Vejo as coisas e não sinto mais vontade de vomitar. Eles falam, eu escuto. Pra mim, chega. Acho que não vale a pena espernear.

No céu, algumas estrelas brilhavam e eu achei que o negócio era comigo. Um cão, que passara o tempo todo gemendo para a Lua, agora sorria.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Muita calma nessa hora!

-Menina, meu Santo Antônio caiu sozinho do altar...
-Não!
-Não sei que tipo de sinal o Além está me enviando, mas não me parece boa coisa...
-Muita calma nessa hora!
-Pra piorar, outro dia a faxineira aqui de casa deu um varridão no meu pé que cheguei a sentir a piaçava invadindo a cutícula, sabe assim?
-Sei...
-Fudeu, amiga, num vou casar mais é nunca!
-...
-Diz alguma coisa, pelamordedeus!
-Lógico!
-O quê é lógico?
-Como não pensei nisso antes?
-Nisso o quê?
-É um sinal mesmo, gata!
-Do quê?
-De que esse moço com quem você tá entusiasmada, o pesquisador de conteúdos, não é o cara!
-Mas isso lá é motivo pro Santo dar um mosh?
-Olha a blasfêmia! Vê lá se Santo dá mosh!
-Tá, desculpa, é que tô nervosa com isso...
-Eu sei, amiga, mas me conta do Santo: ele tá destroçado?
-Não, deu uma rachadinha só no braçinho do menino Jesus.
-Ahhhhhhhhhhhhhhhh.
-Fala!
-Só o menino Jesus que rachou?
-Só.
-Então tá explicado!
-Num tô entendendo nada.
-Fica fria, se foi só o menino Jesus que deu uma raladinha com o tombo, talvez tenha sido apenas um aviso pra você se cuidar pra não engravidar do pesquisador de conteúdos, já que ele não é o cara...
-Mas nós usamos camisinha.
-Ótimo.
-E eu sou super certinha, alio camisinha e tabelinha.
-Se você acha suficiente...
-Em 39 anos nunca engravidei, acho que tá bom, né?
-É um bom parâmetro.

Ficaram ali cotando o pesquisador de conteúdos, fazendo listas de prós e contras, como se o problema realmente estivesse com ele, ou com Santo Antônio, ou com a vassoura de piaçava.

Uma hora iam entender que o Além não manda recado por Santo nenhum e que as coisas boas da vida acontecem justamente quando a gente nem tá esperando por elas, já que, como reza o dito popular, o que é nosso está guardado.

A sete chaves.

Pra ser aberto só quando estivermos prontos.

Porque ser feliz também dá trabalho.

sábado, 29 de agosto de 2009

Quilometragens

-Ai, amiga, tô sofrendo...
-Quer que eu desça pra comprar leite condensado?
-Quê isso?!
-Tô só querendo ajudar...
-Ai, por que os homens bons moram longe?
-Porque no dia que começarem a divulgar que Rio de Janeiro é cidade maravilhosa só pra turista o terceiro mundo vai explodir!
-Hahahahahahaha! E quem tiver de sapato não sobra!
-Não pode sobrar!
-Eu tenho várias amigas que só trabalham com produto estrangeiro.
-Complicado é o imposto...
-Hoje em dia importar não é tão difícil.
-Parece até que a gente tá falando de economia!
-Não deixa de ser uma análise do produto interno bruto...
-Hahahahahahaha!
-Mas, fora de brincadeira, eu meio que vivo repetindo esse padrão de homens de fora, né?
-Vive sim, mas às vezes eu fico achando que você tá melhor que muita gente que mora a vinte minutos da casa do namorado.
-Besta!
-Tô falando sério, não é só pra te consolar, não.
-Sei...
-O Alexei é um cara mais presente na sua vida do que imagina sua vã filosofia...
-Queria estar com ele agora e não posso, você acha que isso é fácil?
-Não, não é.
-Só pra te dar uma idéia: quantas vezes você me viu chorar na vida?
-Umas três.
-Pois então, hoje voltando do aeroporto foi a quarta.
-Cara, vou fazer um brigadeiro pra você!

Enquanto misturavam o leite condensado no chocolate em pó, Alexei ligou pra dizer que tinha chegado bem em Frankfurt e que tinha deixado uma surpresa embaixo da cama.

Como criança no natal, destroçou o embrulho e não acreditou quando viu o filhotinho de labrador com um bilhete escrito “cuida de mim” amarrado no pescoço.

A amiga, que já sabia de tudo, abriu um sorriso de quem acabou de fazer limpeza de tártaro e terminou de fazer o brigadeiro.

Porque, em se tratando de amor sincero, quilômetros não são a melhor forma de medir distâncias.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Ecologia às avessas

-Fui deixar um scrap pra você e num te achei...
-Saí do orkut, amiga.
-Quê isso, gata?
-Do facebook também.
-Jura? Logo você, a mais conectada. Aliás, pensando bem, nunca mais te vi no msn, achei até que você tinha me bloqueado...
-Hahahahahahaha! É que tenho entrado pouco mesmo.
-Menina, tô bege!
-Além do mais, bloquear alguém é caído, vai...
-Olha, eu já pensei assim, mas hoje em dia acho que existem situações e situações. Se a comunicação online não tá legal, pra quê insistir?
-Entendi, mas fica fria que não te bloqueei nada, viu? É que, sei lá, eu tava ficando meio improdutiva, meio noiada e o que é pior, meio gordinha.
-Você não tá gorda nada...
-Não tô, fato, mas também não paro mais o trânsito, como nos meus tempos de bailarina...
-Ah, amiga, naquela época você era virgem, tem saudade disso também?
-Nãããããooooooo!
-Ah, bem!
-Mas, voltando aos internetismos, nem tudo está perdido, continuo postando no fotolog.
-Aliás, vi a foto do por-do-sol, lindíssima por sinal. Amiga, você só se supera...
-Tirei na quarta.
-Foi à praia no meio da semana, é?
-Pois é, menina, comprei uma bike e agora, sempre que dá uma brecha, dou um pulo em Ipanema. Ontem, com aquele calor, dei até uma nadadinha, acredita?
-Agora eu fiquei pretérita!
-Perdi dois quilos já.
-Arrasou no recreio!
-Num é?
-Mas você vai de capacete, né?
-Igual a Lu Patinadora: Lá - Lé - Li - Ló - Lu Patinadora! Lembra disso?
-Hahahahahahaha! Claro que lembro! Mas, olha, não fica falando essas coisas por aí não, que esse tipo de piadinha denuncia a idade, bela.
-Tudo certo com minha idade, baby, foda mesmo vai ser quando a bunda começar a cair.
-Vaca!
-Já fui muito rabuda, sabe assim? E as vantagens de um rabão são incríveis...
-Você não existe!
-Mas uma hora a gente precisa se desapegar desses valores, né? A gravidade e a morte são as únicas certezas da vida.
-Hahahahahahaha!
-Mas num é?
-Aqui, me diga: como é que vai ser ficar sem ver o que as pessoas postam, sem saber o que tá acontecendo? Você vai ficar desatualizada, baby!
-Vou dar de démodé, então, tá bom pra você?
-Daqui a pouco tá sem celular...
-Deixa de ser dramática, nega!
-Vai meditar e parar de comer carne também?
-Meditar é maravilhoso, você devia experimentar, ao invés de falar sem saber...
-Tá, mas e hoje, qual vai ser?
-Tenho uma conferência no skype até umas onze, depois tô liberada. Te mando uma mensagem assim que acabar, pode ser?

É claro que podia ser.

Porque coisas de verdade são à prova de tecnologia.

E, numa espécie de ecologia às avessas, não-biodegradáveis.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Dicas práticas pra não achar que o gatinho está a fim de você quando ele só quer ser seu brother

Como sabiamente canta Zeca Baleiro, o maior desejo da boca é o beijo. Daí, por conta disso, vez por outra, meninas tomam como gatinhos em potencial moços que até têm tesão nelas e adoram estar por perto, mas, definitivamente, as veem como brothers. A partir disso, é criada uma pseudo-relação, pseudo no sentido da falta de confluência e fluidez, mesmo quando ambas as partes julgam ter sido claras sobre as intenções que as movem. Acontece. Se enganar faz parte da vida. Enganos, inclusive, podem ser nossos amigos. Com o tempo, se bem aproveitados, passam a compor uma espécie de anti-cartilha do cotidiano.

Assim sendo, segue mais uma lista de dicas práticas para evitar que vocês, meninas, gastem energia com o que não flui, e para que vocês, meninos, fiquem mais atentos às feminices.

Capítulo primeiro: do standby

-Vocês vão sair de novo finalmente?
-Parece que sim.
-Como assim, parece?
-É que não marcamos exatamente.
-Tão em dúvida de onde ir?
-Não, já escolhemos um local.
-Sei...
-É que ele me deixou em standby, disse que é melhor marcar só no dia mesmo, que daí não rola de termos de desmarcar, caso ele não consiga se desvencilhar do trampo e tal.
-Porra, amiga, standby é coisa pra aparelho de dvd!
-É que a vida dele é uma loucura, não tem horário pra nada. Pra você ter uma ideia, tem dias que ele sai de casa às quatro da manhã porque precisa filmar o sol nascendo, acredita?
-Há quanto tempo você tá em standby, nega?
-Há algumas semanas.
-Já reparou que se você deixar o dvd parado por mais de meia hora ele desarma?
-Que analogia besta, amiga...
-Não é não! Uma coisa é deixar um encontro pré-combinado, tipo “vamos se ver na sexta, mas te dou aquela ligadinha confirmando no dia”. Isso é mostrar interesse e consideração pela dama, sem deixar de levar em conta os imprevistos da vida. Outra coisa é deixar pra te convidar só no dia, como se você estivesse à disposição full time.
-...
-De repente ele te vê como brother.
-Será?
-Acho que sim.
-Pensando bem, isso rola direto entre nós duas e é mó normal, né?
-Sim, nós podemos nos deixar em standby, temos anos de brodagem nas costas!
-Mas isso rolar com o gatinho é caído, né?
-Eu não acho bacana, mas se você não se importa, tranquilo também...

