segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Pequenina da pernoca grossa

Ontem vi essa foto no orkut de uma amiga e pirei: eu sou a branquela do meio, a magrela da pernoca grossa e, junto com as outras meninas de maiô vermelho, integrava a equipe feminina de natação do América Futebol Clube. Apesar de parecer fragilzinha, eu nadava borboleta, treinava todo santo dia, competia nos finais de semana e não tinha nada que se assemelhasse a uma vida social. O que era até bom, já que, sem peito nem bunda nem pentelho, não era mesmo convidada pra quase nenhuma farra da galera da escola. E, quando por alguma eventualidade, acabava indo parar numa festinha, me sentia sempre inadequada, mal-vestida ou as duas coisas. Diversão pra mim era estudar e escrever no diário. Mas o que mantinha mesmo minha sanidade era treinar. Se o dia tinha sido duro na escola, caía na piscina e nadava ainda melhor. Assim, nunca se abateu sobre mim a sensação de completa infelicidade. O bom da natação era que dava pra chorar durante o treino todinho sem que ninguém reparasse. Nem Silvio, meu técnico e fã declarado, conseguia sacar. E olha que ele foi o primeiro homem a me observar ostensivamente. Apesar das piadas sem graça que costumava contar pra nos distrair, sabia ser duro e impor respeito sem precisar levantar a voz nem fazer grosseria. Pelo contrário, quando tava puto, falava até mais baixo. Hoje vejo o quanto ele foi o grande responsável pelo fato deu nunca ter sentido pena de mim mesma. Não por me favorecer em detrimento das outras atletas (coisa que ele não queria e nem podia fazer), mas por levar fé em mim e na minha coragem de ter medo. Num determinado dia, porém, eu, muito de saco cheio dessa vida de treinamentos, resolvi que era a hora de desertar:

-Não dá mais, cansei de contar ladrilho. Quero ter tempo pra ler um livro, pra ir ao cinema, pra não fazer nada.

Deu pra ver o castanho da decepção naqueles olhos. Pela primeira vez percebi o quanto eu era uma promessa que se partia em pedaços. Parecia o fim de um namoro. E, guardadas as devidas proporções, era mesmo. Incrédulo, ele ainda tentou me dissuadir:

-Nós plantamos tanta coisa e justamente agora, na hora de colher o fruto do trabalho, você cai fora. Tem noção de que ano que vem é quando você tem chance de bater os índices mais importantes?

Fui, sem dúvida, uma decepção na vida dele, mas não tinha realmente mais saco. Queria desbravar outros mares, já que tinha perdido o medo de me afogar.

Anos depois, nos encontramos no parque aquático Júlio De Lamare, quando eu já era estudante de Educação Física da UERJ. Lembro que minha espinha gelou de medo dele me achar fora de forma e decadente. Devo ter feito uma cara de tanto pavor que ele, elegantemente, me tranqüilizou:

-Que nada, você ficou uma moça tão bonita! Eu sempre soube que isso ia acontecer, mesmo quando você ainda era aquela magrelinha descabelada.

Sílvio sempre teve essa capacidade de me botar pra cima, de me fazer sentir importante. Uma vez, num dos treinos que tínhamos às 7 da matina de domingo, ele disse que não esperava que nós seguíssemos com o esporte na vida adulta, porque era realmente complicado conciliar os treinos com trabalho e estudos. Mas esperava, sim, que aquela experiência de disciplina e de esforço nos marcasse por toda a vida, nos nossos objetivos futuros. Estava mais preocupado em formar pessoas do que atletas. Acho que no fundo foi pelo Sílvio que fui estudar Educação Física, por saber que foi o esporte que me tirou das trevas da exclusão e me catapultou pruma vida inteira de busca pela superação. Hoje acho que não cruzo nem 25 metros de borboleta, mas sei que, ainda assim, posso ir onde eu quiser. E essa certeza quem ajudou a plantar em mim foi ele.

