sexta-feira, 26 de junho de 2009

Para Michael

Tava tudo bem ontem. Lógico que tudo bem dentro da forma clássica de se estar bem, já que temos amigos, esperança no futuro, cerveja, saúde e disposição pra trabalhar. Tudo bem até a hora de saber que Michael Jackson tinha pego sua mala e ido pra onde ninguém volta pra contar como é. Tudo bem que uma hora todo mundo faz a mesma coisa e tal, mas o cara, depois de experiências cromáticas diversas e escândalos mis, estava finalmente de turnê marcada para esfregar sua inventividade na cara dos caretas.

‘Ah, mas ele era um pedófilo filho de uma puta’ é o que diz o senso comum de nossa sociedade mal-comida. Ok, nada bonito ficar dando sorvete de creme pras crianças que ainda teriam bastante tempo de inocência antes de começar a frequentar sorveterias, mas, sem querer escrotizar quem já está na merda, esses pais também, né? Ao invés de proteger suas crias, deixavam os fedelhos sozinhos dando um rolé com Tio Michael na neverendingblowjobland para, depois, ao perceberem que o sorvete tava fora da validade e a cobertura, azeda, arrumarem, muito chocados, um jeito de tirar uma graninha do atormentado. A pergunta é: se fosse um Zé-ninguém morando em nowhereland, quem ia querer dar um rolé com o titio?

Acontece que, independente e acima de qualquer coisa ou suspeita, pairou sobre o mundo, por cinquenta anos, o gênio Michael, com nome de anjo e trajetória dos infernos. E eu, que quero é mais e acho é pouco, chorei pra caralho ao receber a notícia, porque criança, antes dessa onda de Neverland, quando ele só queria alisar o pixaim em paz, eu, branca do cabelo duro, só queria saber dele. Até concurso de Michael Jackson na matinê do clube do lado de casa eu ganhei, muito por conta das horas a fio ensaiando aquela moonwalk. Nessa fase eu sabia de cor e salteado todas as músicas do Thriller, primeira antologia pop de minha vida, mesmo que na escola só tivessem me ensinado o to be or not to be. Depois disso, quando já não tinha mais idade para matinês, trancada no quarto, continuei don’t stopping till getting enough: the girl is mine, liberian girl, beat it, the way you make me feel, smooth criminal, billie jean e tantas inúmeras baladas ajudaram a preencher de cor os dias cinzentos da mocinha que eu era, acuada entre o orgulho de ser misturada e a vergonha de não ter um esteriótipo pra chamar de meu.

Como fã, queria que ele tivesse feito uma terapia, pra se perceber bonito mesmo tendo tido um pai hard rock café, pra se perceber adulto, mesmo gostando de criança no café da manhã, mas, enfim, esse negócio de ser gênio deve ser meio complicado de administrar.

Já que não tive esse poder de dar uns conselhos, me atrevo a pedir um favor: Michael, chegando lá, antes de desfazer as malas, procura o man in the mirror e diz que eu mandei perguntar who’s bad?

sábado, 20 de junho de 2009

Banana engorda e faz crescer

Valentina tem uma filha adolescente e já percebeu que hoje em dia essa moçadinha - não sabemos se por culpa das novelas, da internet ou das propagandas de guaraná - está com os hormônios turbinados. Ou seja, o que nós aos quinze estávamos começando a pensar em fazer, as garotas de hoje, aos treze, já fazem há tempos.

Portanto, na tentativa de não ser avó tão cedo, jogou seu apelo de mãe:

-Querida, queria falar uma coisa com você.
-Não é sobre sexo não, né, mamita? Que essa semana a gente já teve que colocar camisinha em banana na aula de educação sexual. Mó mico!

Ok, a menina estudava numa escola ‘cabeça’ pra filho de artista, mas, apesar desse negócio de colocar camisinha em banana ser até bem legal, não é garantia de que a mesma será embrulhada de fato na hora do vamo ver, ainda mais ali, ambiente construtivista, cheio de recantos propícios para o plantio de frutas sem casca.