Dica prática: se o moço não consegue te encaixar na agenda dele, talvez seja a hora de sair do standby e dar play em aparelhos outros. Ou de outros, você é quem sabe. Só não vale é se acomodar, que isso não é posição digna pruma gatinha.

Capítulo segundo: das “amigas”

-Você não vai acreditar.
-Ai, Jesus, fala.
-Ontem encontrei de novo com o tal carinha que te falei, lembra?
-O que você ficou anteontem?
-Esse mesmo.
-Sim e aí?
-E aí que ele não olhava direito na minha cara, sabe assim “sou muito tímido”?
-Mas pra dormir junto pelado não teve timidez, né?
-Nenhuma.
-Ai, que preguiça...
-Espera que tem mais.
-Aff...
-Chegou uma amiga minha e simplesmente se pendurou no pescoço dele, tipo cachecol, sabe assim?
-Você tem umas amigas também, hein, vou te contar!
-Foda!
-Mas ele ficou com ela na sua frente?
-Não, mas a sensação que eu tive era de que teria rolado se eu não estivesse por ali, sabe assim?
-Sei.
-Incrível esse tipo de situação, né?
-É, baby, de repente ele te vê como brother.
-Será?
-Brother é assim: fica contigo, com sua amiga, com sua irmã, tudo na mesma semana, esquema procriação em cativeiro.
-Hahahahahahahaha! Só você pra me fazer rir, amiga.
-Tem que rir, filha, e, da próxima vez que encontrá-lo, dá um jeito de cantar no ouvidinho dele assim: “Take it easy my brother Charlie, take it easy meu irmão de cor, ê, ô”.
-Hahahahahahaha! E ele é negão!
-Do olho verde, tô ligada, esse é o tipo de informação que não esqueço, gata.

Dica prática: se ficou com o gatinho e teve uma noite excelente de miscigenação, fique atenta à atitude dele com suas amigas quando encontrá-lo novamente. Se a simpatia e a permissividade forem excessivas, ligue seu detector para brothers e dê um jeito de receber um telefonema urgente requisitando sua retirada imediata do local, pois situações como essa não precisam de cenas do próximo capitulo.

Capítulo terceiro: da necessidade de mencionar outra mulher que não a mãe, a irmã ou a tia-avó numa conversa

-E aí, foi legal o encontro?
-Foi sim, ele é figura.
-Legal!
-É...
-É o quê?
-É legal porque o silêncio não incomoda, sabe assim?
-Sei, isso é bem gostoso.
-É sim.
-Mas e a química prática? Funcionou?
-Ele é bem suave.
-Você curte, né?
-Sim.
-Tá, mas o que se passa, então, filha?
-Nada.
-Conheço essa sua carinha de ponto de interrogação.
-Boba...
-Anda!
-Ah, nem é nada de mais, mas de vez em quando, não sempre, ele fala de outras mulheres, sabe?
-Hummm.
-E eu não consigo meter um: “Ah, é? Poxa, que legal!”.
-Nem é o caso, o ideal é mudar de assunto, não?
-É, mas sei lá, não curto.
-Nenhuma mulher curte. Fato.
-Será? Acho que tem mulher que não liga.
-Que não liga não existe. Existe mulher que entende isso como insegurança de macho e simplesmente desapega.
-Mas por que você acha que é insegurança?
-Não sei se é insegurança exatamente a palavra, mas é uma coisa tipo “tá vendo como sou desejado?”
-Ah, não, não posso acreditar nisso!
-Você pode até não acreditar, cada um acredita no que prefere, né não?
-Besta!
-Quer ver uma coisa? Você fala de outros caras pra ele?
-Lógico que não!
-Tá vendo? E por que você não fala?
-Porque não acho que isso seja assunto.
-E por que você acha que isso não é assunto?
-Porque não preciso me explanar pra ele, essas coisas eu deixo pra falar contigo, que com a gente rola brodagem pra isso.
-De repente ele te vê como brother.
-Será?
-Acho que sim.
-Cara, ele não tira o olho dos meus peitos.
-Querida, seus peitos são fenomenais, nem seu terapeuta deve tirar o olho deles.
-Minha terapeuta é mulher e você sabe disso, sua louca!
-Tá, mas você entendeu a semântica, né?
-Sim, sim, mas é que ele parece tão interessado...
-Em ser teu brother!
-É, né?
-É, flor, deixa quieto, que essas paradas tão rolando direto, são os ardis da pós-modernidade.
-Sempre ela...

Dica prática: se está conhecendo um moço, fique atenta à frequência com que ele cita outras mulheres no meio dos papos de vocês, porque isso, mesmo numa história com química sexual e intelectual interessantes, é sinal de que ele quer te comer e, ao mesmo tempo, ser teu brother. Se pra você isso é satisfatório, tanto melhor, mas, se você não sai bem nessa foto, não insista, porque essas coisas não costumam mudar.

Capítulo quarto: da confusão entre saudade e vício

-Menina, hoje me deu uma saudade do figura...
-Não é saudade, filha, é vício.
-Será?
-Óbvio, eu morro de saudade do meu maço de Marlboro.
-Falando nisso, hoje fazem três dias que eu não fumo.
-Mas você num foi numa festa ontem?
-Fui.
-Bebeu?
-Todas.
-E não fumou?
-Não.
-Nem varejo?
-Não.
-Nem traguinho amigo?
-Não.
-Tá explicado!
-O quê?
-A saudade do figura!
-Como?
-Natural, neguinha, você se privou de um vício, daí se lembrou de outro.
-Será?
-Claro, gata.
-Estranho isso, né?
-Estranho nada, a gente se acostuma com as pessoas, acontece. E acontece também de num belo dia você se olhar no espelho e pensar: “poxa, acho que de repente esse figura me vê como brother”.
-Foi meio isso mesmo que rolou.

Dica prática: se conseguiu vislumbrar que determinado moço te vê como brother e que, ainda assim, você meio que se acostumou com ele, pois ele é um querido e coisa e tal, aceite a situação, mude o foco e siga em frente numa boa, lembrando sempre que com homem é que nem com cigarro: as primeiras setenta e duas horas de abstinência são as piores. Depois a tendência é melhorar.

Afinal de contas, é prudente tentar enxergar o limite antes de se deparar de cara com ele.

Porque o mais importante é sermos brothers de nós mesmos.

Pra desenvolver a incrível habilidade de aceitar a vida do jeitinho que ela é: complicada e perfeitinha.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Bobagem (parte 2)

Buscar na satisfação pura e simples pela mais sublime felicidade é desacreditar no poder do fim do túnel

É colocar em xeque o ponto de mutação

É coisa pra se fazer somente de porre

Mas nunca na frente do espelho

sábado, 15 de agosto de 2009

Dia e noite

-Hoje é dia dos solteiros.
-E de Nossa Senhora da Glória!
-E o que Nossa senhora da Glória fez?
-Ela é mãe de Jesus.
-Peraí, mas a mãe de Jesus não é Maria?
-Até onde eu sei, que fui só até o catecismo, Nossa Senhora é uma só, mas, como ela apareceu em vários lugares, tem vários nomes: Nossa Senhora de Lourdes apareceu em Lourdes, Nossa Senhora de Fátima apareceu em Fátima e por aí vai.
-Faz sentido então, porque Maria foi mãe solteira.
-Olha a blasfêmia! Ela era casada com José, não era solteira, era virgem!
-Ah, desculpa, achei que seria uma boa analogia.
-Não foi não, com essas coisas não se brinca!
-Tá, quer dizer então que hoje tem festa no Outeiro da Glória?
-Festança!
-Deve estar cheio de solteiro por lá!
-Hahahahahahahahaha!
-Ah, cara, já me ligaram várias amigas arrasadas, falando que dia de solteiro não se comemora, que é uma data pra colocar o rabo entre as pernas e se lamentar, mas eu acho isso uma falácia.
-Falácia não sei, mas que um falo caía bem, ah, caía.
-Podre você!
-Pensa comigo: todo casado já foi solteiro um dia, o que significa que os solteiros são casados em potencial, como larvas que um dia serão borboletas.
-Ainda tem mais: muito solteiro de hoje já foi casado um dia, o que significa que, de forma cruel mas verdadeira, alguns casados também são solteiros em potencial...
-Mas esse pensamento é destrutivo, porque as pessoas se casam pensando que vai ser pra sempre.
-Será mesmo?
-Acho que sim, amiga.
-Do jeito que tá tudo tão descartável...
-Existem casos e casos, não se pode generalizar.
-O fato é que, quanto mais entre as pernas estiver o rabo, menos erguida se está a cabeça. E, segundo minha mãe, quem muito se abaixa alguma coisa aparece.
-Boa!

Continuaram transitando pelo óbvio, como quem dá voltas em torno do próprio rabo.

Felizes por serem solteiras mas não solitárias.

Por terem dias de sol, chopp gelado, festas soul e motéis com banheira de hidromassagem.

Pois, se o dia é dos solteiros, nada impede que a noite seja de glória.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Chat(eação)

Eu orkuto
Tu twittas
Ele bloga

Nós skypeamos
Vós myspaceás
Eles chat(eiam)

Seguem achando que se comunicam
Sem olho-no-olho
Sem tom e sem voz

Numa anti-intimidade confusamente pós-moderna
E estranhamente desumana.

domingo, 9 de agosto de 2009

Entre limões e sonhos


Encontrei Tia Lúcia na rua ontem.

-Oi, filhinha, tudo bem?
-Tudo, tia, e as meninas, vão bem?
-Tudo ótimo, cada uma num canto do mundo, aquela coisa.
-E o tio?
-Tá bem, aposentado, seguimos firmes, unidos.

Antes que eu pudesse emendar algum outro assunto, ela veio com a história de sempre.

-Não posso te ver que me lembro de você pequenininha lá em casa, contando uma piada atrás da outra, o centro das atenções.
-Sempre fui aparecida, né?
-Todas as meninas iam cheias de lacinho no cabelo, mil balangandãs e você com um shortinho, um tenizinho e uma camisetinha sem manga.