Olhando a foto de novo, vejo que eu nem era tão feia assim como me achava. Na real, era até engraçadinha. Pensando bem, bobos dos meninos que não me davam bola na escola e das meninas que não me convidavam pras festinhas. Perderam, porque nessa época eu já era eu. Tanto que já morava em mim a esperança de ser feliz, de ser amada, de botar o bloco na rua e de ligar o foda-se. Ali, naquela magrela sem pentelho, já habitava a artista em que me transformei. Nem eu mesma consigo acreditar que dentro daquele maiô largo já pulsava um imenso amor pelas palavras e uma vontade delirante de contar histórias.

Silvio nem sabe que não trabalho com educação física desde que me formei, que virei cineasta, que tenho hérnia de disco, que faço pilates, que amo caminhar, que nado na praia sempre que posso e que tenho pavor de cheiro de cloro. Vai ver nem se lembra mais de mim. Mas eu nunca vou me esquecer dele e de seu bigodinho à la Rodolfo Valentino. Hoje sei que mora na Alemanha, é casado e tem pelo menos um filho.

Aposto que aprendeu a fazer piadas sem graça também em alemão, que volta e meia tira uma magrela das trevas da exclusão, que come strudell todo dia e que nem faz idéia da saudade que sinto dele.



13 comentários:

gigi disse...

uma mini claudia raia!
linda.

Juju disse...

que fófis...
essa magrelinha linda!
essa galerinha que não te convidavam para as festinhas mal sabem que hoje nem o odeon, nem o hotel paris, nem a mansão do arquiteto, e nem em qq local de baladas no rio de janeiro sobrevivem sem a sua presença!!!!!
abala, babie...

Paulo Bono disse...

que post do caralho.
que auto-estima. merece.
realmente você bota pra fuder.

grande abraço

Anônimo disse...

Oinch, que coisa mais, mais, natalina! :)
Bezzos, querida, tudo de bom em 2009!

ps: a palavra que aparece pra eu digitar agora é flutfam. Quis registrar. Engraçadinha né? Podia servir pra nomear alguma coisa...

Pené Deluxe disse...

arrebentou no sentimental vacuda!
somos frente e verso, carnudas.

adorei sua narrativa nóstalgica.
um brinde a poliana paiva com e sem pentelhithos.

2009 é nosso gata, vem e arrasa!
te love.

Anônimo disse...

ai q lindo, amore. chorei. final de ano é foda.
e vc era a maior gatinha, fala sério.
amo!

Marcela Bertoletti disse...

Que foto linda!
Que texto foda! Também sinto saudade de algumas pessoas que foram fundamentais na minha vida e se perderam de mim por ai... Coisas que acontecem!
Vc já era linda sim, fofa!
Beijocas

Anônimo disse...

que texto foda. desses de meter o pé na bunda daquelas patricinhas do colégio, que hoje já se divorciaram três vezes, nunca foram chupadas direito na vida e ficam chorando no banheiro e borrando a maquiagem com medo de nunca viverem de verdade nada nessa vida.

que é diva, é diva. desde magricela.

C.C. disse...

amei, mulha!
quase chorei com o textículo...
sou sua fã de carteirinha...
beijocas pra ti
e
pro sílvio

Rackel disse...

Nossa, vc fez facul de ed física?! Q máx!!!

bjs e feliz 2009

Felipe disse...

É seeeempre assim... Quando somos "feios" na infância, nos destacamos nas piscinas ou quadras! Eu fiz muita namoradinha dos queridinhos do colégio se calarem na torcida dos campeonatos internos de futebol! Era legal... Tempos bons, que não voltam!

Aurora disse...

todas as mulheres incríveis que eu conheço tem em comum um passado de exclusão na escola, da sensação corrosiva de não pertencer ao grupo, de ser uma "estrangeira" numa terra de louras patricinhas e burrinhas... ainda bem que um dia acaba caindo a ficha do quanto é bom ser uma mulher inteligente, bem-resolvida, decidida e linda até de cabelo moicano!!!
...adorei o blog, Poli! beijo!

silviomerg disse...

e vc me encontrou,nem parece verdade mas,estamos ai em carne e osso,adorei as suas palavras voce soube coloca-las de uma forma perfeita,maravilha!!!!!!!
e tem mais:vc nunca foi essa branquela que vc imaginava vc era a luz pra muitos!!!!!!!!

beijao grande