Pra se fazer de relaxada, foi só dando corda:

-Acredito que tenha sido mico mesmo fazer isso na frente dos meninos.
-É, e ainda por cima, fiquei no grupo do Matheus, ninguém merece...
-Ah, é?
-É, e ele ficou me zuando.
-Por quê?
-Disse que eu não tava acostumada a comer banana. Ainda falou altão, pra geral ouvir!
-Que idiota.
-Mas eu não deixei barato, não! Falei: é, eu posso até não estar acostumada com banana, mas, ainda assim, dispensaria a sua, mesmo que fosse a última do mundo!
-Hahahahahahahahahahaha! Boa!
-Ele se acha só porque namorou a Vanessa no ano passado e porque ela levava ele pra tudo quanto era show do pai dela.
-Grande coisa.
-Pois é. Sou mais meu pai, que me levava no ballet, esperava a aula acabar e ainda me dava sorvete de pistache depois.
-Seu pai era um homem bom mesmo.
-É...
-Então, filhinha, o que eu tenho pra te falar tem um pouco a ver com isso.
-Com papai?
-Num certo sentido, sim, porque ele costumava dizer, quando você tinha uns dez anos, que na hora que seus peitinhos começassem a aparecer, teríamos que te fazer uma pergunta importantíssima.
-Qual?
-O que separa a cabeça do resto do corpo?
-Como?
-A pergunta é essa: o que separa a cabeça do resto do corpo?
-Fácil! O pescoço.
-Quase.
-Como quase? Óbvio que é o pescoço!
-Aí é que você se engana: quem separa a cabeça do resto do corpo é o ombro, não o pescoço!
-Tá! Beleza! Mas o que isso tem a ver com os meus peitinhos?
-Absolutamente tudo.
-Por quê?
-Porque piroca não tem ombro!
-Quê???
-Acompanha meu raciocínio: se é o ombro que separa a cabeça do resto do corpo, e piroca não tem ombro, não existe essa história, que você já deve ter ouvido dos meninos, de colocar só a cabecinha, entendeu? Eu mesma conheço muita criança que veio ao mundo em virtude do fatídico “foi só a cabecinha...”.
-Caraca, mãe, de onde você tirou isso??? E piroca é uma palavra muito feia! Eca!
-Calma, deixa eu terminar meu raciocínio!
-Ok...
-Toda vez, mas toda vez, que você estiver com um menino e ele vier com esse papo, você coloca uma camisinha nele. Se ele disser que sem camisinha é mais gostoso e que você é livre pra fazer o que quiser, já que é uma menina moderna, recolha sua bucetinha e embrulhe pra presente, porque o que não vai faltar é garoto querendo pegar senha pra sair com você, combinado?
-Combinado, mas, mãe, bucetinha é muito feio também!
-Você prefere chamar de quê?
-De pênis e vagina! Óbvio!
-São os nomes corretos, mas muito científicos, não?
-Mas eu sou uma cientista, esqueceu do prêmio que eu ganhei na feira de ciências do ano passado?
-Como eu ia esquecer, garota?
-E, ainda por cima, quando eu crescer, eu vou ser neurocirurgiã, daí, vou ter que usar palavras de cientista toda hora, né, não? É melhor ir treinando desde já.
-Tá certo, cientista, chama do que você quiser, tá bem?
-Por que você não pergunta logo o que quer saber?
-Porque fazer pergunta é muito mais difícil do que dar respostas.
-...
-E, além do mais, eu posso até não parecer, mas sei das coisas, entendeu?
-Tendi.
-De qualquer forma, nunca é demais falar o quanto é bom evitar bananas sem casca, pelo menos por enquanto, não só por conta de neném, mas por um monte de coisa ruim que pode acontecer.
-Sei, as DSTs! Ai, mãe, parece até que eu sou criança!
-É, né? Papo brabo esse meu.
-Nojento, mas por outro lado é sempre bom lembrar do papito, né?
-Muito. Aliás, bora tomar um sorvete?

Escolheram pistache por pura nostalgia e sabiam, lá no fundo, que o sorvete era mero pretexto pra continuarem, como quem não queria nada, o papo sobre meninos e suas angulosas formas de sempre conseguirem o que querem de nós.

