sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

O feng shui de Jane parte 2 (ou Página em branco a gente gosta)

-O que ele disse mesmo?
-Ai, bela, esquece, já foi.
-Sim, mas quero saber, só pra depois colocar nos anais...
-Ele não disse nada que eu já não soubesse.
-Tipo...
-Falou que sair comigo pra dar uma bordejada, ir ao cinema, se pegar no escurinho, tomar um vinho em público, ou mesmo ficar numa festinha eram coisas que ele não se sentia à vontade de fazer, porque não tinha intimidade suficiente pra pagar de namoradinho.
-Ah, não tem intimidade? Mas meia nove pode, né?
-Pior é que nem...
-Como assim? Na cama também tinha que seguir o protocolo?
-Não exatamente, ele até que me comia direitinho.
-Sem sexo oral não é comer direitinho, gata, numa boa. Ele também não gosta que você chupe?
-Da última vez rolou.
-E ele não gostou? Qual foi? Não tô entendendo nada!
-Da última vez, eu chupei ele, só que ele não retribuiu a gentileza. Daí, um dia, no msn, perguntei qual era o problema.
-E qual era o problema?
-Pra ele, chupar é que nem não usar camisinha: coisa pra fazer só com namorada.
-Não creio que ele meteu essa!
-Foi aí que eu comecei a broxar, sabe?
-Claro! Você não é uma boneca inflável! Boneca inflável é que não precisa de agrado!
-Exato.
-Mas essa história foi antes ou depois dele dizer que não queria pagar de namoradinho?
-Então, deixa eu ir por partes.
-Vá.
-Ele outro dia disse que tava com saudade de mim e eu disse que também estava. Aproveitei a ocasião pra falar que não tinha curtido esse episódio da não-chupada, porque isso me dava a clara impressão de que ele não gostava de mim.
-E...
-E aí ele disse que já tinha me explicado o porquê dessa parada.
-Já sei! Deixa eu adivinhar: ele disse isso e foi correndo pegar um formulário de requerimento de favores sexuais localizados?
-Hahahahahaha.
-Fala, mulher!
-Aí ele ficou naquele papo mole de “Como assim eu não gosto de você? Você tá viajando!”
-E...
-E aí eu já tava toda ressecada mesmo, coloquei as cartas na mesa.
-O valete de espadas? Ou a dama de paus?
-Besta...
-Conta!
-Meti: “Você gosta mesmo de mim? Iria comigo ao cinema? Ao teatro? Me beijaria numa festa?”
-Ah, tá! Saquei! Foi aí que ele veio com o lance de não querer pagar de namoradinho...
-Isso! Só que antes ele chegou a dizer que sim, que faria esses programas comigo.
-Como assim disse que sim???? Porra, não tô entendendo nada de novo, caralho!
-Calma! Ele disse que faria tudo isso, sim. Mas em dois minutos mudou de idéia, veio com o lance de não se sentir à vontade pela falta de intimidade e blá blá blá, sacou?
-Jesus, vai ver ele é casado!
-Que nada.
-Mas vem cá, você não explicou a ele que sai também com outros caras pra fazer programas outdoor?
-Eu sou uma dama, não fico falando de um homem pra outro. Acho isso de uma deselegância ímpar...
-Mas ele merecia saber, pra parar de achar que qualquer coisa que acontece do lado de fora de um motel é namoro!
-A vida vai ensinar a ele, filha. Minha parte eu já fiz. Na boa, cansei de ser tia Teteca.
-Mas o papo acabou assim? Não teve um ponto final?
-Ah, bela, a gente tem que saber quem faz o papel de que nessa vida.
-Como assim?
-Não fui eu que fui atrás dele, fuxiquei o orkut, chamei pra festinha, adicionei no msn e instiguei o quanto pude?
-Foi.
-Então, quando vi que o único papel que me tinha sobrado era o de boneca inflável, desisti da cena dos próximos capítulos.
-Tá certa, amiga, certíssima. Mas como foi que vocês se despediram?
-Não nos despedimos. Ele deu a entender que essa era uma questão que exigia uma longa conversa, ao que eu respondi que não, que não era necessário alongar essa prosa, já que ele queria uma coisa e eu, outra.
-E você acha que ele entendeu?
-Sim, ele entendeu.
-E você tá chateada?
-Não.
-Mesmo?
-Não. Agora eu sei bem claramente que tipo de relação eu não quero pra mim. E isso é libertador, saca?

A amiga até sacava, pois sabia que tava na hora de deixar de uma vez por todas cada linha daquela história pra trás.

E abrir uma nova página em branco.

