quarta-feira, 12 de junho de 2013

Fosfosol (pro aniversário de 6 anos do Clube da Leitura)


 

Meus sonhos costumam ser meio Salvador Dali: as pessoas têm gavetas, os relógios escorrem pelas paredes e eu nado no ar. Comento com meu terapeuta e ele diz que é muito bom sonhar que se está em movimento, que isso indica mobilidade na vida. Eu aceito, né? Tô pagando. Afinal, quem mais ia aguentar ouvir sobre meus sonhos, sejam os que tenho dormindo, sejam os que tenho acordada? Pelo menos pra isso essa droga de capitalismo serve, pra gente pagar pela atenção alheia. Aliás, se eu pudesse, alugava alguém pra ir comigo a casamentos e chás de bebês, só pra não ter que ficar explicando o porquê de eu não ser casada. Cansei de inventar passados que não me pertencem, de contar que meu primeiro marido era um magnata; o segundo, um travesti que saiu do armário na lua de mel, e, o terceiro, um homem tão perfeito que parecia um holograma. Porque, venhamos e convenhamos, a pessoa pode passar uma vida inteira apostando na loteria do amor e nunca ter seu número sorteado, não é mesmo? No último casamento que fui, por estar desacompanhada, acabei inventando que tinha problema nas trompas de falópio, porque, hoje em dia, mesmo sem marido, as pessoas insistem em achar que você tem que ser mãe, que é só arrumar um doador e coisa e tal. Daí, depois que esse assunto começa, a coisa vai ganhando proporções assustadoras, que vão desde a ideia de que negar a maternidade é contra a natureza da mulher até a cotação das fraldas Pampers. Confesso que depois de tanta baboseira fico com uma vontade danada de pedir pra esse povo se meter com a própria vida e me deixar em paz, já que sou do tempo em que filho era coisa pra quem tinha um homem com quem dividir a responsabilidade. Mas, por ultimamente andar tão calma e lânguida, só queria mesmo era alugar uma companhia pra essas ocasiões. Uma amiga do pilates inclusive me indicou uma agência, mas sempre fico achando que vai vir alguém falando ou um “pra mim fazer” ou um “eu posso estar tentando estar chamando um táxi pra gente” e isso acaba com o estoque de colágeno que ainda me resta. Pensando bem, isso não era exatamente o que eu tinha a intenção de te contar. Liga não, sempre quando estou a três dias da menstruação, dou pra ficar assim, mais digressiva que professores de Filosofia depois da terceira taça de vinho. Alcoolismos à parte, quero que você saiba que esse bom humor de agora é inventado, assim como meus três maridos, minha trompa de falópio problemática e minha vontade de sair montada num cavalo branco pelas noites suburbanas, toda nua, feito Kátia Flávia, a Godiva do Irajá. A única coisa em mim que não é inventada é essa vontade de te pegar de jeito até te deixar ralado, sem ar e sem condição de possuir mais mulher alguma. Uma vez eu li numa revista que vontade é uma coisa que é só dar que passa e, sinceramente, depois disso, nem Shakespeare conseguiu fazer tanto sentido na minha cabeça. Quero, por favor, que você perdoe essa sinceridade de botequim, mas ela estava guardada desde que te vi andando na minha direção, com esse seu jeito de pedreiro e essa sua alma de poeta. Tenho a impressão de que nós dois conseguiríamos inventar muita coisa juntos e, mesmo que nossos devaneios nos levassem a esquecer as coisas mais importantes da vida, ainda assim as reconheceríamos, como a bola reconhece o craque. Ou o plágio reconhece o original. E antes que virássemos apenas uma cópia do que um dia fomos (ou pensamos que fomos), eu faria uma peixada pra gente.  Mandaria trazer uma boa posta de pirarucu, o bacalhau da Amazônia, e sorriria até não ter mais cisos. Mas toda essa minha história não passaria de um sonho, de um lindo devaneio, de uma coisa pra pendurar na parede da memória. Que, afinal de contas, na peixaria como na vida, quem nasceu pra pirar o cu nunca vai ser namorado. 

 


 

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