Afinal, garota que perde pai cedo demais, precisa de mãe que explique bem direitinho por que banana tem vitamina, engorda e faz crescer.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Os que gostam e os que veneram

-Oi, demorei muito?
-Nada, pequena, cheguei tem dez minutinhos. E aí, tudo bem?
-Tudo.
-Pedi um carpaccio pra gente, tá?
-Tá.
-Quer um chopp também?
-Agora não.
-Se quiser pedir, pode deixar que eu não conto pra sua mãe.
-Nada, dinda, ela sabe que quando saio com você às vezes tomo uns drinques.
-Ok.
-Ó, adorei o presente.
-Curtiu mesmo? Porque pode trocar, sabe que não fico ofendida.
-Sim, mas amei! Nunca tive uma blusa com strass na vida.
-Tava na hora já!
-Só não sei onde vou ter chance de usar uma coisa chic daquela.
-Quando surgir uma oportunidade, você vai saber.
-Tá.
-Roupa chic é assim: melhor ter.
-Que nem aquele vestido que você usou nos meus 15 anos, né?
-Exatamente!
-Vem cá, mamãe disse que você tinha uma coisa pra falar comigo.
-Disse, é?
-Aham.
-Certo. Vou ser bem direta, tá?
-Tá.
-Seguinte, agora que você já é uma universitária, precisa saber uma coisa sobre os homens.
-Ai, fala sério!
-Calma, garota!
-Tsc...
-Vou resumir, tá?
-Por favor!
-Vamos lá! Apesar de todas as especificidades presentes no universo masculino, que vão desde classe social até caráter e bondade no coração, podemos classificar os homens em dois tipos: os que gostam de buceta e os que veneram.
-Ah, dinda, olha a zuação...
-Tô falando sério!
-Tá, na teoria isso é lindo, mas como vou saber a diferença entre um e outro na vida real? Vou chegar pro bofinho e perguntar: vem cá, amigo, você gosta ou venera?
-Hahahahahahahahahaha!
-Ri não!
-Desculpa, é que sua pergunta foi ótima. Vamos lá: homens que apenas gostam de buceta não costumam ter paciência pro resto da mulher, sabe assim?
-Hummmm, tipo o namorado da tia Vanda?
-Por que você acha que ele se encaixa nessa categoria?
-Porque ele não admira ela, não faz questão de ser gentil, marca de sair e some, não liga, viaja sem avisar, essas coisas.
-Que mais?
-Precisa de mais?
-Não, só se você se lembrar de algo.
-Hummmm...Ah! Sempre que ela ameaça abandoná-lo, ele vira o melhor amante do mundo.
-E o que diferencia ele de um cara que venera buceta?
-Acho que o cara que venera não precisaria de ameaça pra ser o melhor amante do mundo, né?
-Isso mesmo!
-Mas, dinda, a maioria dos homens é que nem o namorado da tia Vanda, não?
-Não!
-Não?
-Aí é que tá! Assim como existem dois tipos de homem, existem dois tipos de mulher.
-As que aceitam esse tratamento e as que não aceitam, né?
-Isso. E eu adoraria que você fosse do segundo tipo.
-Eu acho que sou, sabia?
-Também acho que você é.
-Eu tenho uma pena danada da tia Vanda...
-Pois não devia, cada um sabe de si.
-Mas ela podia ter dado um pé na bunda desse mané há muito tempo, concorda?
-Concordo, ela é livre pra fazer o que quiser, não depende dele pra nada.
-Não entendo o que se passa...
-É que ela acredita que ele vai mudar.
-E isso não deixa de ser uma espécie de dependência, né?
-Pior! Isso é achar que qualquer abajurzinho de cabeceira vai fazer sumir o medo do escuro.
-Afff!
-Por isso, boneca, queria pedir pra você vir falar comigo sempre que tiver alguma dúvida sobre em que categoria encaixar um rapaz, combinado?
-Combinado!
-Vai um chopp agora?
-Pode ser um uísque?
-Hoje pode.

E assim, sem maiores delongas, deram um importante passo rumo ao entendimento da difícil tarefa de existir num mundo em que ser livre virou passagem só de ida pra maior e mais covarde de todas as prisões, sem direito a visita íntima nem a cela especial.

Pra sair dela, só mesmo perdendo o medo do escuro.

