‘Só quero entender o que você
sente por mim’, era a frase que saltava das pálpebras cansadas de Fernanda e imediatamente
se dependurava nos ouvidos viciados em elogios de Jaime, homem com quem há um
ano se relacionava.
O problema não era a falta de
entendimento de Fernanda, nem os ouvidos viciados de Jaime, mas, sim, a falta
de entendimento de Jaime sobre o que ele mesmo sentia. Não é tão fácil assim
encontrar algo que não se procurava e ter de lidar com expectativas femininas
que se agravavam a cada TPM.
Por conta disso, numa tarde
nublada de agosto, depois de horas e horas de sexo, Jaime, como quem pede
desculpas a si mesmo, diz: ‘Não tenta me entender, me decora que é melhor’.
Ao ouvir isso, Fernanda, que
desde os tempos de escola nunca foi boa em decorar fórmulas, datas nem capitais
dos estados, ressecou. Como assim, ‘não tenta me entender, me decora que é
melhor?’ Logo com ela ele tinha de vir com esse papo? De que adianta decorar,
se decoreba só serve pra passar de ano e não tem aplicação na vida? Será que
com esse lance de decorar ele não estava dizendo, de forma subliminar, que ele
era apenas uma matéria eletiva e não um aprendizado pra posteridade?
Se Jaime estava achando ruim a
pergunta inicial, imagina agora, quando, de uma hora pra outra, foi soterrado
por pontos de interrogação e ressecamentos das mais diversas ordens.
‘Melhor seria se fôssemos animais
desprovidos de linguagem, de polegar opositor e de ressaca moral’, ele pensou,
sem, naturalmente, dizer.
Até mesmo porque isso era assunto
para um outro dia.
Ou para uma outra mulher, que
aquela, àquela altura, precisava de mais do que respostas para aplacar suas
muitas dúvidas.
Precisava de algo para calar-lhe
as entranhas.
E foi isso que Jaime fez, apelou
pras linguagens não-verbais e apostou no potencial das pontas de seus dedos.
Assim, retomada a umidade
inicial, pelo menos uma resposta estava a salvo: quem decora, de forma
subliminar, também elege.
E quem elege, mesmo que não
entenda, alguma coisa sente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário