domingo, 26 de abril de 2009

Em algum lugar do passado

-Como assim não lembra?
-Não lembrando, amiga...
-Fala sério!
-Tô falando!
-Vamos recapitular: quando eu saí do bar, você tava contando aquela história clássica do encontro nacional de estudantes de comunicação.
-Vixe...
-Disso você lembra, né?
-Nada.
-Hahahahahaha.
-Eu contei a história toda, foi?
-Aham.
-Ai, ai...
-Mas super no salto, não tava dando a menor pinta de Heleninha...
-Tá, mas já tava dando sinais de que sou permissiva depois de uns drinques...
-Isso sim, mas quem não é?
-...
-Vejamos o lado bom da coisa: a permissividade no caso em questão foi produtiva, né?
-Sim, fato. Mas a pergunta que não quer calar permanece: será que eu dei pro Johnny?
-Isso é mole de descobrir, vai.
-Então me ajuda, fazendo o favor!
-Quando você acordou, sua calcinha tava onde?
-No banheiro, pendurada no box.
-Molhada ou seca?
-Molhada.
-Hummm...
-Não prova nada, né?
-Não, porque pode ser coisa de bebum, que quis tomar banho e lavar a calcinha, só pra mostrar que é limpinha.
-Pois é...
-Tava ardida de manhã?
-Tava.
-Melada?
-Um pouco.
-Então, filha...
-Se a língua e os dedos dele não fossem tão ferozes, não haveria dúvidas...
-Ué, da língua e dos dedos você lembra?
-Então, lá no bar mesmo, ele foi atrás de mim no banheiro e o bicho pegou...
-Gente...
-E o pior é que não rola de perguntar esse tipo de coisa pro bofe, né?
-Nunca, jamais, em tempo algum! Mas olha, na boa, se tivesse rolado, você se lembraria. Essas coisas marcam e você sabe disso!
-Sim, mas também sei que com o Felipe já rolou de dar e não lembrar de nada no dia seguinte, a ponto dele ficar puto pra caralho!
-Jura?
-Cara, se isso te satisfaz, eu juro...
-Jesus! Nunca vi disso na minha vida!
-Menos, amiga!
-Tô falando sério. Pra mim é impossível dar e não lembrar, porque buceta tem memória.
-Se tivesse mesmo, tu já teria parado de dar pro Carlos há séculos, vai!
-Hahahahahahahaha. Que maldade!
-Maldade?
-É. Coitado do Carlos, ele não é tão mau assim...
-Ô...
-Mas vamos ao que interessa: ao acordar, você deu uma busca em volta da cama?
-Sim!
-Achou alguma camisinha?
-Não!
-Sinal de que não rolou nada então, afinal, o Johnny é um cara responsável...
-A responsabilidade é inversamente proporcional ao número de taças, amiga!
-Isso é! E champagne é foda...
-Ô!
-Tá, vamos nos concentrar: quando você acordou, ele tava na cama ainda?
-Não, tava preparando um café.
-Trouxe pra você na cama?
-Trouxe.
-Tinha ovos mexidos?
-Que pergunta...
-Tinha ou não tinha?
-Sim, tinha, com bacon.
-Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhh
-Ah o quê?
-Rolou, filha!
-Como você pode ter tanta certeza?
-Vou reconstruir a história, tá bem?
-Tá!
-Ele acordou mais cedo e, como cavalheiro que é, recolheu as camisinhas ao redor da cama, pra quando você acordasse não pisasse em nenhuma...
-E?
-E, por ter conseguido te comer, coisa que vem tentando há anos, achou melhor preparar um cafezão da manhã, pra causar boa impressão e criar mais intimidade.
-E o que os ovos mexidos têm a ver com isso?
-Ovos mexidos são claro sinal de fome pós-coito. É intuitivo: quem trepa, curte ovos mexidos.
-Você ta de ácido, querida!
-Tô nada, aprendi isso na faculdade, na aula de nutrição defensiva: a ingestão de ovos repõe a albumina, proteína tipicamente consumida pelos atletas. E todas sabemos que uma boa trepada equivale a uma maratona, certo?
-Hahahahahahahahahaha.
-Acho que agora só resta uma coisa a ser feita.
-O quê?
-Tomar a pílula do dia seguinte.
-Essa porra faz muito mal.
-Mas a porra que você pode ter posto pra dentro vai fazer muuuuito mais mal, certo?

Na dúvida, tomou a pílula, o que não a impediu de ficar a semana toda tentando lembrar se tinha ou não trepado com o rapaz. Ficaria meses nessa, mas o moço era do tipo que sabia usar o telefone e acabaram marcando de sair novamente. Por precaução, não houve álcool.

Na manhã seguinte, foi fazer xixi e, para tanto, teve que desviar de quatro camisinhas. E, já que passaram a manhã toda na cama, pularam a parte dos ovos mexidos e foram direto pro almoço, com direito à rapidinha de sobremesa.

Sem conseguir chegar a nenhuma conclusão, saiu de noite da casa do bofe com a certeza de que nunca encontraria provas cabais que indicassem ter sido aquela a primeira ou a segunda noite de sexo do casal.

Mas, como vaca que se preza, desistiu de tentar lembrar o que passou e resolveu começar a criar memórias, para ter o que contar pros netos dali a muitos anos.

Porque, enquanto o futuro a Deus pertence, o passado é terra de ninguém, que qualquer um pode, a qualquer tempo, embrulhar pra presente.

domingo, 12 de abril de 2009

A cabeça de baixo

Herdou de sua avó a crença nos homens. Uma pena. Ao invés disso, podia ter herdado os dotes culinários. Seria mais feliz sendo gorda e legal como a coroa, mas restringiu-se a uma vida de constante dieta, já que, nos tempos atuais, não há espaço para se dar ao luxo da banha.

O fato é que nada disso vem ao caso, já que ser gorda ou magra está quase sempre relacionado à aprovação dos homens. Quantas vezes não se pergunta (para não ter que perguntar a eles): “Será que fico uma vaca de quatro?” ou “Dá pra ver minhas dobras quando estou montada de frente, na magnífica posição de Cavalgada das Valquírias?”

É raro, no entanto, ela se perguntar se é deliciosa, apertadinha, boa de apanhar ou portadora de uma boquinha incrível, de fazer qualquer um gemer sem sentir dor. Também não se pergunta quantas vezes eles batem uma em sua homenagem, por conta das inúmeras bagaceirices ditas nos momentos de intimidade.

Mas não! Ela está sempre focada na paranóia opressora da beleza única.

Paranóia cultivada pelas inúmeras propagandas de iogurte pra cagar; multiplicada pela comparação com professoras de pilates e bailarinas e elevada à vigésima potência pela novela das oito.

Mal sabe ela que justamente nessa hora deveria aproveitar a má herança da crença nos homens e perguntar-lhes se é gostosa ou não.

Porque essa é única hora em que eles dizem a verdade.

Não por serem os mais sinceros do mundo.

Mas por responderem com a cabeça de baixo.