Pronta pra ser escrita.

(ou quem sabe até desenhada).

domingo, 18 de janeiro de 2009

O marxismo e a burguesia

Quando viu a mensagem no celular, sacou que ela também não tinha conseguido dormir depois da conversa que tiveram. Ele, que fala com todas as letras que só quer comê-la de uma vez por todas e deixar que o resto aconteça naturalmente, chegou a dar uma risada de canto de boca ao lembrar dela dizendo que vida sem risco não é vida, é plano de saúde sem carência.

Lá no fundo, se sente estranho por gostar tanto daquela burguesa maluquinha.

Só mandou a mensagem em plena madrugada porque sacou que ele ainda tinha muito tesão encubado, mesmo depois de dois anos. Ela, que brada aos quatro ventos que homem com namorada não rola, chega a tremer nas bases só de lembrar dele dizendo que fala com os amigos de como o corpo dela é delicado, apesar de grande.

Lá no fundo, se sente estranha por gostar tanto daquele marxista cético.

Assim, os dois passaram o resto daquela noite deitados, cada um na sua cama, banhados pela lua cheia, com o corpo quente e a mente irrequieta: ela, pensando que não queria morrer da cura; ele, batendo umazinha com a foto dela nua que ganhou de presente.

Já amanhecendo, decidiram viver o risco. E se alguém por algum acaso ficasse triste, talvez houvesse a necessidade de uma separação radical. Mas esse era assunto pra depois.

Agora era só ele ligar de novo e torcer pra ela não estar menstruada.

Porque, mesmo curtindo uma galinha ao molho pardo, o marxista bem sabia com que tipo de burguesa estava lidando.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

O feng shui de Jane

Essa coisa de ano novo vida nova é uma balela que, mal ou bem, acabamos comprando junto com o peru, as nozes, as uvas e as calcinhas vermelhas. Com Jane não foi diferente: parou de fumar, começou a beber de forma careta e resolveu cuidar mais do que bota pra dentro, seja a comida propriamente dita ou as pessoas do sexo oposto.

Dessa forma, sem falar nada pra ninguém, começou 2009 analisando os passos dos moços que a assediaram em 2008, desde os que lograram êxito até os que ficaram na mão, seja por falta de oportunidade ou por pura inabilidade. Tudo sem mágoa e com afeto, porque, afinal de contas, as pessoas são o que são e dão o que tem.

A coisa está sendo tão eficiente que, pelas suas contas, até dia 20 de janeiro terá anunciado seu veredicto: quem fica e quem sai de sua lista de afetos e quem pode algum dia ganhar seu coração.

Olhando assim, parece até que Jane está à busca de um Tarzan, mas que nada. A única coisa que deseja é um cara que beije dignamente, que saiba onde botar as mãos, que chupe buceta sem ter que ser requisitado para tal e que não tenha medo de intimidade, nem tampouco de andar de mãos dadas. Porque a era dos hermetismos angustiados, pra ela, já acabou. Chega de homem que só é afetuoso quando quer algo em troca. Chega de gente que tem namorada, ou casos, ou rabos presos. Chega também dessa coisa de não estar a fim de se abrir, nem de falar sobre este ou aquele assunto. Porque, cá pra nós, melindre e mau humor são tão cafonas quanto calças semi-bag.

E assim, decidida como um centro-avante, foi ticando sua lista sem alarde. Tanta terapia tinha servido para fazê-la perceber que somente quando nos livramos de velhos hábitos é que podemos abrir espaço pro novo. Só mesmo esvaziados é que observamos com entusiasmo o que está ainda por vir. Na realidade, esse exercício nada mais é do que uma arrumação interna, uma reorganização de interesses, uma espécie feng shui sentimental. Ou bucetal, como queiram.

E, do jeito que a coisa vai, é capaz de no carnaval a moça já estar namorando.

Porque, afinal de contas, quem não chora não mama.

domingo, 4 de janeiro de 2009

O croissant de cada dia

Anita foi morar com o namorado. Pra ela, isso não é casar. Mas sua mãe, que já está no sexto marido, sabia que aquilo ali era casamento, sim. Só não insistia no assunto, pra não assustar a própria cria.

-Oi, Mami.
-Oi, filhota, já ia te ligar, tô com saudade!
-Eu também.
-Como vão as coisas em casa?
-Tudo bem, tô adorando morar com o Alyson, ele é fofo, vai à feira todo domingo e sempre traz cuzcuz e flores.

Aquilo pro ouvido de uma mãe soava mais retumbante do que o Concerto número um para piano e orquestra de Tchaikovsky.

