quinta-feira, 30 de julho de 2009

Casal gramatical

Ele é um sujeito cheio de predicados

Ela, uma oração insubordinada

Ele é uma metáfora nata

Ela, um advérbio de dúvida

Ele, cheio de interjeições, emenda um aposto no outro

Ela, cheia de emendas, zomba do soneto

Ambos substantivos próprios e abstratos

Unidos

Até que o hífen os separe

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Mas

Gosta de ser sincera, mas sua vida é um livro aberto só até a página dois

Costuma nadar nua, mas a ausência de marca de biquíni lhe é bastante vergonhosa

Tenta entender a raiz das coisas, mas se distrai demais com as flores

Escreve crônicas sobre a vida, mas sabe que são só voos imaginários

Pensa em escrever na pedra, mas duvida que ela saia do meio do caminho

Tira onda de profunda, mas não arca com água oxigenda na ferida aberta

Esquece a asa delta em casa, mas, ainda assim, se acha pronta pra voar.

domingo, 26 de julho de 2009

Cesta básica

-Mas daí ele te arrastou prum canto, foi isso?
-Sim, pra gente se conhecer melhor.
-Se conhecer melhor é puxado...
-Super, mas eu fui, né, já tava como...
-Claro.
-Rolaram uns beijinhos e, dali a pouco, perdendo a imensa oportunidade de ficar calado, ele manda: pô, gatinha, eu até tô super a fim de te pegar mais vezes, mas você sabe que eu tenho namorada, né?
-Ele tem namorada?
-Tem.
-Homem num administra bem mais de uma tpm por mês, querida, tem que arrumar um solteiro pra te comer!
-Pois é...
-E esse ‘eu até tô super a fim te pegar mais vezes’ é um acinte!
-Muita gente fala assim, vai, também não é o fim do mundo...
-Aprende uma coisa, amiga: quando o cara fala ‘eu até tô a fim’ é a deixa pra você começar a treinar pros cem metros rasos, não sem antes dizer: ‘sabe que eu até tava cogitando te dar minha bucetinha?’
-Hahahahahahahaha.
-Porra, você ri?
-O que você quer que eu faça?
-Parar de dar bola presse sem-noção já seria um ótimo começo.
-Você quer ouvir a história até o final ou vai continuar monologando sobre as respostas que eu deveria ter dado?
-Tem mais? Não parou na namorada?
-Menina, ele estava decidido a deixar passar todas as chances do mundo de ficar em silêncio.
-Tipo Luciana Gimenez?
-Por aí.
-Aff...
-Escuta: ele puxou uma agenda e começou a dizer que dias tinha pra mim, que dias saía com a namorada e que dias ia sozinho pra pista, você consegue visualizar a cena?
-Pior é que consigo, mas e aí, você disse o quê?
-Disse que às sextas, enquanto ele encontra com a gatinha, eu costumo ver meu personal fucker e que, como ele é dos bons, sábado é dia de ficar com a bucetinha de molho no permanganato.
-Você disse com essas palavras?
-Como quem fala sobre morangos orgânicos em promoção.
-E ele?
-Deu aquele riso nervoso de homem, sabe?
-Sei.
-Pra logo depois perguntar se no domingo eu já estaria recuperada.
-Caralho! Inacreditável! E você?
-Disse que domingo era um bom dia, que eu normalmente costumava ficar em casa no dolce far niente, praticando meus exercícios de pompouarismo na companhia de meu vibrador e que, se ele quisesse dar uma chegada, seria super bem-vindo.
-Hahahahahahahaha. Muito bom! E ele?
-Ficou com cara de paisagem fora de foco, sabe?
-Pelo menos serviu prele calar a boca?
-Naquele dia, sim, mas acabou de me ligar.
-Te chamando pra sair?
-Me chamando pra ir numa casa de suingue, acredita?
-Gente, esse cara é um mito!
-Ele é cara-de-pau, isso sim!
-Mas você tá morrendo de vontade de dar pra ele, né, sua piranha? Nunca vi pra gostar tanto de homem sem nada na cabeça, impressionante.
-Tenho uma queda por boçais, sim, que mal tem isso?
-Mal não tem, fetiche é fetiche.
-Ainda assim, isso é melhor do que o hidratante facial que tu tem que usar toda noite.
-Caralho! Sabia que uma hora você ia acabar jogando essa porra na minha cara!
-Quem joga porra na tua cara não sou eu, não, boneca, me inclui fora disso!
-Besta...
-Desculpa, amiga, é mais forte que eu. Mas me diz: você ainda tá saindo com esse figura?
-Cara, uma relação, por mais que seja pura e unicamente pra sexo, não pode ser tão desigual: o cara queria comer meu cuzinho e gozar na minha cara, mas nunca, nunca, me deixava ficar por cima.
-Não sabia desse adendo. Que coisa, menina, mas tinha algum motivo?
-Pra ele, mulher que monta em cima de homem e que pinta unha de vermelho é tudo puta.
-Mentira!
-Pra você ter uma idéia, nem lambidinha no mamilo ele deixava eu dar, dizia que era coisa de viado.
-Mas raspar o peito pode, né?
-Pois é, vamos abafar esse caso...
-Poxa, querida, essas coisas você não tinha me contado.
-Ah, porque é meio humilhante, né? Mas, depois do seu episódio da agenda, me senti mais à vontade.
-Vaca!
-Sem sacanagem, é confortante saber que não é só comigo que barbaridades acontecem, dá uma sensação de pertencimento às avessas, uma coisa meio freak até...
-Sei bem, na merda todo mundo é solidário, difícil é amigo que atura seu sucesso, já dizia Vera Loyola, mas conta: e aí, dispensou o bofe?
-E fui fazer pé e mão na sequência.
-Passou o quê?
-Romance por baixo e Atração fatal por cima.
-Boa! É esse que você tá usando?
-Não, esse é Rebu por baixo e Romance por cima.
-Ah tá...
-E hoje, qual vai ser?
-Vou estrear meu vibrador tailandês e tu?
-Comprei um saquê e vou ver uns filminhos bestas na tv.
-Estamos bem, então, né?
-Estaremos melhores no dia que os vibradores aprenderem a perguntar como foi nosso dia, mas, por enquanto, vamos levando.

