segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Ao mestre com carinho


No final de 2011, se completaram quinze anos que perdemos o cenógrafo e diretor Luís Carlos Riepper, homem de teatro que também cedeu seu talento pro cinema (fez cenografia praqueles filmes deliciosamente doidos do Walter Lima Jr. da década de 70). Dirigiu muito teatro adulto e arrebentava nas peças infantis, justamente por sua preocupação em tratar as crianças como pessoas que sabiam do que gostavam. Tive a chance de ver sua encenação de ‘A casa da Madrinha’ e de assistir aos erês se levantando pra se colocar no meio do espetáculo, numa inquietação de dar gosto. Vaidoso como todo diretor, dizia com orgulho que Iara Amaral tinha ganho um prêmio Moliére numa peça conduzida por ele justamente por ela ter trabalhado em cima da dificuldade com o cenário e com o figurino. Falava que a dificuldade forjava o ator e fazia com que ele buscasse soluções onde só havia perguntas. Mas o grande privilégio mesmo foi ter sido aluna dele na CAL. Lembro que achava muito chato ter de ler página a página o livro ‘Ator e método’. Um porre, todos nós queríamos era subir no palco e mostrar como éramos talentosos. Foram bem uns dois meses nesse sofrimento. Depois ele mandou a gente escrever subtextos das falas dos personagens de uma peça chata do Tenesse Williams. Subtexto em teatro é o mesmo que na vida: é o que se passa na cabeça do personagem enquanto ele diz o que está escrito no texto. Também achava isso um saco e, por pura indisciplina, não fiz o exercício, pensando: ‘ah, na hora eu invento’. E o fiz. Na terceira fala ele para a cena e me diz: ‘prima (ele chamava todo mundo de primo e prima), você tá fazendo isso agora, não é, não?’ Claro que sustentei minha mentira, mas desde esse dia passei a ter respeito por aquela figura meio mago, meio druida, meio sei lá o quê. Outra lembrança é dele fumando sem parar. Tinha mania de descansar o cigarro em uma das mãos em cima da cabeça e, como nos dirigia com muito envolvimento, vez por outra, não era raro ver um aluno soprando as cinzas discretamente, pra dar uma limpada na careca do coroa. Isso foi em 96 e, até então, a gente sabia que ele tava meio debilitado, mas não fazia ideia de que ele tava morrendo. E também, isso já digo por mim, não fazia ideia de que lembraria dele pra sempre, principalmente da célebre frase que ele proferia quando tínhamos dificuldade de improvisar, munido de um sarcasmo que beirava à bondade de quem sabe o que é ser inteiro: ‘brinca, prima, brinca’.

Sigo brincando, mestre.

Essa carta é só pra dizer.

E diz.

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