Minha
melhor amiga é quatro anos mais nova do que eu. Agora isso não faz a menor
diferença, mas, na época em que nos conhecemos, ela era a criança virgem e eu,
a putinha mirim. O fato é que, se soubéssemos que a vida nos traria tanta
realidade, teríamos continuado a passar os dias entre piruetas e sapatilhas de
ponta. A gente queria dançar no Momix, tanto que encostar o pé na orelha e fazer
cara de que não tava doendo nada era nossa brincadeira predileta. Mas isso tem
tempo, isso é dos idos que dieta se chamava regime, que só se beijava um homem
por noite e que namorar dentro do carro era uma aventura possível. Uma época
onde ninguém discutia se o tomate era orgânico e nem se a gordura era
hidrogenada.
Bons
tempos.
Já adultas, perdemos o contato. Mas a vida,
sempre imbuída de sua falta de sentido, tratou de nos reaproximar de repente,
numa viagem de reveillon, onde falamos de novas questões e de velhos medos como se não tivesse se passado nem uma semana. Àquela altura, ainda se beijava
apenas um homem por noite, máquinas de escrever eram as melhores amigas dos
poetas e a rúcula, tão amarga quanto linda, era uma verdura que simplesmente
não existia. Um momento do mundo em que ninguém estava nem aí se o amor era
líquido, sólido ou gasoso.
Bons
tempos.
Depois disso, fiquei perdida e acho que ela
também. Essa coisa de ter de ser bem sucedida, gostosa e simpática foi hardcore demais pro nosso rockezinho
progressivo. Viramos meio hippies, usávamos saiões e acendíamos incensos em
qualquer lugar, sem nenhum medo do perigo de sermos nós mesmas, ainda que isso
significasse o caos completo. Nesse momento, ficou claro que regime era vida
light, namorar no carro, perigoso e mudar de profissão após cada viagem a
Ibitipoca, um puta charme. Uma era de extremos em que ninguém queria ir até o
final do arco-íris atrás de pote de ouro algum.
Bons
tempos.
Mais recentemente, munidas de celulares, passamos
a preencher de interseções nossos círculos de amizade. Isso foi mais ou menos
quando ficou antiquado beijar um homem só por festa, colocar filmes pra revelar
e esperar telefonemas. Exatamente nesse ponto notamos que, apesar de muito
vigorosas e gostosas, já não éramos mais tão meninas assim. Mesmo sem perceber,
tínhamos completado quinze anos de amizade.
Bons
tempos.
Agora ela está nos States. Lá ela é a brasileira
gostosa, a exótica, a tesuda, mas sente falta daqui, do cheiro das risadas que
só nós sabemos dar e do descompromisso das cervejas geladas nos bailes charmes da
vida, onde dominamos a pista só no
passinho. Não ter amigos por perto é duro, mas ela sabe que o privilégio dessa
saudade é uma de nossas maiores conquistas. Além do mais, o que Deus uniu, o skype não há de separar.
Pra amigas feito a gente, nem os tempos ruins deixam de ser bons.