Tia Lúcia é uma mulher fina, sempre foi. Não mencionou que meu cabelo era uma ode ao Jackson Five e nem que meu shortinho era herança dos irmãos mais velhos.

-Bons tempos, né, minha queridinha...

Concordei por concordar, mas acho que eram mesmo.

Foi com Tia Lúcia que aprendi a gostar dos domingos, pois ela fazia questão de me incluir nos programas culturais infantis da família, sempre encerrados com sonho de doce-de-leite na padaria da esquina de casa.

Como uma lembrança puxa a outra, me veio a imagem de mamãe agora.

-Polianinha, querida, larga esse limão!
-Eu gosto dele, ele é meu amigo.
-Sim, filhinha, mas você já chupou ele todo, dá pra mamãe jogar fora, dá?

Passei a infância assim.

Engraçado que, de certo modo, continuo a mesma:

Uma cabeluda aparecida, entre limões e sonhos.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Superfície

Estar no páreo sem saber exatamente do quê

Ter medo da própria coragem

Colocar colete salva-vida em terra firme

Andar descalço em mármore de Carrara

Usar mertiolate indolor

Preferir o certo ao duvidoso

Trepar apenas com a buceta

Desviar do assunto

Querer sem vontade

Tomar chamagne só porque é chic

Ser feliz em tese

Como vitórias-régias que nem se percebem invejosas de tudo que é profundo

E que nunca saem pra pescar sutilezas

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Coisas de Clarice

Trechos de 'Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres', de Clarice Lispector


Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteiro, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso.

Nós ainda somos moços, podemos perder algum tempo sem perder a vida inteira. Mas olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro.

Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada.

Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível.

Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa.

Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo" e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia. Não, não quero ser feliz. Prefiro a mediocridade. Ah, milhares de pessoas não têm coragem de pelo menos prolongar-se um pouco mais nessa coisa desconhecida que é sentir-se feliz e preferem a mediocridade.

Você precisa andar de cabeça levantada, você tem que sofrer porque você é diferente dos outros.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Impressões

Assistir a uma sessão de curtas falando sobre a longa dor que é viver

Aceitar que cinema é coisa de maluco que vive a se alongar na tentativa de encurtar a dor

Ou de dividi-la em vinte e quatro quadros por segundo

Pra ver se imprime uma marca no mundo

Que não seja a da maldade

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Quem dera a segunda pudesse contar ao domingo o quão gentil sábado havia sido com ela

Impossível

Domingo estava bêbado como uma porta

Esperando há horas pela solidão

Que chega só na quarta feira

sábado, 1 de agosto de 2009

Sábado à tarde

Atender interfone ofegante

Assumir o controle sem piloto automático

Usar renda preta como arma branca

Ajoelhar sem rezar

Endurecer pau com a boca

Apanhar sem reclamar

Degustar o próprio mel lambuzado na língua que lhe beija

Suar pelo tampo da cabeça

Inventar desculpas lânguidas pros hematomas

Comprar permanganato

Arrepiar-se só de lembrar

Como uma gueixa pós-moderna

Que bebe na fonte da saudade do que ainda nem viu

E acaba, inevitavelmente, molhada.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Casal gramatical

Ele é um sujeito cheio de predicados

Ela, uma oração insubordinada

Ele é uma metáfora nata

Ela, um advérbio de dúvida

Ele, cheio de interjeições, emenda um aposto no outro

Ela, cheia de emendas, zomba do soneto

Ambos substantivos próprios e abstratos

Unidos

Até que o hífen os separe

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Mas

Gosta de ser sincera, mas sua vida é um livro aberto só até a página dois

Costuma nadar nua, mas a ausência de marca de biquíni lhe é bastante vergonhosa

Tenta entender a raiz das coisas, mas se distrai demais com as flores

Escreve crônicas sobre a vida, mas sabe que são só voos imaginários

Pensa em escrever na pedra, mas duvida que ela saia do meio do caminho

Tira onda de profunda, mas não arca com água oxigenda na ferida aberta

Esquece a asa delta em casa, mas, ainda assim, se acha pronta pra voar.

domingo, 26 de julho de 2009

Cesta básica

-Mas daí ele te arrastou prum canto, foi isso?
-Sim, pra gente se conhecer melhor.
-Se conhecer melhor é puxado...
-Super, mas eu fui, né, já tava como...
-Claro.
-Rolaram uns beijinhos e, dali a pouco, perdendo a imensa oportunidade de ficar calado, ele manda: pô, gatinha, eu até tô super a fim de te pegar mais vezes, mas você sabe que eu tenho namorada, né?
-Ele tem namorada?
-Tem.
-Homem num administra bem mais de uma tpm por mês, querida, tem que arrumar um solteiro pra te comer!
-Pois é...
-E esse ‘eu até tô super a fim te pegar mais vezes’ é um acinte!
-Muita gente fala assim, vai, também não é o fim do mundo...
-Aprende uma coisa, amiga: quando o cara fala ‘eu até tô a fim’ é a deixa pra você começar a treinar pros cem metros rasos, não sem antes dizer: ‘sabe que eu até tava cogitando te dar minha bucetinha?’
-Hahahahahahahaha.
-Porra, você ri?
-O que você quer que eu faça?
-Parar de dar bola presse sem-noção já seria um ótimo começo.
-Você quer ouvir a história até o final ou vai continuar monologando sobre as respostas que eu deveria ter dado?
-Tem mais? Não parou na namorada?
-Menina, ele estava decidido a deixar passar todas as chances do mundo de ficar em silêncio.
-Tipo Luciana Gimenez?
-Por aí.
-Aff...
-Escuta: ele puxou uma agenda e começou a dizer que dias tinha pra mim, que dias saía com a namorada e que dias ia sozinho pra pista, você consegue visualizar a cena?
-Pior é que consigo, mas e aí, você disse o quê?
-Disse que às sextas, enquanto ele encontra com a gatinha, eu costumo ver meu personal fucker e que, como ele é dos bons, sábado é dia de ficar com a bucetinha de molho no permanganato.
-Você disse com essas palavras?
-Como quem fala sobre morangos orgânicos em promoção.
-E ele?
-Deu aquele riso nervoso de homem, sabe?
-Sei.
-Pra logo depois perguntar se no domingo eu já estaria recuperada.
-Caralho! Inacreditável! E você?
-Disse que domingo era um bom dia, que eu normalmente costumava ficar em casa no dolce far niente, praticando meus exercícios de pompouarismo na companhia de meu vibrador e que, se ele quisesse dar uma chegada, seria super bem-vindo.
-Hahahahahahahaha. Muito bom! E ele?
-Ficou com cara de paisagem fora de foco, sabe?
-Pelo menos serviu prele calar a boca?
-Naquele dia, sim, mas acabou de me ligar.
-Te chamando pra sair?
-Me chamando pra ir numa casa de suingue, acredita?
-Gente, esse cara é um mito!
-Ele é cara-de-pau, isso sim!
-Mas você tá morrendo de vontade de dar pra ele, né, sua piranha? Nunca vi pra gostar tanto de homem sem nada na cabeça, impressionante.
-Tenho uma queda por boçais, sim, que mal tem isso?
-Mal não tem, fetiche é fetiche.
-Ainda assim, isso é melhor do que o hidratante facial que tu tem que usar toda noite.
-Caralho! Sabia que uma hora você ia acabar jogando essa porra na minha cara!
-Quem joga porra na tua cara não sou eu, não, boneca, me inclui fora disso!
-Besta...
-Desculpa, amiga, é mais forte que eu. Mas me diz: você ainda tá saindo com esse figura?
-Cara, uma relação, por mais que seja pura e unicamente pra sexo, não pode ser tão desigual: o cara queria comer meu cuzinho e gozar na minha cara, mas nunca, nunca, me deixava ficar por cima.
-Não sabia desse adendo. Que coisa, menina, mas tinha algum motivo?
-Pra ele, mulher que monta em cima de homem e que pinta unha de vermelho é tudo puta.
-Mentira!
-Pra você ter uma idéia, nem lambidinha no mamilo ele deixava eu dar, dizia que era coisa de viado.
-Mas raspar o peito pode, né?
-Pois é, vamos abafar esse caso...
-Poxa, querida, essas coisas você não tinha me contado.
-Ah, porque é meio humilhante, né? Mas, depois do seu episódio da agenda, me senti mais à vontade.
-Vaca!
-Sem sacanagem, é confortante saber que não é só comigo que barbaridades acontecem, dá uma sensação de pertencimento às avessas, uma coisa meio freak até...
-Sei bem, na merda todo mundo é solidário, difícil é amigo que atura seu sucesso, já dizia Vera Loyola, mas conta: e aí, dispensou o bofe?
-E fui fazer pé e mão na sequência.
-Passou o quê?
-Romance por baixo e Atração fatal por cima.
-Boa! É esse que você tá usando?
-Não, esse é Rebu por baixo e Romance por cima.
-Ah tá...
-E hoje, qual vai ser?
-Vou estrear meu vibrador tailandês e tu?
-Comprei um saquê e vou ver uns filminhos bestas na tv.
-Estamos bem, então, né?
-Estaremos melhores no dia que os vibradores aprenderem a perguntar como foi nosso dia, mas, por enquanto, vamos levando.

Iam levando mesmo sabendo que tanto pastiche feminista meia-boca era coisa só pra inglês ver e tailandês meter.

Porque no fundo no fundo, em algum lugar entre o ponto G e a solidão, toda mulher quer mesmo é uma cesta básica pra chamar de sua.

Com direito a ovos, salame, leite batido, miolo, coração, pimenta e sal.

Sem miséria.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Bobagem

Buscar no fundo do pote pelo mais doce mel é desacreditar no poder das coisas frescas

É colocar em xeque a colméia

É coisa pra se fazer somente aos domingos

Mas nunca na frente das crianças

terça-feira, 21 de julho de 2009

...

