segunda-feira, 24 de novembro de 2008

As testemunhas

Perguntada em uma coletiva do porquê fazer cinema, Cecília, curta-metragista de longa data, sem o menor constrangimento, disse:

-É pra conhecer meninos de outras partes do país quando viajo pelos festivais com meus filmes.

Diante do silêncio acachapante, resolveu complementar:

-Mas também estou aberta a meninos que moram no meu próprio Estado, naturalmente.

Como ninguém dizia nada e só o que se via eram olhares lânguidos, resolveu adotar uma postura mais globalizada:

-Meninos do mundo inteiro, ok? Não tenho preconceito de raça, cor ou credo. Quem me conhece, sabe do que falo.

Mesmo quem não a conhecia, sabia que dizia a verdade. Festival de cinema é legal pra rever velhos amigos, passear, fazer novos amigos e, por que não dizer, realizar intercâmbios sexuais. No meio disso tudo, é claro, existem as sessões, as oficinas, os debates. Importantíssimos, diga-se de passagem. Mas tudo, tudo que é feito, tem como objetivo final o bar, a biritolândia, as discussões inflamadas, as opiniões divergentes, o brinde ao cinema nacional, ao cinema estrangeiro, à vida, à cachaça, num caminho sem volta rumo às festinhas privês nos quartos dos hotéis e aos banhos de piscina com ou sem roupa, à escolha do cliente. Resumindo: quem nunca se deu bem num festival, ou não tentou, ou simplesmente não estava interessado.

Só que Cecília não precisava explanar todos os curta-metragistas. Inclusive porque muita gente vai pra essas viagens acompanhado, numas de curtir uma luazinha-de-mel fora de época, tipo micareta intra-aeróbica, pra dar aquela chacoalhada na relação.

O fato foi que a moça falou demais. Podia ter dito somente que o importante era o intercâmbio e pronto, já estaria subentendido ao que se referia. Mas agora, com o milk-shake derramado no meio da sala de imprensa, só restava uma coisa a fazer: apelar pro exotismo comportamental corriqueiramente atribuído a artistas como ela.

-Gente, vocês acham mesmo que estou falando sério? Eu sou uma mulher comprometida. Além de namorado, tenho quatro cunhadas, sabem lá o que é isso?

O pessoal sabia. Aliás, jornalista, de uma maneira geral, contrai matrimônio e constrói, desde muito cedo (na maior parte das vezes ainda dentro da escola de Comunicação), a idéia de que o pessoal de cinema é tudo louco depravado sempre pronto pruma suruba. Assim, quando uma cineasta fala de laços afetivos estáveis, mesmo após declarações iniciais duvidosas, a comoção é grande.

Sentindo que sua tacada tinha sido certeira, aproveitou pra arrematar com chave de ouro:

-Aliás, a gente vai demorar muito? Preciso saber se meu gatinho vai poder me buscar no aeroporto amanhã, combinei de ligar pra ele daqui a pouco. Mas antes vamos concluir a pergunta, que é melhor pra todo mundo. Vocês querem saber por que faço cinema, não é isso? Olha, a princípio pra expressar minha visão de mundo e, depois, pra discuti-la em fóruns privilegiados, como nos debates desse festival ou mesmo em coletivas edificantes como essa.

Pronto. Ficou o dito pelo não-dito.

Até mesmo porque estava quente, tinha festa na beira da piscina e a noite prometia emoções subaquáticas das boas.

E é sabido que, em meio líquido, as únicas testemunhas sólidas são as osculares.





9 comentários:

C.C. disse...

oops...

Anônimo disse...

maravilhoso, poli!

muito bom MESMO!

Anônimo disse...

é isso aí! abaixo a hipocrisia! hehehe...

Paulo Bono disse...

viva a putaria.

Rackel disse...

É incrivel como as pessoas acreditam no que querem...

Cloves Jorge disse...

As comidas típicas também são ótimas! rs

http://quemmatoubarackobama.blogspot.com/

Anônimo disse...

Muito bom aqui..rs..gostei!

Eu sou uma outra disse...

muito bom. :)

gigi disse...

viva paulo césar peréio e o cinema nacional!