Porque almas costumam se comunicar melhor em braile.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Todo dia é dos namorados

-Pra você o que é pior: Natal ou dia dos namorados?
-Natal.
-Por quê?
-Porque do Natal não tem como fugir.
-E do dia dos namorados, tem?
-Tem, claro!
-Como?
-Indo pruma balada, por exemplo.
-Pra ver geral super se amando?
-Ou pra se arrumar também...
-Num guento mais balada, acho que vou ficar em casa mesmo.
-Sozinha?
-Não, acompanhada do meu uísque.
-Viva o cachorro engarrafado!
-Pois é!
-Pensa assim: é uma data comercial, que nem dia das mães.
-Ainda bem que mãe eu tenho!
-Muito melhor ter mãe do que namorado, vai!
-Hahahahahaha.
-Num é?
-Obrigada, amiga.
-Obrigada por quê, posso saber?
-Por diminuir o peso das coisas que estão do lado de fora.
-Minha função é fazer você ver que nada na vida é mais bacana do que ter a exata dimensão de quem nós somos. E você é linda, radiante, fora do comum, dona das melhores receitas light do planeta, que dão vontade de só comer grama pra sempre...
-Eu preciso, né, gata? Não é todo mundo que tem esse seu corpinho de sílfide sem fazer força!
-Eu queria ter essas suas tetas deslumbrantes.
-Realmente meu peito é fenômeno.
-Sabe o que Ronaldo disse pra mim ontem?
-O quê?
-Que o povo do trabalho dele só se refere a você como a amiga “farol de milha” da tua mulher!
-Caralho, que bizarro!
-Inclusive o Alexandre, sabe o Alexandre, né?
-O narigudo da coxa grossa?
-Esse mesmo.
-O que tem ele?
-Vive perguntando se você tá solteira...
-Ah é?
-É, quer que eu agencie?
-Não, deixa quieto.
-Vamos deixar passar o dia dos namorados, que é melhor, né?
-Isso.

E assim, enquanto uma foi pros braços fortes do marido, a outra foi pros braços tenazes de morfeu, não sem antes brincar com seu cachorro engarrafado de 12 anos.

Ambas enamoradas delas mesmas.

Porque, pra quem gosta do que vê no retrovisor da alma, todo dia é dos namorados.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Por quê não?

-Oi, filha!
-Oi! Diz sem pensar muito: se você pudesse escolher um bofe assim perfeito, independente de ser casado, solteiro, viado, ou qualquer porra, quem você escolheria?
-Pode um só ou é lista tríplice?
-Um só, com direito a um interino, em caso de doença ou afastamento...
-Hahahahahaha!
-Fala!
-Você me ligou pra isso, amiga?
-Por quê? Tá ocupada, é?
-Não, tô é preocupada com a tua falta do que fazer e também com a conta do teu celular no final do mês!
-Preocupa não, gata, a firma cobre o celular.
-E a falta do que fazer, quem cobre?
-Porra! Vai responder ou não, caralho?
-Pode ser casado mesmo?
-Claro, é só mais uma daquelas enquetes básicas...
-Frejat.
-Jura?
-Se precisar eu juro...
-Mas por que logo o Frejat?
-Pô, o cara é um bofe exportação, vai!
-Hahahahahahaha.
-Mas num é?
-Eca, nem acho, muito bruto...
-Pra isso que existe polimento, filha.
-Piranha!
-Que seja...
-E o interino?
-Vale internacional?
-Claro!
-Antonio Banderas.
-Mas tu curte mesmo um cais do porto, né, amiga?
-Quanto mais xucro melhor.
-Ok, tá anotado.
-E tu, vai de Johnny Depp, né?
-Como você sabe?
-Gatona, você era apaixonada pelo Lauro Corona quando era guria, lembra não?
-Pode crer...
-E o interino? Giannechinni, né?
-Exatamente!
-Nunca vi mulher pra gostar tanto de homem com jeito de viado...
-Gosto de homem cheiroso, uai.
-Eu também, gata.
-Té parece! Já vi você traçando cada coisa suada no final da noite...
-A minha diferença pra você sabe qual é?
-Qual?
-Eu tenho disposição pra dar banho, deve ser por conta do meu instinto maternal, super à flor da pele...
-Sei...
-Banho de gato, então...
-Aham.
-Não posso ver uma orelhinha sujinha que já saio metendo a língua...
-Hum, começou a nojeira!
-Quem mandou me ligar pra falar de homem? Sabe que tô há dois meses sem sexo, subindo ladrilho de tamanco, queria que eu falasse o quê?
-Você é muito nojenta com esse negócio de meter a língua em tudo que é buraco!
-Alto lá! Não só os buracos têm meu respeito! Sou democrática! Faço um ótimo trabalho nas superfícies convexas também.
-Quanto mais convexo melhor, né?
-Melhor mesmo é parar com esse papo, que tô no meio da rua sem um banheiro à vista.
-Ai, que podre!
-Podre, não, realista!
-Sei...
-Mas e aí, vai fazer o que com essa enquete? Colocar no orkut?
-Tô pensando...
-É uma, mas sabe que esse negócio de fazer cotação de bofe na internet é uma faca de dois legumes, né?
-Eu, hein, por quê? Sonhar não custa nada...
-Não, não custa, não é nesse sentido que falo.
-Qual sentido, então?
-Ai, sei lá, a mulherada anda muito desconfiada...
-Você acha que a mulher do Frejat vai no meu orkut????
-Não, né?
-Óbvio que não!
-Tá certo, eu que sou muito paranóica mesmo...
-Tá com rabo preso, é?
-Nada, filha, tô com o rabo precisando de óleo, isso sim!
-Ai, chega, que me deu nojo agora!
-Tá bem, Lady Di, adorei o papo!
-Eu também, vamos combinar um cineminha dia desses?
-Bora! Te ligo amanhã de noitinha, beleza?
-Tá certo, té mais!
-Beijo, lindinha, se encontrar com o Frejat no caminho de casa, diz que eu mandei perguntar por que é que a gente é assim.
-Tá bem...