Rotular laços como sopas Campbell

Matar o duvidoso com tacada certa

Querer entender tudo sempre

Repetir mil vezes só pra poder se ouvir

Cansar de repetir, mas, ainda assim, repetir de novo

Como que a afastar o segundo copo, posto que o primeiro já matou a sede.

domingo, 19 de julho de 2009

Já passou pelo dissabor de ouvir que era incapaz de amar

Já saboreou a incapacidade de parar de gozar só com palavras

Já viu o que não existia afirmando estar lá

É mestre em começos

Doutora em meios

Phd em fins.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Na dúvida

O Céu não era de Suely nem de brigadeiro

A Lua não era nova e nem tampouco transbordava de cheia

O Sol, que já não estava muito a fim de brilhar mais nenhuma vez, aproveitou para burocraticamente adiar a volta aos palcos

Por mais incrível que pareça, nem é por isso que o mar de seus olhos, cansado de tanta tsunami, ainda não perdeu o medo da ressaca

Na dúvida, achou melhor esperar que inventem um engov para almas dormentes

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Só pra ver

Comprou teste da Marie Claire só pra ver se era mulher fatal.

Como deu negativo, fez escova possessiva.

Organizou piquenique no Parque Guinle só pra ver se dava pra socialite.

Como choveu, correu até a marquise mais próxima.

Deu telefonema pra número errado só pra ver se falava com alguém diferente.

Como caiu na caixa postal, engoliu o monólogo.

Conversou com os fantasmas do passado só pra ver se ainda se sentia intimidada.

Como eles estavam ocupados com o presente, deixou a prosa pro futuro.

Beliscou azulejo com a bucetinha só pra ver se ainda tinha a mesma forma de outrora.

Como os pequenos lábios gritaram, percebeu que o resto era silêncio.

E gemidos.

Não necessariamente nessa ordem.

domingo, 12 de julho de 2009

Domingo de sol e chuva

Entediada, pensa coisas que cansam.

Cansada, leva o mp3 pra caminhar.

Caminhando, lembra dos campeonatos de elástico da escola.

Escolada, percebe que presente não se chama assim à toa e que chamado é coisa de quem se permite ideias.

Permissiva, conclui que ideias, assim como bebês, vêm quando têm de vir, esgarçam o meio da noite, e, com o passar do tempo, precisam cada vez menos de nós.

domingo, 5 de julho de 2009

Geometria às avessas

Enquanto a Lua transita pela casa cinco e o Sol pela doze, alertando para a necessidade da meditação, a meditação, por outro lado, alerta para a necessidade da escrita e da escuta, como se as palavras tivessem o poder de iluminar o caminho que desde sempre soube ser seu, já que, ainda menina, vivia a imaginar diálogos da Dona Benta, da Narizinho e das novelas da Janete Clair.

Pensou se a Lua, de tanto brilhar, não a tinha cegado com essa história de olhar pra dentro. Cogitou também se o Sol, que rege sua juba e enche de sardas seu colo, também não tinha ficado aborrecido quando ela parou de dançar e virou intelectual pra depois voltar a ser artista, como que a pegar carona de volta com a roda da fortuna rumo ao desconhecido.

Ficou absorta nesses pensamentos sem nem sequer saber por que motivo chegou até eles. De tanto esculpir imagens, sabe, lá no fundo, que são os pensamentos que nos alcançam e nos escolhem e não nós a eles, como sonha a van filosofia ocidental sem gasolina especial.

Abriu o Word e escreveu para si mesma, como que a embalar-se no próprio berço esplêndido e a aceitar que, apesar de muito geminiana, em alguns dias não estava para grandes conversas. Nessas horas, era o caso de digredir de si mesma, de buscar atalhos em curvas ou tangentes em linhas retas, como numa aula de geometria às avessas que escola nenhuma ensina.

E foi assim, preenchendo lacunas e analisando múltiplas escolhas, que mergulhou nua no próprio mar e nadou sem medo à luz da Lua cheia.

Porque uma hora é preciso estar pronta pra fazer dever de casa de gente grande.

E perceber que, na maior parte das vezes, todas as respostas estão corretas.

sábado, 4 de julho de 2009

Como quem

Acordou de ressaca como quem chupa halls de jiló
Ligou pra melhor amiga como quem toma chá de camomila
Tomou banho demorado como quem faz viagem longa
Escolheu calcinha de renda como quem não quer nada
Pintou unha de vermelho como quem sabe onde pisa
Saiu na hora certa como quem entende de rastros

Depois de tantos como quem, decidiu mandar seus pensamentos via sedex pra bem longe.

Como quem só quer saber mesmo é do agora.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Para Michael

Tava tudo bem ontem. Lógico que tudo bem dentro da forma clássica de se estar bem, já que temos amigos, esperança no futuro, cerveja, saúde e disposição pra trabalhar. Tudo bem até a hora de saber que Michael Jackson tinha pego sua mala e ido pra onde ninguém volta pra contar como é. Tudo bem que uma hora todo mundo faz a mesma coisa e tal, mas o cara, depois de experiências cromáticas diversas e escândalos mis, estava finalmente de turnê marcada para esfregar sua inventividade na cara dos caretas.

‘Ah, mas ele era um pedófilo filho de uma puta’ é o que diz o senso comum de nossa sociedade mal-comida. Ok, nada bonito ficar dando sorvete de creme pras crianças que ainda teriam bastante tempo de inocência antes de começar a frequentar sorveterias, mas, sem querer escrotizar quem já está na merda, esses pais também, né? Ao invés de proteger suas crias, deixavam os fedelhos sozinhos dando um rolé com Tio Michael na neverendingblowjobland para, depois, ao perceberem que o sorvete tava fora da validade e a cobertura, azeda, arrumarem, muito chocados, um jeito de tirar uma graninha do atormentado. A pergunta é: se fosse um Zé-ninguém morando em nowhereland, quem ia querer dar um rolé com o titio?

Acontece que, independente e acima de qualquer coisa ou suspeita, pairou sobre o mundo, por cinquenta anos, o gênio Michael, com nome de anjo e trajetória dos infernos. E eu, que quero é mais e acho é pouco, chorei pra caralho ao receber a notícia, porque criança, antes dessa onda de Neverland, quando ele só queria alisar o pixaim em paz, eu, branca do cabelo duro, só queria saber dele. Até concurso de Michael Jackson na matinê do clube do lado de casa eu ganhei, muito por conta das horas a fio ensaiando aquela moonwalk. Nessa fase eu sabia de cor e salteado todas as músicas do Thriller, primeira antologia pop de minha vida, mesmo que na escola só tivessem me ensinado o to be or not to be. Depois disso, quando já não tinha mais idade para matinês, trancada no quarto, continuei don’t stopping till getting enough: the girl is mine, liberian girl, beat it, the way you make me feel, smooth criminal, billie jean e tantas inúmeras baladas ajudaram a preencher de cor os dias cinzentos da mocinha que eu era, acuada entre o orgulho de ser misturada e a vergonha de não ter um esteriótipo pra chamar de meu.

Como fã, queria que ele tivesse feito uma terapia, pra se perceber bonito mesmo tendo tido um pai hard rock café, pra se perceber adulto, mesmo gostando de criança no café da manhã, mas, enfim, esse negócio de ser gênio deve ser meio complicado de administrar.

Já que não tive esse poder de dar uns conselhos, me atrevo a pedir um favor: Michael, chegando lá, antes de desfazer as malas, procura o man in the mirror e diz que eu mandei perguntar who’s bad?

sábado, 20 de junho de 2009

Banana engorda e faz crescer

Valentina tem uma filha adolescente e já percebeu que hoje em dia essa moçadinha - não sabemos se por culpa das novelas, da internet ou das propagandas de guaraná - está com os hormônios turbinados. Ou seja, o que nós aos quinze estávamos começando a pensar em fazer, as garotas de hoje, aos treze, já fazem há tempos.

Portanto, na tentativa de não ser avó tão cedo, jogou seu apelo de mãe:

-Querida, queria falar uma coisa com você.
-Não é sobre sexo não, né, mamita? Que essa semana a gente já teve que colocar camisinha em banana na aula de educação sexual. Mó mico!

Ok, a menina estudava numa escola ‘cabeça’ pra filho de artista, mas, apesar desse negócio de colocar camisinha em banana ser até bem legal, não é garantia de que a mesma será embrulhada de fato na hora do vamo ver, ainda mais ali, ambiente construtivista, cheio de recantos propícios para o plantio de frutas sem casca.

Pra se fazer de relaxada, foi só dando corda:

