quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Memórias de uma amizade inoxidável (pro Clube da Leitura)




Minha melhor amiga é quatro anos mais nova do que eu. Agora isso não faz a menor diferença, mas, na época em que nos conhecemos, ela era a criança virgem e eu, a putinha mirim. O fato é que, se soubéssemos que a vida nos traria tanta realidade, teríamos continuado a passar os dias entre piruetas e sapatilhas de ponta. A gente queria dançar no Momix, tanto que encostar o pé na orelha e fazer cara de que não tava doendo nada era nossa brincadeira predileta. Mas isso tem tempo, isso é dos idos que dieta se chamava regime, que só se beijava um homem por noite e que namorar dentro do carro era uma aventura possível. Uma época onde ninguém discutia se o tomate era orgânico e nem se a gordura era hidrogenada.

Bons tempos.

Já adultas, perdemos o contato. Mas a vida, sempre imbuída de sua falta de sentido, tratou de nos reaproximar de repente, numa viagem de reveillon, onde falamos de novas questões e de velhos medos como se não tivesse se passado nem uma semana. Àquela altura, ainda se beijava apenas um homem por noite, máquinas de escrever eram as melhores amigas dos poetas e a rúcula, tão amarga quanto linda, era uma verdura que simplesmente não existia. Um momento do mundo em que ninguém estava nem aí se o amor era líquido, sólido ou gasoso.

Bons tempos.

Depois disso, fiquei perdida e acho que ela também. Essa coisa de ter de ser bem sucedida, gostosa e simpática foi hardcore demais pro nosso rockezinho progressivo. Viramos meio hippies, usávamos saiões e acendíamos incensos em qualquer lugar, sem nenhum medo do perigo de sermos nós mesmas, ainda que isso significasse o caos completo. Nesse momento, ficou claro que regime era vida light, namorar no carro, perigoso e mudar de profissão após cada viagem a Ibitipoca, um puta charme. Uma era de extremos em que ninguém queria ir até o final do arco-íris atrás de pote de ouro algum.

Bons tempos.

Mais recentemente, munidas de celulares, passamos a preencher de interseções nossos círculos de amizade. Isso foi mais ou menos quando ficou antiquado beijar um homem só por festa, colocar filmes pra revelar e esperar telefonemas. Exatamente nesse ponto notamos que, apesar de muito vigorosas e gostosas, já não éramos mais tão meninas assim. Mesmo sem perceber, tínhamos completado quinze anos de amizade.

Bons tempos.

Agora ela está nos States. Lá ela é a brasileira gostosa, a exótica, a tesuda, mas sente falta daqui, do cheiro das risadas que só nós sabemos dar e do descompromisso das cervejas geladas nos bailes charmes da vida, onde dominamos a pista só no passinho. Não ter amigos por perto é duro, mas ela sabe que o privilégio dessa saudade é uma de nossas maiores conquistas. Além do mais, o que Deus uniu, o skype não há de separar.

Pra amigas feito a gente, nem os tempos ruins deixam de ser bons.

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