terça-feira, 26 de outubro de 2010

A epifania tarda mas não falha


Desde muito jovem, Janete sabe que é dando que se reflete. Portanto, sempre considerou a máxima ‘antes mal acompanhada do que só’ uma das maiores sacadas de Erasmo Carlos. Solteira convicta, a moça está habituadíssima a relações de alto impacto e curta duração, tanto que nem liga mais quando sente nos homens aquele cheiro de fuga que tanto desespera muitas de nós. A impressão que se tem é a de que pra ela não tem mau tempo e que desilusão só serve mesmo pra inspirar as poesias que escreve na madrugada, depois de três ou quatro taças de vinho do porto. Dia desses, distraída como quem observa a evolução de uma manada de elefantes da própria janela, nem reparou como o moço da entrega da farmácia a olhava com volúpia enquanto preenchia seu cheque pré-datado pra pagar pílulas do dia seguinte, absorventes internos e ceras depilatórias. Não reparou também que, independente da hora em que ligasse pra fazer seus pedidos, era sempre o mesmo rapaz quem efetuava a entrega, nunca desprovido de um sorriso Colgate Total 12 de deixar qualquer acadêmico de odontologia estupefato. Foi somente numa tarde ensolarada de sábado, na qual se descobriu menstruadíssima e necessitada de anti-espasmódicos, que percebeu em que tipo de gorjeta o entregador estava interessado desde sempre. Sem saber muito o que fazer, ofereceu-lhe água e o convidou para sentar. Perguntou-lhe também se não estava na hora de retornar à farmácia, ao que ele respondeu que não, que aquela entrega era sua última e que tinha todo o tempo do mundo. Percebendo que a situação era aquela, Janete, burguesinha que leu Marx, Marilena Chauí e Nelson Rodrigues até o talo, resolveu ceder às possibilidades que essa nova experimentação tinha a oferecer. Claro que não deu pro moço naquela noite, afinal, dar de primeira menstruada era muito hardcore pro seu rockzinho progressivo. Não deu, mas fez de quase tudo, que não era boba nem nada e também não gostava desse negócio de ensaiar sem previsão de data de estreia. Apesar de ter achado a língua do menino um tanto quanto hiperativa, foi conduzindo a coisa com sutileza e, quando viu, estava no meio de uma relação de baixo impacto e longa duração, o que, pruma atleta de seu naipe, não significava exatamente um recorde olímpico. Como não poderia deixar de ser, os meses foram passando e, num belo dia, enquanto explicava languidamente ao mancebo como gostava de ser beijada, percebeu que, em se tratando de esportes, mais importante do que competir é não queimar a largada.


Porque epifania é o tipo de coisa que tarda mas não falha.

4 comentários:

Anônimo disse...

hahaha. muito bom!!!
Priscila

Anônimo disse...

hhahah. muito bom!!

Rodrigo de Roure disse...

não queime a largada!

Jojo disse...

adorei cherry!