-Acredito que tenha sido mico mesmo fazer isso na frente dos meninos.
-É, e ainda por cima, fiquei no grupo do Matheus, ninguém merece...
-Ah, é?
-É, e ele ficou me zuando.
-Por quê?
-Disse que eu não tava acostumada a comer banana. Ainda falou altão, pra geral ouvir!
-Que idiota.
-Mas eu não deixei barato, não! Falei: é, eu posso até não estar acostumada com banana, mas, ainda assim, dispensaria a sua, mesmo que fosse a última do mundo!
-Hahahahahahahahahahaha! Boa!
-Ele se acha só porque namorou a Vanessa no ano passado e porque ela levava ele pra tudo quanto era show do pai dela.
-Grande coisa.
-Pois é. Sou mais meu pai, que me levava no ballet, esperava a aula acabar e ainda me dava sorvete de pistache depois.
-Seu pai era um homem bom mesmo.
-É...
-Então, filhinha, o que eu tenho pra te falar tem um pouco a ver com isso.
-Com papai?
-Num certo sentido, sim, porque ele costumava dizer, quando você tinha uns dez anos, que na hora que seus peitinhos começassem a aparecer, teríamos que te fazer uma pergunta importantíssima.
-Qual?
-O que separa a cabeça do resto do corpo?
-Como?
-A pergunta é essa: o que separa a cabeça do resto do corpo?
-Fácil! O pescoço.
-Quase.
-Como quase? Óbvio que é o pescoço!
-Aí é que você se engana: quem separa a cabeça do resto do corpo é o ombro, não o pescoço!
-Tá! Beleza! Mas o que isso tem a ver com os meus peitinhos?
-Absolutamente tudo.
-Por quê?
-Porque piroca não tem ombro!
-Quê???
-Acompanha meu raciocínio: se é o ombro que separa a cabeça do resto do corpo, e piroca não tem ombro, não existe essa história, que você já deve ter ouvido dos meninos, de colocar só a cabecinha, entendeu? Eu mesma conheço muita criança que veio ao mundo em virtude do fatídico “foi só a cabecinha...”.
-Caraca, mãe, de onde você tirou isso??? E piroca é uma palavra muito feia! Eca!
-Calma, deixa eu terminar meu raciocínio!
-Ok...
-Toda vez, mas toda vez, que você estiver com um menino e ele vier com esse papo, você coloca uma camisinha nele. Se ele disser que sem camisinha é mais gostoso e que você é livre pra fazer o que quiser, já que é uma menina moderna, recolha sua bucetinha e embrulhe pra presente, porque o que não vai faltar é garoto querendo pegar senha pra sair com você, combinado?
-Combinado, mas, mãe, bucetinha é muito feio também!
-Você prefere chamar de quê?
-De pênis e vagina! Óbvio!
-São os nomes corretos, mas muito científicos, não?
-Mas eu sou uma cientista, esqueceu do prêmio que eu ganhei na feira de ciências do ano passado?
-Como eu ia esquecer, garota?
-E, ainda por cima, quando eu crescer, eu vou ser neurocirurgiã, daí, vou ter que usar palavras de cientista toda hora, né, não? É melhor ir treinando desde já.
-Tá certo, cientista, chama do que você quiser, tá bem?
-Por que você não pergunta logo o que quer saber?
-Porque fazer pergunta é muito mais difícil do que dar respostas.
-...
-E, além do mais, eu posso até não parecer, mas sei das coisas, entendeu?
-Tendi.
-De qualquer forma, nunca é demais falar o quanto é bom evitar bananas sem casca, pelo menos por enquanto, não só por conta de neném, mas por um monte de coisa ruim que pode acontecer.
-Sei, as DSTs! Ai, mãe, parece até que eu sou criança!
-É, né? Papo brabo esse meu.
-Nojento, mas por outro lado é sempre bom lembrar do papito, né?
-Muito. Aliás, bora tomar um sorvete?

Escolheram pistache por pura nostalgia e sabiam, lá no fundo, que o sorvete era mero pretexto pra continuarem, como quem não queria nada, o papo sobre meninos e suas angulosas formas de sempre conseguirem o que querem de nós.

Afinal, garota que perde pai cedo demais, precisa de mãe que explique bem direitinho por que banana tem vitamina, engorda e faz crescer.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Os que gostam e os que veneram

-Oi, demorei muito?
-Nada, pequena, cheguei tem dez minutinhos. E aí, tudo bem?
-Tudo.
-Pedi um carpaccio pra gente, tá?
-Tá.
-Quer um chopp também?
-Agora não.
-Se quiser pedir, pode deixar que eu não conto pra sua mãe.
-Nada, dinda, ela sabe que quando saio com você às vezes tomo uns drinques.
-Ok.
-Ó, adorei o presente.
-Curtiu mesmo? Porque pode trocar, sabe que não fico ofendida.
-Sim, mas amei! Nunca tive uma blusa com strass na vida.
-Tava na hora já!
-Só não sei onde vou ter chance de usar uma coisa chic daquela.
-Quando surgir uma oportunidade, você vai saber.
-Tá.
-Roupa chic é assim: melhor ter.
-Que nem aquele vestido que você usou nos meus 15 anos, né?
-Exatamente!
-Vem cá, mamãe disse que você tinha uma coisa pra falar comigo.
-Disse, é?
-Aham.
-Certo. Vou ser bem direta, tá?
-Tá.
-Seguinte, agora que você já é uma universitária, precisa saber uma coisa sobre os homens.
-Ai, fala sério!
-Calma, garota!
-Tsc...
-Vou resumir, tá?
-Por favor!
-Vamos lá! Apesar de todas as especificidades presentes no universo masculino, que vão desde classe social até caráter e bondade no coração, podemos classificar os homens em dois tipos: os que gostam de buceta e os que veneram.
-Ah, dinda, olha a zuação...
-Tô falando sério!
-Tá, na teoria isso é lindo, mas como vou saber a diferença entre um e outro na vida real? Vou chegar pro bofinho e perguntar: vem cá, amigo, você gosta ou venera?
-Hahahahahahahahahaha!
-Ri não!
-Desculpa, é que sua pergunta foi ótima. Vamos lá: homens que apenas gostam de buceta não costumam ter paciência pro resto da mulher, sabe assim?
-Hummmm, tipo o namorado da tia Vanda?
-Por que você acha que ele se encaixa nessa categoria?
-Porque ele não admira ela, não faz questão de ser gentil, marca de sair e some, não liga, viaja sem avisar, essas coisas.
-Que mais?
-Precisa de mais?
-Não, só se você se lembrar de algo.
-Hummmm...Ah! Sempre que ela ameaça abandoná-lo, ele vira o melhor amante do mundo.
-E o que diferencia ele de um cara que venera buceta?
-Acho que o cara que venera não precisaria de ameaça pra ser o melhor amante do mundo, né?
-Isso mesmo!
-Mas, dinda, a maioria dos homens é que nem o namorado da tia Vanda, não?
-Não!
-Não?
-Aí é que tá! Assim como existem dois tipos de homem, existem dois tipos de mulher.
-As que aceitam esse tratamento e as que não aceitam, né?
-Isso. E eu adoraria que você fosse do segundo tipo.
-Eu acho que sou, sabia?
-Também acho que você é.
-Eu tenho uma pena danada da tia Vanda...
-Pois não devia, cada um sabe de si.
-Mas ela podia ter dado um pé na bunda desse mané há muito tempo, concorda?
-Concordo, ela é livre pra fazer o que quiser, não depende dele pra nada.
-Não entendo o que se passa...
-É que ela acredita que ele vai mudar.
-E isso não deixa de ser uma espécie de dependência, né?
-Pior! Isso é achar que qualquer abajurzinho de cabeceira vai fazer sumir o medo do escuro.
-Afff!
-Por isso, boneca, queria pedir pra você vir falar comigo sempre que tiver alguma dúvida sobre em que categoria encaixar um rapaz, combinado?
-Combinado!
-Vai um chopp agora?
-Pode ser um uísque?
-Hoje pode.

E assim, sem maiores delongas, deram um importante passo rumo ao entendimento da difícil tarefa de existir num mundo em que ser livre virou passagem só de ida pra maior e mais covarde de todas as prisões, sem direito a visita íntima nem a cela especial.

Pra sair dela, só mesmo perdendo o medo do escuro.

Porque almas costumam se comunicar melhor em braile.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Todo dia é dos namorados

-Pra você o que é pior: Natal ou dia dos namorados?
-Natal.
-Por quê?
-Porque do Natal não tem como fugir.
-E do dia dos namorados, tem?
-Tem, claro!
-Como?
-Indo pruma balada, por exemplo.
-Pra ver geral super se amando?
-Ou pra se arrumar também...
-Num guento mais balada, acho que vou ficar em casa mesmo.
-Sozinha?
-Não, acompanhada do meu uísque.
-Viva o cachorro engarrafado!
-Pois é!
-Pensa assim: é uma data comercial, que nem dia das mães.
-Ainda bem que mãe eu tenho!
-Muito melhor ter mãe do que namorado, vai!
-Hahahahahaha.
-Num é?
-Obrigada, amiga.
-Obrigada por quê, posso saber?
-Por diminuir o peso das coisas que estão do lado de fora.
-Minha função é fazer você ver que nada na vida é mais bacana do que ter a exata dimensão de quem nós somos. E você é linda, radiante, fora do comum, dona das melhores receitas light do planeta, que dão vontade de só comer grama pra sempre...
-Eu preciso, né, gata? Não é todo mundo que tem esse seu corpinho de sílfide sem fazer força!
-Eu queria ter essas suas tetas deslumbrantes.
-Realmente meu peito é fenômeno.
-Sabe o que Ronaldo disse pra mim ontem?
-O quê?
-Que o povo do trabalho dele só se refere a você como a amiga “farol de milha” da tua mulher!
-Caralho, que bizarro!
-Inclusive o Alexandre, sabe o Alexandre, né?
-O narigudo da coxa grossa?
-Esse mesmo.
-O que tem ele?
-Vive perguntando se você tá solteira...
-Ah é?
-É, quer que eu agencie?
-Não, deixa quieto.
-Vamos deixar passar o dia dos namorados, que é melhor, né?
-Isso.

E assim, enquanto uma foi pros braços fortes do marido, a outra foi pros braços tenazes de morfeu, não sem antes brincar com seu cachorro engarrafado de 12 anos.

Ambas enamoradas delas mesmas.

Porque, pra quem gosta do que vê no retrovisor da alma, todo dia é dos namorados.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Por quê não?