Desde meninas faziam enquetes que não seriam divulgadas em lugar algum.

Mania de esculpir romances mentais, de construir castelos de areia, só pra ver se o dia, quem sabe, toparia nascer um pouco mais feliz.

Afinal, todo mundo tem um ponto fraco.

Esse era o delas.

Por quê não?

sexta-feira, 5 de junho de 2009

E se...

-E se pudesse?
-Ah, se pudesse, se pudesse...
-E se pudesse?
-O lance é que não pode e acabou! De que adianta ficar conjecturando agora?
-Sim, eu tô ligada que não pode! Nunca! Jamais! Em tempo algum! Já saquei!
-Ah, bom, já ia meter um ‘tá difícil de entender, né, filha?’
-Hahahahahahahahahahahaha.
-Tô aqui falando uma coisa simples e você só no ‘Mas e se pudesse?’ ‘Mas e se você voltasse atrás?’ Jesus, afasta de ti essa neurose, que ela não te pertence!
-Hahahahahahahahahahahaha.
-Você ri, é?
-Que hilário...

Ainda enxugando as lágrimas depois de tanta risada, não se dá por satisfeita e resolve escrotizar:

-Mas tu sabe que neurose é repetição, né?
-Ihhhhhhh, começou...
-Não comecei nada, tô falando sério!
-Você leu isso onde? Na Marie Claire?
-Marie Claire de cu é rola!
-Eu vi na tua sala um monte de Marie Claire, nem tenta disfarçar.
-Claro, eu trabalho em casa, recebo cliente o dia inteiro, a maioria mulher. Queria que eu tivesse o que na sala? Playboy é que não dá, né?
-Suas clientes são tudo tomadora de sopa sem colher mesmo! Playboy no caso faria bem mais sucesso!
-Nossa, tudo isso pra desviar dum assunto...
-Ridícula!
-Tô falando, cara, pra você vir me zoar com papo de Marie Claire é porque tá querendo muito sair pela tangente.
-Bonita, eu não vou voltar atrás, o que está feito, está feito.
-Tá, você quem sabe...
-Exatamente! Eu que sei, é a minha vida, helloooo!
-É sua vida agora. Daqui a duas semanas é meu fígado!
-Quê?
-Mas num é?
-Que mané teu fígado?
-Eu tô dizendo que hoje você está resoluta a não voltar atrás, tipo Scarlett O’Hara pegando terra do jardim e prometendo nunca mais passar fome na vida, mas, daqui a duas semanas, já deu tempo de você ficar arrependidinha e de se perguntar a cada dois minutos se não devia ter ouvido a voz do coração e blábláblá...
-Tá, mas e o fígado?????
-Porra! Depois eu que tô difícil de entender, né, filha? Caralho! Esqueceu que a cada crise de consciência sua entorna-se pelo menos uma garrafa de uísque?
-Ah tá...
-E quem você sempre chama pressa empreitada?
-Té parece que não gosta!
-Você sabe do que eu tô falando, vai!
-Sei, claro, mas não posso voltar atrás.
-Por quê não?
-Porque não!
-Eu acho uma pena...
-Tirando o uísque e o fígado, o que você tem com isso?
-Racionalmente, nada, porque você é você e eu sou eu!
-Então...
-Aí é que tá! Eu separo a porra do joio da porra do trigo! Eu não penso que a vida é uma novela do Gilberto Braga, que dá pra fazer uma horinha de puta numa nice enquanto não pinta um Olavo pra me tirar da pista....
-Hahahahahahahahah! Bebel!
-Isso!
-Cueca maneira...
-Pois é! Se liga: Olavos não existem!
-Mas o Olavo era mó cafajeste!
-Pra você ver como são as coisas...
-Eu não penso que a vida é novela!
-Sei...
-Agora, se um Olavo daquele um dia se oferecesse pra me tirar da pista, eu caía dentro fácil!
-Mas você sabe que Olavos não existem, né?

O papo continuou furado e a Scarlett O’Hara pós-moderna não quis voltar atrás: bateu o pé e foi firme em suas convicções de gaveta.

É claro que duas semanas depois, como já tinha vaticinado a amiga entendida de neurose, estavam no uísque, tentando afogar as mágoas.

Como se isso fosse realmente possível.

Precisava alguém dizer pras duas que depois dos trinta e poucos anos, nossas mágoas, secretamente, resolvem aprender a nadar.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