Iam levando mesmo sabendo que tanto pastiche feminista meia-boca era coisa só pra inglês ver e tailandês meter.

Porque no fundo no fundo, em algum lugar entre o ponto G e a solidão, toda mulher quer mesmo é uma cesta básica pra chamar de sua.

Com direito a ovos, salame, leite batido, miolo, coração, pimenta e sal.

Sem miséria.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Bobagem

Buscar no fundo do pote pelo mais doce mel é desacreditar no poder das coisas frescas

É colocar em xeque a colméia

É coisa pra se fazer somente aos domingos

Mas nunca na frente das crianças

terça-feira, 21 de julho de 2009

...

Rotular laços como sopas Campbell

Matar o duvidoso com tacada certa

Querer entender tudo sempre

Repetir mil vezes só pra poder se ouvir

Cansar de repetir, mas, ainda assim, repetir de novo

Como que a afastar o segundo copo, posto que o primeiro já matou a sede.

domingo, 19 de julho de 2009

Já passou pelo dissabor de ouvir que era incapaz de amar

Já saboreou a incapacidade de parar de gozar só com palavras

Já viu o que não existia afirmando estar lá

É mestre em começos

Doutora em meios

Phd em fins.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Na dúvida

O Céu não era de Suely nem de brigadeiro

A Lua não era nova e nem tampouco transbordava de cheia

O Sol, que já não estava muito a fim de brilhar mais nenhuma vez, aproveitou para burocraticamente adiar a volta aos palcos

Por mais incrível que pareça, nem é por isso que o mar de seus olhos, cansado de tanta tsunami, ainda não perdeu o medo da ressaca

Na dúvida, achou melhor esperar que inventem um engov para almas dormentes

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Só pra ver

Comprou teste da Marie Claire só pra ver se era mulher fatal.

Como deu negativo, fez escova possessiva.

Organizou piquenique no Parque Guinle só pra ver se dava pra socialite.

Como choveu, correu até a marquise mais próxima.

Deu telefonema pra número errado só pra ver se falava com alguém diferente.

Como caiu na caixa postal, engoliu o monólogo.

Conversou com os fantasmas do passado só pra ver se ainda se sentia intimidada.

Como eles estavam ocupados com o presente, deixou a prosa pro futuro.

Beliscou azulejo com a bucetinha só pra ver se ainda tinha a mesma forma de outrora.

Como os pequenos lábios gritaram, percebeu que o resto era silêncio.

E gemidos.

Não necessariamente nessa ordem.

domingo, 12 de julho de 2009

Domingo de sol e chuva

Entediada, pensa coisas que cansam.

Cansada, leva o mp3 pra caminhar.

Caminhando, lembra dos campeonatos de elástico da escola.

Escolada, percebe que presente não se chama assim à toa e que chamado é coisa de quem se permite ideias.

Permissiva, conclui que ideias, assim como bebês, vêm quando têm de vir, esgarçam o meio da noite, e, com o passar do tempo, precisam cada vez menos de nós.

domingo, 5 de julho de 2009

Geometria às avessas

Enquanto a Lua transita pela casa cinco e o Sol pela doze, alertando para a necessidade da meditação, a meditação, por outro lado, alerta para a necessidade da escrita e da escuta, como se as palavras tivessem o poder de iluminar o caminho que desde sempre soube ser seu, já que, ainda menina, vivia a imaginar diálogos da Dona Benta, da Narizinho e das novelas da Janete Clair.

Pensou se a Lua, de tanto brilhar, não a tinha cegado com essa história de olhar pra dentro. Cogitou também se o Sol, que rege sua juba e enche de sardas seu colo, também não tinha ficado aborrecido quando ela parou de dançar e virou intelectual pra depois voltar a ser artista, como que a pegar carona de volta com a roda da fortuna rumo ao desconhecido.

Ficou absorta nesses pensamentos sem nem sequer saber por que motivo chegou até eles. De tanto esculpir imagens, sabe, lá no fundo, que são os pensamentos que nos alcançam e nos escolhem e não nós a eles, como sonha a van filosofia ocidental sem gasolina especial.

Abriu o Word e escreveu para si mesma, como que a embalar-se no próprio berço esplêndido e a aceitar que, apesar de muito geminiana, em alguns dias não estava para grandes conversas. Nessas horas, era o caso de digredir de si mesma, de buscar atalhos em curvas ou tangentes em linhas retas, como numa aula de geometria às avessas que escola nenhuma ensina.

E foi assim, preenchendo lacunas e analisando múltiplas escolhas, que mergulhou nua no próprio mar e nadou sem medo à luz da Lua cheia.

Porque uma hora é preciso estar pronta pra fazer dever de casa de gente grande.

E perceber que, na maior parte das vezes, todas as respostas estão corretas.

sábado, 4 de julho de 2009

Como quem

Acordou de ressaca como quem chupa halls de jiló
Ligou pra melhor amiga como quem toma chá de camomila
Tomou banho demorado como quem faz viagem longa
Escolheu calcinha de renda como quem não quer nada
Pintou unha de vermelho como quem sabe onde pisa
Saiu na hora certa como quem entende de rastros

Depois de tantos como quem, decidiu mandar seus pensamentos via sedex pra bem longe.

Como quem só quer saber mesmo é do agora.