quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

O telefone de Alice (pro Clube da Leitura)

Alice é do tipo que bebe e sai ligando pras pessoas. Dia desses, às três da manhã, numa bebedeira com uma galera meio intelectual meio de esquerda que conheceu numa ONG, ligou justo pro ex-namorado que a trocou por outra, também de esquerda, mas de intelectualidade duvidosa. O diálogo que se seguiu ao alô não foi exatamente bacana e o moço, além de não reconhecer o número nem a voz dela, deu-lhe um corte seco e profundo. Só isso já devia ter sido suficiente pra que ela tomasse uma coca-cola e recobrasse o juízo. Mas o álcool ferveu seu sangue e destilou toda a peçonha que vinha guardando desde que fora trocada. Mandou uma mensagem de texto nada simpática e, terminado o recado, foi direto abraçar o vaso sanitário, pra esvaziar-se da bebida e do ódio.

No dia seguinte não lembrava de nada, o que teria sido uma benção, dadas as circunstâncias. Porém, a galera meio intelectual meio de esquerda tinha ótima memória e fez questão de reconstituir toda a história, tim tim por tim tim, com direito a detalhes. Incrédula, verificou o celular e teve a certeza de que podia muito bem ter dormido sem essa.

Já que não era possível chorar pelo uísque derramado, quis se retratar. Achou melhor mandar um email, uma coisa menos invasiva, pensou. Depois de três dias de espera, já um pouco ansiosa, começou a usar Valeriana 50 miligramas pra dormir melhor. Como a resposta não vinha, o jeito foi incorporar um Valium ao cardápio. Daí, numa noite dessas, resolveu cheirar uma carreirinha de nada, só pra dar um brilho. Não deu um mês e já era uma tamanduá-bandeira profissional, tanto que terminou internada numa clínica de repouso.

Por si só, a história de Alice já seria triste o suficiente. Mas o pior era ter de aturar o discurso da galera da ONG, unânime em afirmar que desde o início a moça parecia deveras desequilibrada.

Cá entre nós, esse povo meio intelectual meio de esquerda acha sempre que está abafando.

Mal sabem eles que de nada adianta estar com a faca e o queijo na mão quando se tem intolerância à lactose.

8 comentários:

Juju disse...

"Mal sabem eles que de nada adianta estar com a faca e o queijo na mão quando se tem intolerância à lactose."

Sei bem...

Bruna disse...

Como diria Simonal, "intelectos que não usam o coração como expressão".

Fábio Ricardo disse...

Muito bom, gostei do estilo crônica. teu estilo continua ali, firme e forte, mas a redação que sai d eum forma levemente diferente.

Eugenia disse...

q ódio. até parece q eles ñ fazem a mesma coisa. eu sou de esquerda, mas com um peito desafinado onde também bate um coração :)
é, gata, celular em mão de bêbado, cê sabe..risos...
beijos! o blog contina ótimo.

Anônimo disse...

Ser, te a galera do drink'n'dial, eu sou do drink'n'send a SMS... Franv Candy já viu alguns resultados... mas a vida é assim. And I just keep hoping that someone gets my message in a bottle...

Paulo Bono disse...

Você é uma artista, Paiva.
abraço

Unknown disse...

Poliana, que delícia de texto, como vc escreve gostoso, e olçha, essa galera meio calabreza, mezzo muzarela, é dose mesmo.

Anônimo disse...

Minha linda e espirituosa Poli.
Vc não é apenas uma ou mais "anas".
É tb multi talentosa. Estou adorando ler seus textos mas adorei este em especial.
Tenho soltado boas risadas e tendo o mesmo prazer dos nossos encontros pelas dobras e recantos esfumaçados do IACS. Tempo bom! Lê Lê...
Estou exercitando não andar mais pela esquerda. Como nunca andei pela direita agora quero andar prá frente e me libertar dessas fronteiras limitadoras que na verdade não definem nada.
Beijo grande! Com MUITA saudade!

LIBORIM