-Oi, filha!
-Oi! Diz sem pensar muito: se você pudesse escolher um bofe assim perfeito, independente de ser casado, solteiro, viado, ou qualquer porra, quem você escolheria?
-Pode um só ou é lista tríplice?
-Um só, com direito a um interino, em caso de doença ou afastamento...
-Hahahahahaha!
-Fala!
-Você me ligou pra isso, amiga?
-Por quê? Tá ocupada, é?
-Não, tô é preocupada com a tua falta do que fazer e também com a conta do teu celular no final do mês!
-Preocupa não, gata, a firma cobre o celular.
-E a falta do que fazer, quem cobre?
-Porra! Vai responder ou não, caralho?
-Pode ser casado mesmo?
-Claro, é só mais uma daquelas enquetes básicas...
-Frejat.
-Jura?
-Se precisar eu juro...
-Mas por que logo o Frejat?
-Pô, o cara é um bofe exportação, vai!
-Hahahahahahaha.
-Mas num é?
-Eca, nem acho, muito bruto...
-Pra isso que existe polimento, filha.
-Piranha!
-Que seja...
-E o interino?
-Vale internacional?
-Claro!
-Antonio Banderas.
-Mas tu curte mesmo um cais do porto, né, amiga?
-Quanto mais xucro melhor.
-Ok, tá anotado.
-E tu, vai de Johnny Depp, né?
-Como você sabe?
-Gatona, você era apaixonada pelo Lauro Corona quando era guria, lembra não?
-Pode crer...
-E o interino? Giannechinni, né?
-Exatamente!
-Nunca vi mulher pra gostar tanto de homem com jeito de viado...
-Gosto de homem cheiroso, uai.
-Eu também, gata.
-Té parece! Já vi você traçando cada coisa suada no final da noite...
-A minha diferença pra você sabe qual é?
-Qual?
-Eu tenho disposição pra dar banho, deve ser por conta do meu instinto maternal, super à flor da pele...
-Sei...
-Banho de gato, então...
-Aham.
-Não posso ver uma orelhinha sujinha que já saio metendo a língua...
-Hum, começou a nojeira!
-Quem mandou me ligar pra falar de homem? Sabe que tô há dois meses sem sexo, subindo ladrilho de tamanco, queria que eu falasse o quê?
-Você é muito nojenta com esse negócio de meter a língua em tudo que é buraco!
-Alto lá! Não só os buracos têm meu respeito! Sou democrática! Faço um ótimo trabalho nas superfícies convexas também.
-Quanto mais convexo melhor, né?
-Melhor mesmo é parar com esse papo, que tô no meio da rua sem um banheiro à vista.
-Ai, que podre!
-Podre, não, realista!
-Sei...
-Mas e aí, vai fazer o que com essa enquete? Colocar no orkut?
-Tô pensando...
-É uma, mas sabe que esse negócio de fazer cotação de bofe na internet é uma faca de dois legumes, né?
-Eu, hein, por quê? Sonhar não custa nada...
-Não, não custa, não é nesse sentido que falo.
-Qual sentido, então?
-Ai, sei lá, a mulherada anda muito desconfiada...
-Você acha que a mulher do Frejat vai no meu orkut????
-Não, né?
-Óbvio que não!
-Tá certo, eu que sou muito paranóica mesmo...
-Tá com rabo preso, é?
-Nada, filha, tô com o rabo precisando de óleo, isso sim!
-Ai, chega, que me deu nojo agora!
-Tá bem, Lady Di, adorei o papo!
-Eu também, vamos combinar um cineminha dia desses?
-Bora! Te ligo amanhã de noitinha, beleza?
-Tá certo, té mais!
-Beijo, lindinha, se encontrar com o Frejat no caminho de casa, diz que eu mandei perguntar por que é que a gente é assim.
-Tá bem...

Desde meninas faziam enquetes que não seriam divulgadas em lugar algum.

Mania de esculpir romances mentais, de construir castelos de areia, só pra ver se o dia, quem sabe, toparia nascer um pouco mais feliz.

Afinal, todo mundo tem um ponto fraco.

Esse era o delas.

Por quê não?

sexta-feira, 5 de junho de 2009

E se...

-E se pudesse?
-Ah, se pudesse, se pudesse...
-E se pudesse?
-O lance é que não pode e acabou! De que adianta ficar conjecturando agora?
-Sim, eu tô ligada que não pode! Nunca! Jamais! Em tempo algum! Já saquei!
-Ah, bom, já ia meter um ‘tá difícil de entender, né, filha?’
-Hahahahahahahahahahahaha.
-Tô aqui falando uma coisa simples e você só no ‘Mas e se pudesse?’ ‘Mas e se você voltasse atrás?’ Jesus, afasta de ti essa neurose, que ela não te pertence!
-Hahahahahahahahahahahaha.
-Você ri, é?
-Que hilário...

Ainda enxugando as lágrimas depois de tanta risada, não se dá por satisfeita e resolve escrotizar:

-Mas tu sabe que neurose é repetição, né?
-Ihhhhhhh, começou...
-Não comecei nada, tô falando sério!
-Você leu isso onde? Na Marie Claire?
-Marie Claire de cu é rola!
-Eu vi na tua sala um monte de Marie Claire, nem tenta disfarçar.
-Claro, eu trabalho em casa, recebo cliente o dia inteiro, a maioria mulher. Queria que eu tivesse o que na sala? Playboy é que não dá, né?
-Suas clientes são tudo tomadora de sopa sem colher mesmo! Playboy no caso faria bem mais sucesso!
-Nossa, tudo isso pra desviar dum assunto...
-Ridícula!
-Tô falando, cara, pra você vir me zoar com papo de Marie Claire é porque tá querendo muito sair pela tangente.
-Bonita, eu não vou voltar atrás, o que está feito, está feito.
-Tá, você quem sabe...
-Exatamente! Eu que sei, é a minha vida, helloooo!
-É sua vida agora. Daqui a duas semanas é meu fígado!
-Quê?
-Mas num é?
-Que mané teu fígado?
-Eu tô dizendo que hoje você está resoluta a não voltar atrás, tipo Scarlett O’Hara pegando terra do jardim e prometendo nunca mais passar fome na vida, mas, daqui a duas semanas, já deu tempo de você ficar arrependidinha e de se perguntar a cada dois minutos se não devia ter ouvido a voz do coração e blábláblá...
-Tá, mas e o fígado?????
-Porra! Depois eu que tô difícil de entender, né, filha? Caralho! Esqueceu que a cada crise de consciência sua entorna-se pelo menos uma garrafa de uísque?
-Ah tá...
-E quem você sempre chama pressa empreitada?
-Té parece que não gosta!
-Você sabe do que eu tô falando, vai!
-Sei, claro, mas não posso voltar atrás.
-Por quê não?
-Porque não!
-Eu acho uma pena...
-Tirando o uísque e o fígado, o que você tem com isso?
-Racionalmente, nada, porque você é você e eu sou eu!
-Então...
-Aí é que tá! Eu separo a porra do joio da porra do trigo! Eu não penso que a vida é uma novela do Gilberto Braga, que dá pra fazer uma horinha de puta numa nice enquanto não pinta um Olavo pra me tirar da pista....
-Hahahahahahahahah! Bebel!
-Isso!
-Cueca maneira...
-Pois é! Se liga: Olavos não existem!
-Mas o Olavo era mó cafajeste!
-Pra você ver como são as coisas...
-Eu não penso que a vida é novela!
-Sei...
-Agora, se um Olavo daquele um dia se oferecesse pra me tirar da pista, eu caía dentro fácil!
-Mas você sabe que Olavos não existem, né?

O papo continuou furado e a Scarlett O’Hara pós-moderna não quis voltar atrás: bateu o pé e foi firme em suas convicções de gaveta.

É claro que duas semanas depois, como já tinha vaticinado a amiga entendida de neurose, estavam no uísque, tentando afogar as mágoas.

Como se isso fosse realmente possível.

Precisava alguém dizer pras duas que depois dos trinta e poucos anos, nossas mágoas, secretamente, resolvem aprender a nadar.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

A hora do recreio

-Acho que isso não é motivo pra você ficar insegura.
-Sei lá, cara...
-Ele já não tinha te contado que de vez em quando se encontra com ela?
-Tinha.
-Então, ele tá sendo honesto, o que é um ótimo sinal.
-É, ele inclusive disse isso ontem, que preferia dizer a verdade a inventar uma desculpa esfarrapada.
-Então, baby, tá tudo certo.
-Pô, o cara desmarcar uma saída comigo pra ver a ex num sábado à noite não é um acontecimento fantástico também, vai...
-Lógico que não! É super chato, mas você também tem que entender que ele se separou há pouco tempo e que é normal ficar essa dependência mútua depois que uma relação acaba.
-Mas foi ela que quis se separar! Ele tentou de tudo preles continuarem juntos, mas ela foi irredutível.
-Sei. Só que agora, como tem outra no pedaço, é natural que ela queira marcar território, né, belona...
-Isso é caído...
-Super caído, mas, numa boa, quem de nós nunca fez isso?
-Eu não!
-Hahahahahahahaha.
-Qual a graça?
-Esqueceu que você ligava pro Icaro sempre que tava no bar com as amigas tomando umas?
-Mas aí era diferente!
-Diferente como?
-Ah, eu tinha saudade, queria saber se ele tava bem, afinal, fui eu que acabei o namoro, de forma muito repentina.
-...
-Mas nunca pedi pra ele desmarcar um saída com a namorada nova pra vir me ver!
-Tá, não pedia isso, mas, cá pra nós, ligar pro cara sábado de madrugada de pilequinho é marcação de território também...
-...
-É ou não é?
-Bosta!
-Amiga, o que eu tô querendo te dizer é que posse faz parte. Normal a ex querer dar uma mijada no poste, mesmo tendo sido ela quem terminou. Você já fez isso, eu já fiz isso e, vamos combinar, não chega a ser um pecado capital.
-Mas incomoda.
-Sim, incomoda, ninguém tá dizendo que é gostoso, mas, você, como a bucetinha da vez, tem que ser superior. Afinal, quem é a bem-comida dessa história?
-...
-Ele não pode perceber que você fica chateada com isso, neguinha. Pensa bem, o cara acabou de se separar, a última coisa que ele quer agora é uma namorada neurótica!
-Tá, vou fingir que tá tudo bem, mas quando ele me chamar pra sair de novo, eu vou dizer que não posso.
-Vai fazer joguinho, que nem na sétima série?
-Não é joguinho, é equilíbrio de forças!
-Você tem que levar a coisa naturalmente. Se quando ele te ligar você já tiver marcado alguma coisa com suas amigas, não precisa desmarcar, é só dizer que não pode. Ele vai entender. Mas aí, pra facilitar, diga o dia que você estará disponível, pra já agendar logo alguma coisa. Baby, homem recém-separado fica um tempo em período de carência...
-Hahahahahaha.
-Serinho. Quando você muda de plano de saúde não fica um tempo sem poder tratar determinadas enfermidades, nem fazer determinadas cirurgias, por conta do prazo de carência?
-Fica...
-Então, com o bofe é a mesma coisa: nada de operações de risco nem de exames invasivos, pelo menos nos primeiros seis meses!
-Caraca, amiga, só você pra me fazer rir...
-Claro! Você tá cheia de motivo pra rir! Ele é o primeiro cara legal que você namora em muito tempo. Vai dar bobeira só por que ele tem ex-mulher? Queria o quê? Um virgem?
-É, você tá certa.
-Ainda mais que o aniversário dele tá chegando...
-Ai, não sei o que dar, pensei em gravar um CD.
-Ah, não!
-Por que não?
-Pelamordedeus, filha, tem que ser menos óbvia!
-Não sei o que dar...
-Que tal uma foto sua nua?
-Hahahahahahahaha.
-Te garanto que ele vai bater várias em sua homenagem durante a semana.
-Sei lá, a gente só transou uma vez e não foi assim uma Brastemp...
-Normal, né, primeira vez é um saco. Aliás, a gente devia poder pular a primeira vez e ir direto pra quinta, que aí é que a coisa engata.
-É...
-Olha, eu tô falando sério: compra uns óleos, dá-lhe uma bela massagem nas costas, pega um filme legal, divertidinho, sem muita reflexão, tragédias nem amores eternos.
-Boa! Mas e a chave de buceta? É bom deixar pra depois, né?
-A chave completa, sim, mas umas beliscadas no pau não fazem mal a ninguém...
-É, Icaro adorava.
-Todos adoram, baby...
-Pode crer.
-Uma calcinha de renda também não vai deixá-lo aborrecido...
-Não vai!
-Nada de chicote por enquanto, ok?
-Caraca, acabei de pensar nisso...
-Nem algema!
-Mas posso pedir pra ele me imobilizar né?
-É melhor ir garantindo uma foda low profile nesse começo, porque homem, por mais libertário que seja, no fundo tem aquele machismozinho básico, fica logo com a idéia de que você é a putinha do pedaço. Devagar e sempre. Faz o que tô te dizendo: massagem nas costas, filminho standart, beliscadelas no pau e, se a animação for evidente, língua na orelha. Pronto.
-Mas e a foto?
-A foto é o bônus track.
-Dou antes ou depois?
-Manda por email no dia seguinte.
-Será?
-Você tá pedindo minha opinião, não tá?
-É, vou pensar em tudo que você me disse.
-Isso, pensa, mas, ó, perto do Fórum tem um sex shop bacana.
-Jura? Onde?
-Ali na Rua da Assembléia.
-Onde na Asssembléia?
-Numa galeria, já quase chegando no Largo da Carioca.
-Caraca, trabalho há 10 anos ali e nunca ouvi falar desse sex shop...
-Então, que tal eu ir te visitar, a gente almoça juntas e depois dá uma passada lá?
-Combinado!

