sábado, 27 de fevereiro de 2010

Fragrâncias


Mil novecentos e setenta e cinco: carro na estrada, quatro crianças, um pai, uma mãe e o espírito de aventura na bagagem. Destino: Natal, Rio Grande do Norte, rumo à família imensa, avós, tios, tias e primos. Não me lembro de quase nada, só do cheiro do feijão verde.

Mil novecentos e setenta e oito: quarenta e oito horas de ônibus com quitudes. Destino: granja da velha Chica, cheia de pintinhos, porquinhos e poltrona cativa no pé de siriguela. Me lembro do vô fazendo marcenarias e do cheiro de cuzcuz amarelo da vó.

Mil novecentos e oitenta e um: contagem regressiva pra fazer as malas. Acordar cedo, esconder lençol mijado na gaveta da cama tendo a certeza de que isso seria suficiente pra enganar a tia e andar de jipe. Descer duna escorregando, comer bolo escondido, andar de bicicleta e ir pro maior cajueiro do mundo. Me lembro mesmo é do gosto azedinho da pitomba.

Mil novecentos e oitenta e seis: acompanhada de irmã mais velha, primeira viagem de avião com direito a goles de campari. Baladinhas com prima saidinha que um ano depois já tava grávida, salada de fruta com leite condensado na praia e roupas justas. Caetano cantava linda como neném, que sexo tem, que sexo tem, namora sempre com gay, faz avião só se dá bem. Me lembro de tudo, até dos primeiros olhares de cobiça masculinos.

Engraçado como as férias marcam nossa alma com fragrâncias.

Hoje, depois de saber que Tia Zizêlda descansou, senti um pedaço de mim indo embora.

Resta saber se a pitomba vai continuar tendo o mesmo gosto.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Parabéns pra Mañhana!

Não é que a moça não tenha saudade

Nem que de pedra seja seu coração

Mas com a vida aprendeu a jogar fora o belo

Pra colher só o necessário


Ainda bem que sem flor de laranja ela não vive...

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Parabéns pra Marina!

Mar em forma de gente

Sobrancelha de pensamento

Olhar de vulcão

Coração de bromélia


Ainda bem que meu jardim é grande...

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Parentescos

Não adianta chorar pela palavra derramada

Ela é filha do tempo

Neta da coragem

Prima-irmã dos desentendimentos

E há muito compartilha com a verdade a certeza de não pertencer a ninguém

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Dez coisas que meninas prevenidas precisam saber antes de se perder por aí (pro Clube da Leitura)

1) As desesperadas estão mais predispostas a cair na lábia de um traste.

2) O canalha pode até ser fiel, mas raramente será verdadeiro.

3) Tentar entender o porquê de ter se apaixonado por um Don Juan pode levar uma mulher à loucura.

4) Não adianta culpar o pênis: não foi ele quem inventou as desculpas mal-lavadas.

5) O cheiro de uma fêmea bem-comida está para o canalha assim como a banana está para o macaco.

6) Confiar muito no sorriso de um lobo pode te levar a desconfiar do choro de um cordeiro.

7) Não existe um gen específico que determine a canalhice.

8) O tratamento para essa moléstia, que acomete 90% dos homens, é à base de chá de buceta, mas ainda não foram relatados casos de cura total.

9) É mais provável encontrar um canalha dentro de um bom moço do que o contrário.

10) Cuidado quando uma amiga quiser te proteger dizendo que determinado homem não presta. Ela pode estar querendo que ele não preste na cama dela.

PS: Quando a cabeça de baixo não pensa, não é só o corpo que padece.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Alegorias

Especializada em castelos de areia

Pós-graduada em dar importância ao que não vale tanto a pena

Precisa aprender

Que destaque é coisa pra carro alegórico

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Ave, César! (pro Clube da Leitura)

Tem tempo que Suellen desistiu desse negócio de príncipe encantado. Chega de meninos bonzinhos que abrem a porta do carro, pagam a conta e acendem cigarros. A boa agora eram os rústicos, incapazes de amenidades lânguidas, mas profundos conhecedores da arte de imobilizar uma dama contra a parede. Semana passada, num evento que produziu, um moço adentrou sua vista com um ramo de flores. Para não parecer muito tosca, deu-lhe um abraço de final de expediente e mencionou serem as azaléias suas preferidas desde a infância.

Tamanha empáfia não era à toa. Certa vez, há muitos anos, fora casada com um homem doce como o mel, de olhos negros como a asa da graúna. Não havia um pedido dela que ele não atendesse com um sorriso de propaganda de pasta de dente. Um belo dia, no entanto, a obedecer um dos caprichos da amada, foi parar numa casa de suíngue e, numa massagem subaquática, acabou descobrindo uma homossexualidade que sequer fazia ideia da existência. Depois disso, ajoelhou-se no milho e jurou jamais ficar de costas pra outro homem na vida. Mas a semente da desconfiança já tinha sido plantada e Suellen acabou descobrindo que, matematicamente falando, era melhor ter dois canalhas na mão do que um galanteador com validade vencida.

A partir daí, a culpa judaico-cristã perdeu totalmente o sentido e a moça passou a atravessar a cidade rumo às feijoadas com roda de samba dos subúrbios cariocas, onde a miscigenação era livre e a cerveja, barata. Com o tempo, no entanto, seu estômago foi ficando sensível a tanta orelha de porco e Suellen acabou voltando a frequentar os sambas de branco da galera da faculdade, onde a cerveja, apesar de quente, pelo menos era mais cara. Porque uma mulher como ela, bem empregada, bem vestida e arrojada, precisava gastar dinheiro com alguma coisa diferente de vibradores tailandeses à prova d’água.

Ironia do destino, justo quando foi comprar uma calcinha comestível pra usar com seu personal fucker da vez, conheceu César, jovem empresário de boa lábia, que em um dia ganhava o que ela levava um mês pra conseguir. Como já estava cansada da Disneylândia existencial na qual tinha se transformado sua vida, resolveu fazer aquilo que só mulheres muito confiantes conseguem: cozinhar o bofe em banho-maria sem parecer romântica demais. O resultado foram exatos três meses de brincadeira na entrada da área sem direito nem a gol de mão. A fissura do moço estava tão grande que se duvidasse ele até casava com ela, só pra poder cobrar um pênalti sem goleiro.

Mas não foi preciso tanto. Numa tarde chuvosa, depois de assistir Casablanca duas vezes seguidas, a moça resolveu parar de regular a mixaria e ligou pra combinar um cineminha. Já na sala escura mostrou que estava pra jogo e a noite terminou com champagne, morangos, lençóis de seda e bola na rede.

No dia seguinte, o artilheiro era só sorrisos, tanto que preparou ovos mexidos e café passado na hora. Com medo de se meter de novo com um príncipe de araque, Suellen foi logo vetando qualquer espécie de programa que envolvesse casas de massagem ou viagens em grupo.

Se a história vai dar em casamento, ainda não se sabe.

Mas pelo menos serviu pra que Suellen desse a César o que era de César.