A hora do recreio

-Acho que isso não é motivo pra você ficar insegura.
-Sei lá, cara...
-Ele já não tinha te contado que de vez em quando se encontra com ela?
-Tinha.
-Então, ele tá sendo honesto, o que é um ótimo sinal.
-É, ele inclusive disse isso ontem, que preferia dizer a verdade a inventar uma desculpa esfarrapada.
-Então, baby, tá tudo certo.
-Pô, o cara desmarcar uma saída comigo pra ver a ex num sábado à noite não é um acontecimento fantástico também, vai...
-Lógico que não! É super chato, mas você também tem que entender que ele se separou há pouco tempo e que é normal ficar essa dependência mútua depois que uma relação acaba.
-Mas foi ela que quis se separar! Ele tentou de tudo preles continuarem juntos, mas ela foi irredutível.
-Sei. Só que agora, como tem outra no pedaço, é natural que ela queira marcar território, né, belona...
-Isso é caído...
-Super caído, mas, numa boa, quem de nós nunca fez isso?
-Eu não!
-Hahahahahahahaha.
-Qual a graça?
-Esqueceu que você ligava pro Icaro sempre que tava no bar com as amigas tomando umas?
-Mas aí era diferente!
-Diferente como?
-Ah, eu tinha saudade, queria saber se ele tava bem, afinal, fui eu que acabei o namoro, de forma muito repentina.
-...
-Mas nunca pedi pra ele desmarcar um saída com a namorada nova pra vir me ver!
-Tá, não pedia isso, mas, cá pra nós, ligar pro cara sábado de madrugada de pilequinho é marcação de território também...
-...
-É ou não é?
-Bosta!
-Amiga, o que eu tô querendo te dizer é que posse faz parte. Normal a ex querer dar uma mijada no poste, mesmo tendo sido ela quem terminou. Você já fez isso, eu já fiz isso e, vamos combinar, não chega a ser um pecado capital.
-Mas incomoda.
-Sim, incomoda, ninguém tá dizendo que é gostoso, mas, você, como a bucetinha da vez, tem que ser superior. Afinal, quem é a bem-comida dessa história?
-...
-Ele não pode perceber que você fica chateada com isso, neguinha. Pensa bem, o cara acabou de se separar, a última coisa que ele quer agora é uma namorada neurótica!
-Tá, vou fingir que tá tudo bem, mas quando ele me chamar pra sair de novo, eu vou dizer que não posso.
-Vai fazer joguinho, que nem na sétima série?
-Não é joguinho, é equilíbrio de forças!
-Você tem que levar a coisa naturalmente. Se quando ele te ligar você já tiver marcado alguma coisa com suas amigas, não precisa desmarcar, é só dizer que não pode. Ele vai entender. Mas aí, pra facilitar, diga o dia que você estará disponível, pra já agendar logo alguma coisa. Baby, homem recém-separado fica um tempo em período de carência...
-Hahahahahaha.
-Serinho. Quando você muda de plano de saúde não fica um tempo sem poder tratar determinadas enfermidades, nem fazer determinadas cirurgias, por conta do prazo de carência?
-Fica...
-Então, com o bofe é a mesma coisa: nada de operações de risco nem de exames invasivos, pelo menos nos primeiros seis meses!