Almoçaram e, pra fazer a digestão, foram às compras. Acabaram gastando mais do que deviam, já que os sex shops são os salões de beleza do baixo ventre, a cereja do sundae das bem-comidas, a ante-sala do ponto G, a hora do recreio dos adultos.

E assim, munida de óleos aromáticos, calcinha criativa e muito amor no coração, deu ao recém-separado motivos suficientes pra nem sequer pensar no passado.

Claro que aproveitou a viagem e comprou uma algema pra dali a alguns meses.

Acabou também mandando a fotinha por email no dia seguinte.

Afinal, como boa advogada que é, sabe que a justiça com as próprias mãos tarda, mas não falha.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Dicas práticas para detectar punheteiros online

Leitores do meu Brasil varonil,
Venho por meio desta falar sobre um grande mal que nos assola: os punheteiros online. Digo isso não somente por fazer parte da legião cada vez mais representativa de moças e moços que não vêm nada de mais em conhecer alguém via orkut, blogspot, msn, gtalk, twitter, myspace, facebook e internetismos outros. Realmente não há nada de mais: é só uma maneira que a pós-modernidade nos apresenta de abrir novas janelas rumo ao desconhecido. E, cá pra nós, encontrar um sujeito na Lapa ou no Baixo Gávea pode ser tão ou mais arriscado, não é mesmo?

Entro numas de levantar essa bandeira por conta de inúmeras roubadas por mim vividas e a mim narradas, já que o fato de ser blogueira acaba me tornando de certa forma porta-voz de amigos e amigas que se identificam com a cartografia que faço desta nossa geração perdida.

Antes que se inicie uma tristeza acachapante, aviso que conheço alguns casos de amor internéticos de sucesso. Sim, eles existem! E acredito que, exatamente por conta disso, resida nas mentes de moços e moças (mais nas das moças, sejamos sinceros) um fio de esperança. Afinal, a cara-metade pode estar ali, logo atrás do monitor, onde sempre esteve. E, para conhecê-la (escrevo hoje para as meninas, perdoem-me, rapazes...), você nem precisou se depilar, fazer escova possessiva, lançar seu perfume francês e nem aquela plataforma que deixa seu dedo mindinho dormente logo nos primeiros quarenta minutos de uso. Muito pelo contrário: você pode estar com a cara cheia de hipoglós, bigoduda como a Frida ou naturista como a Ohana dos anos 80. Portanto, na vida, assim como na internet, vale a máxima de que, em se tratando de casos de amor, a única coisa imprescindível é o encontro.

Assim, sem querer desanimar ninguém, meu alerta vai pras românticas de plantão que pensam que, por conta do status de “solteiro” dos rapazes, o orkut está lotado de interessados em encontrar alguém disponível. Vai também pras vagabas de família, que chegam meio bêbadas em casa e vão logo ligando o computador atrás de emoções que não encontraram na rua. E, por que não dizer, pra todo mundo que acredita que ser feliz é melhor do que ter razão.

O importante, nessas horas, é, em prol da felicidade, saber discernir o que vale e o que não vale a pena, separar o joio do trigo. É parar pra pensar que na internet tem de tudo um pouco, o que nos obriga a analisar os sinais com certa dose de frieza, pois, acreditar que um punheteiro online vai virar seu namorado (ou mesmo seu personal fucker) é quase como achar que “na tela da tv no meio desse povo, a gente vai se ver na Globo...”

Vejam bem: não faço aqui uma contra-apologia à punheta. Imagina, pegaria até mal, com todo meu passado de glórias. Punheta é coisa importante. Exige técnica, destreza, sensibilidade e coordenação motora. Quem nunca ficou apertando aquelas bolinhas de borracha no escritório, fingindo estar evitando uma LER, mas, no fundo, querendo melhorar as habilidades manuais que passam longe dos dotes culinários e do corte e costura? Normal. Toda mulher tem um quê de gueixa e isso nunca fez mal à humanidade.

Portanto, não ligue se algum dia você deu trela prum punheteiro online e também não dê ouvidos às amigas que insistem em lhe dizer que “sabiam que isso não daria certo porque internet é coisa de nerd que não come ninguém”. Nessas horas, diga a elas para atirarem a primeira pedra se nunca acreditaram em um sedutor! Caso insistam em afirmar que seus tetos são de vidro, deixe-as pra lá: mulher que dá certo demais geralmente é frígida, já alertava minha tia-avó Neuza.

Disse tudo isso não só para facilitar o discernimento e estimular o livre-arbítrio, mas, também, para (finalmente) lançar, em caráter oficial, algumas dicas práticas para detectar um punheteiro online:

Capítulo primeiro: da distância entre os contatos

-Quanto tempo ele demorou pra te retornar?
-Uns vinte dias.
-Nossa! Ele é sempre assim?
-Sempre.
-Que coisa...
-Pois é, menina.
-E você nunca perguntou o que se passa?
-Ontem perguntei.
-E ele?
-Disse que anda ocupado demais com o trabalho, que as reuniões varam madrugada e que, quando ele vê, queria ter me ligado, mas acabou não conseguindo, sabe assim?
-Sei...
-Daí ontem foi mega fofo, disse que não parou de pensar em mim esses dias todos, que sempre esteve interessado, que eu sou o tipo de mulher que ele adora, que isso é muito claro pra ele, essas coisas...
-É, vamos aguardar as cenas do próximo capítulo...

Dica prática: se entre um contato e outro o intervalo de dias é sempre grande, e, se o assunto comumente gira em torno da falta de tempo e do profundo interesse em você, ligue imediatamente seu detector para punheteiros online: o moço pode estar achando que você é arroz de geladeira, que precisa de banho-maria pra ficar requentado.


Capítulo segundo: do sexo por telefone

-Menina, foi demais.
-É?
-Umidade máxima.
-U-A-U.
-E o mais legal é que nosso papo sempre começa super cabeça: falamos dos nossos sonhos, das nossas neuras...
-E termina com bagaceirices?
-Isso!
-Interessante...
-Super!
-...
-Fala!
-O quê?
-O que você tá pensando, porra!
-Eu acho estranha essa história, parece que vocês andam em círculos, sabe assim?
-Não, não sei. Explica!
-Vocês são íntimos e não são.
-...
-O cara fala as maiores bagaceirices do mundo pelo telefone e vocês nunca se viram.
-Mas nós vamos nos ver.
-Quando?
-Sei lá.
-Acho assim: isso rolar por umas semanas ou por um, dois meses, tudo bem. Mas daí o cara virar o seu sexy fone é que eu acho pesado!
-Você acha que eu devo mandar ele passear?
-Acho que ele pode passear, sim, mas do teu lado, que tal? Daí vocês aproveitam e se conhecem cara-a-cara!
-Hahahahahahahahahaha.

Dica prática: se está há muito tempo vivendo um pseudo-relacionamento por telefone, tente estimular a passagem para o próximo nível, da intimidade verdadeira. Vai que vocês ficam muito tempo nessa e o moço tem mau-hálito ou pau fino?

Capítulo terceiro: do orkut

-Cara, o orkut dele não é careta!
-Como assim?
-A cada dez scraps, doze são de mulheres!
-Todas apaixonadas?
-Tipo ode a Manoel Carlos!
-Hahahahahahahahaha.
-Sem sacanagem, mulherada cita Goethe, Lope de Vega, Baudelaire...
-Noooooosssaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!
-Tem as que metem um Chico Buarque e um Rubem Fonseca, pra se fazerem de básicas, sabe assim?
-Sei, distraídas...
-Isso!
-E você?
-E eu o quê?
-Ué, que tipo de scrap você manda pro galanteador?
-Eu não mando scrap, eu vou de testemonial...
-Vaca!
-De divinas tetas...