-Mas, maezinha, aconteceu uma coisa que eu queria te contar.

Sempre que ouvia maezinha dito com aquela voz de ambrosia, sentia um calafrio na espinha. Mas, na dúvida, se fez de moderna:

-Conta.
-Aly conseguiu uma bolsa pra estudar em Paris.
-Que maravilha! Aquela que ele vem há anos tentando?
-Essa mesmo, em bioestética!
-Que beleza, filha, precisamos comemorar!
-Sim, claro.
-Ele quer te levar com ele, né?
-Isso.
-E você vai, claro!
-Pois é mãe, não sei se devo tomar uma atitude tão drástica. E se lá não tiver trabalho pra mim?
-Como não? Ele não tem cidadania francesa?
-Tem.
-É só vocês oficializarem a união que vai dar tudo certo!
-E você não vai morrer de saudade de mim?
-Vou, querida, claro, mas é a lei natural da vida.

Era a tal coisa: sabia que a filha tava feliz. Por mais que doesse, era necessário. Só tinha mesmo que convencer a garota de que ela já estava casada há um tempo. Sentiu que aquele telefonema seria esclarecedor.

-O lance é que a gente não é casado, né, mami!
-Eu não afirmaria isso com tanta certeza...
-A gente mora junto, é muito diferente.
-Diferente como?
-Ah, a nossa conta do banco não é conjunta, por exemplo.
-Mas você não tem seu dinheiro? Por que seria conjunta?
-Porque demonstra confiança.
-Pode até demonstrar, mas não é coisa pra se pensar agora, vocês estão juntos há o quê, quatro anos? É cedo pra conta conjunta, deixa isso pra depois.
-Tá, mas eu não tenho certeza se ele quer que eu tenha o sobrenome dele.
-Ok, se você não quiser também, nem precisa...
-Mas e se eu quiser?
-Aí vocês vão dar um jeito, filha, escuta sua mãe, que de casamento eu entendo...
-Hahahahahahahahah!
-Você tá se prendendo a detalhes. A vida é feita de fatos concretos.
-Explica com exemplos.

Desde pequena, Anita pedia pra mãe explicar as coisas com exemplos. Sempre foi uma tática muito boa entre elas, mas ao mesmo tempo era uma dinâmica delicada, porque exemplo é coisa que marca os filhos por toda a vida. Baseado nisso, buscou ser o mais direta possível.

-Tá, então vamos lá: sempre que ele quer, vocês transam?
-Não, nem sempre. Às vezes ele não tá a fim; às vezes sou eu.
-Ok, tudo certo, mas você não deixa ele na mão durante muito tempo, né? Nós sabemos como são os homens, dão logo um jeito de se arranjar fora de casa e isso não é bom, concorda?
-Mamita, me poupe!
-Vai dizer que depois de uns dias sem vontade de abrir as pernas você não tem que dar uma chupadinha paliativa?
-Mãe!
-Responde sua mãe ao invés de dar uma de virgem dos lábios de mel!
-Chupadinha paliativa à espanhola, se é isso que você quer saber!

Teve o impulso de soltar “Essa é minha garota!”, mas se conteve. Sempre foi liberal, mas de poucos elogios. Achava isso bom pra forjar o caráter. O fato é que não cabia em si de tanto orgulho. Sabia que tinha que vir com a cartada final. Respirou fundo e meteu:

-Chupadinha paliativa é coisa de mulher casada, filha. Porque demonstra não só confiança, mas também companheirismo. Indica que você, mesmo nas horas que não está muito a fim, se esforça pra agradar seu homem, que, com certeza, faz o mesmo por você. Porque homem que volta da feira com cuzcuz e flores, sabe cuidar de uma dama.

-Nossa, mamita, me senti esposa agora!
-Maravilha! Sigamos então para os assuntos práticos: quando que começa a bolsa dele?
-Só em setembro.
-Acha que tá longe? Fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto. Sete meses, porque setembro não conta, que já é a viagem. Sabe que isso não é nada pra organizar uma festa, né?
-Festa, mãe?
-Bem, isso é com vocês, mas acho que tem que ter uma festa, que já fica como casamento e despedida, afinal serão pelo menos quatro anos fora, né?
-Isso é! Só tenho que conversar com Aly primeiro.
-Claro, mas tem que ser logo, que o tempo voa!

Assim, dois dias antes de partirem pra Paris, passaram uma linda tarde de calor na casa de um amigo em comum, com direito a piscina, cerveja geladérrima, churrasco e making off. Tudo isso pra aquecer o frio vindouro.

E também, é lógico, pra abrir o apetite pro croissant de cada dia.