-Caraca, amiga, só você pra me fazer rir...
-Claro! Você tá cheia de motivo pra rir! Ele é o primeiro cara legal que você namora em muito tempo. Vai dar bobeira só por que ele tem ex-mulher? Queria o quê? Um virgem?
-É, você tá certa.
-Ainda mais que o aniversário dele tá chegando...
-Ai, não sei o que dar, pensei em gravar um CD.
-Ah, não!
-Por que não?
-Pelamordedeus, filha, tem que ser menos óbvia!
-Não sei o que dar...
-Que tal uma foto sua nua?
-Hahahahahahahaha.
-Te garanto que ele vai bater várias em sua homenagem durante a semana.
-Sei lá, a gente só transou uma vez e não foi assim uma Brastemp...
-Normal, né, primeira vez é um saco. Aliás, a gente devia poder pular a primeira vez e ir direto pra quinta, que aí é que a coisa engata.
-É...
-Olha, eu tô falando sério: compra uns óleos, dá-lhe uma bela massagem nas costas, pega um filme legal, divertidinho, sem muita reflexão, tragédias nem amores eternos.
-Boa! Mas e a chave de buceta? É bom deixar pra depois, né?
-A chave completa, sim, mas umas beliscadas no pau não fazem mal a ninguém...
-É, Icaro adorava.
-Todos adoram, baby...
-Pode crer.
-Uma calcinha de renda também não vai deixá-lo aborrecido...
-Não vai!
-Nada de chicote por enquanto, ok?
-Caraca, acabei de pensar nisso...
-Nem algema!
-Mas posso pedir pra ele me imobilizar né?
-É melhor ir garantindo uma foda low profile nesse começo, porque homem, por mais libertário que seja, no fundo tem aquele machismozinho básico, fica logo com a idéia de que você é a putinha do pedaço. Devagar e sempre. Faz o que tô te dizendo: massagem nas costas, filminho standart, beliscadelas no pau e, se a animação for evidente, língua na orelha. Pronto.
-Mas e a foto?
-A foto é o bônus track.
-Dou antes ou depois?
-Manda por email no dia seguinte.
-Será?
-Você tá pedindo minha opinião, não tá?
-É, vou pensar em tudo que você me disse.
-Isso, pensa, mas, ó, perto do Fórum tem um sex shop bacana.
-Jura? Onde?
-Ali na Rua da Assembléia.
-Onde na Asssembléia?
-Numa galeria, já quase chegando no Largo da Carioca.
-Caraca, trabalho há 10 anos ali e nunca ouvi falar desse sex shop...
-Então, que tal eu ir te visitar, a gente almoça juntas e depois dá uma passada lá?
-Combinado!

Almoçaram e, pra fazer a digestão, foram às compras. Acabaram gastando mais do que deviam, já que os sex shops são os salões de beleza do baixo ventre, a cereja do sundae das bem-comidas, a ante-sala do ponto G, a hora do recreio dos adultos.

E assim, munida de óleos aromáticos, calcinha criativa e muito amor no coração, deu ao recém-separado motivos suficientes pra nem sequer pensar no passado.

Claro que aproveitou a viagem e comprou uma algema pra dali a alguns meses.

Acabou também mandando a fotinha por email no dia seguinte.

Afinal, como boa advogada que é, sabe que a justiça com as próprias mãos tarda, mas não falha.