Dica prática: se o moço recebe scraps apaixonados de trezentas mulheres por minuto e não está efetivamente com nenhuma delas, ou não quer nada com ninguém, ou quer, mas está inseguro, ou, ainda, não quer, mas precisa achar que quer. Para qualquer uma dessas hipóteses, surge a pergunta: vai encarar? Se a resposta for positiva, a dica é uma só: valeriana e meditação, pelo menos três vezes ao dia.

Por hoje é só, meninas.

Espero, de coração, ter ajudado.

Queria apenas ressaltar que, caso esteja passando por alguma dessas situações, não desacredite na humanidade. As coisas estão difíceis pra todo mundo e a internet, como grande simulacro que é, não poderia estar em situação diferente.

Sugiro, por fim, o filme “Denise está chamando”, disponível nas locadoras mais alternativas, tipo Estação, Macedônia ou Cavídeo. É uma história sensível, que aborda lindamente a questão das proximidades e distanciamentos.

Agora, por favor, depois de pegar o filme, não vá ao mercado comprar doritos, porque isso não leva ninguém a lugar nenhum! Compre batatas, cozinhe e recheie com requeijão.

Ótima opção, enquanto o requeijão de verdade não vem...

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Dicas práticas para não queimar o filme com as gatinhas parte 2 (ou molhadinhas, agradecemos)

Existe limite pra tudo e sabemos o quanto é difícil enxergá-lo, principalmente quando estamos sensíveis, apaixonados, bêbados, inseguros, cheios de tesão, tristes ou tudo isso junto. Assim sendo, para garantir o teor didático deste blog, segue mais uma lista de dicas práticas para evitar que vocês, bons moços de plantão, sejam excluídos de vez da vida das gatinhas que lhes fazem gemer sem sentir dor.

Capítulo primeiro: da tentativa de vencer pelo cansaço

-Vai ficar calada?
-O que você quer que eu diga, baby?
-Bem, se não quiser dizer nada, não diga.
-É que eu não gosto de me repetir, entende?
-Sim, sim, entendo perfeitamente.
-Que bom!
-Só acho que você exagera quando diz que eu não sou gentil contigo...
-O que pra você é exagero, pra mim é básico, como já te disse umas trinta vezes: gosto de homem que me convida pra sair, que queira fazer algo além de trepar e, principalmente, que não deixe claro a todo instante que não curte ser visto comigo em público!
-Poxa, o fato deu não querer pagar de namoradinho não significa que eu não goste de você.
-Ok, computer.
-O quê?
-Nada, baby, agora tenho que ir, tá? Outra hora a gente conversa.

Dica prática: se não tem por hábito valorizar a dama cuja bucetinha você não consegue esquecer de jeito nenhum, tente pensar nela como uma mulher por inteiro, portadora de opinião. Caso não consiga, deixe ela pra lá, pois fazê-la repetir muitas vezes a mesma explicação é o mesmo que lhe esfregar nas entranhas um poderosíssimo adstringente vaginal.

Capítulo segundo: do desespero

-Até que enfim! Achei que não ia retornar minhas ligações nunca mais!
-Meu celular quebrou, lembra?
-Sim, lembro, mas não dava nem pra pedir um telefone emprestado e me ligar a cobrar?
-Eu tava meio ocupada pra isso, querido...
-Pô, mas em quatro dias você podia ter dado um jeito de entrar em contato, não?
-Podia, sim, se você não tivesse sido avisado de que eu estava viajando...
-...
-Bem, eu tenho a consciência tranquila de que não fiz nada de mais.
-Ah, agora vem falar de consciência?
-Venho, sim!
-Legal isso, legal mesmo!
-Deixa eu te falar uma coisa: a gente ficou quatro vezes, foi super legal, você é gentil, atencioso, gostoso, interessante, mas achei um pouco demais de sua parte deixar dois recados desaforados na secretária do meu celular quebrado enquanto eu viajava a trabalho! Você sabia que eu ia voltar hoje, não tinha por que essa sangria desatada!
-Ah, agora eu sou o desesperado e você é a princesa?
-Passo o posto de princesa, que não faz meu gênero, mas confesso que fiquei bem passada.
-Você acha que eu tô desesperado e que vou grudar no seu pé, né? Pode falar!
-Veja bem, quem está usando a palavra ‘desesperado’ é você...
-...
-Sinceramente, acho que talvez seja melhor você procurar uma menina que esteja numa sintonia parecida com a sua.
-O papo da sintonia é pra me dispensar, certo?
-É pra te deixar livre pra encontrar alguém que curta essa marcação cerrada.
-Beleza, então! Só te digo uma coisa: você não sabe o que tá perdendo.
-Sei, sim. Acho inclusive uma pena isso ter acontecido, mas, enfim, é a vida...

Dica prática: se está começando a sair com a menina e o sexo está fluindo bem, observe se de fato ela te deu motivos para perder as estribeiras. Se não deu, fique frio e aja com cautela. Sinais de desconfiança extrema fazem com que a dama fique com medo de você ser um cara possessivo demais.

Capítulo terceiro: do impedimento

-Mô, tô pensando em fazer uma lasanha de berinjela pra gente nesse final de semana.
-Ih, gatinha, esse final de semana tem campeonato de playstation na casa do Romano...
-Mas o fim de semana todo?
-Pior é que é.
-Nossa, que radical!
-Pô, tá marcado há mó tempão...
-Tá bem, então a gente faz na quarta, que eu não tenho aula à noite. Eu trago um vinhozinho e tudo...
-Pô, gatinha, quarta é a final do campeonato carioca, vou no Maraca.
-Mas essa final não foi no domingo passado?
-Não, no domingo passado foi a final da Libertadores.
-Ah tá...
-Mas a gente pode fazer essa lasanha na segunda.
-Segunda não dá, que tal terça?
-Terça tem a pelada mensal na Lagoa, não pode mesmo ser na segunda?
-Na segunda eu teria que matar aula de Análise do Discurso.
-Pô, mas essa matéria é mole, você só tirou dez até agora.
-A questão não é a matéria ser mole ou não. É uma aula que eu gosto de ir por conta das discussões...
-Você gosta é do professor bonitão, que eu vi seu jeito naquele dia que fui te buscar.
-Agora vai querer meter essa?
-Quem tá querendo meter é ele, que eu saquei a marra do cara na hora.
-Fala sério!
-Tô falando, porra! O sujeito usa o charme de professor pra conquistar as menininhas. Fato!
-Vamos fazer o seguinte: você joga todo o playstation que houver nessa vida, todas as peladas das quadras da Lagoa e completa o pacote assistindo a qualquer jogo de futebol que esteja agendado em território nacional!
-Ihhhhh...
-Ó, ouvi falar que tem decisão da categoria sub-20 esses dias, se não me engano é algo tipo XV de Jaú contra XV de Piracicaba...
-Tsc.
-Pô, jogão! Vai perder?
-...
-Daí, quando você tiver um tempo na agenda, me liga, e, se eu não estiver no meio da aula, analisando o discurso ou a mensagem subliminar de algum professor bonitão, quem sabe eu venha a te atender...
-Tenho medo de ameaça não, gatinha...
-Pois devia!

Dica prática: se a moça tem um professor sedutor e você já sacou o clima entre eles, não sugira a lasanha justo pro dia da aula do cara, ainda mais se sua sugestão tiver sido motivada pela falta de tempo em virtude de pelada, playstation ou final de campeonato. Tudo isso só faz você parecer cada vez mais infantilizado em comparação ao bonitão caga-regra. Até ela sacar que ele é uma farsa, você já vai ter perdido a dama. Na dúvida, é melhor não arriscar.

Capítulo quarto: do choque de ordem

-Você vai com essa blusa mesmo?
-Vou.
-Meio decotada demais, não?
-Sim, mas é linda. E, se não me engano, foi você que me deu, lembra?
-Fui eu, sim, mas quando ainda não era seu namorado...
-Já sei: você tá querendo arrumar uma briguinha pra dar aquela trepada reconciliadora antes da festa, né?
-Não.
-Para de brincadeira, então, gatinho.
-Quem dera eu tivesse brincando...
-Hahahahahahahahahahaha.
-Eu tô falando sério, princesa.
-Você está querendo me dizer que enquanto não éramos namorados, eu podia andar com o decote que fosse, que isso não era problema seu, certo? Mas que agora, como sua gatinha, preciso me vestir de forma discreta, pois você não quer que seus amigos se sintam atraídos pela gostosa de plantão aqui, é isso?
-Não é que eu não confie em você. Eu não confio é neles!
-Ahhhhh...Agora tá tudo explicado!
-Não fica putinha, vai, boneca!
-Boneca é o que você vai ter que arrumar se eu tiver que trocar de blusa! Só que vai ser dessas infláveis, com a boca abertona!
-Ei, calma!
-Calma? Tá achando agora que vai me dizer o que vestir?
-Você tá ficando descontrolada!
-Olha, descontrolada ou não, eu tô pronta pra sair. Agora se essa discussão idiota continuar, dá tempo deu trocar essa calça por uma mini-saia, que tal?

Dica prática: se você não é Christian Dior nem Yves Saint-Laurent, evite se meter no modelito da namorada, já que, afinal de contas, quando você a conheceu, provavelmente ela já se vestia assim. Respire fundo e pense que o que faz uma dama não é o modelito e sim a postura. Se conseguir se acalmar, provavelmente seus amigos vão morrer de inveja por conta da potranca super caidinha por você. Porém, se não for esse o caso (e a situação lhe parecer para lá de insuportável), há sempre a opção de sair sozinho.

Por hoje é só, meninos.

Espero ter ajudado.

Cabe ressaltar que os casos acima narrados, infelizmente, são baseados em fatos reais.

Portanto, não engrossem o volume dessa triste estatística.

Reajam!

Posso adiantar que nós, molhadinhas, agradecemos...