quarta-feira, 21 de abril de 2010

Para perder um grande amor (pro Clube da Leitura)



foto: Elaine Olinda


Matar um grande amor é mais simples do que parece. Você mesma, sozinha em casa, tem condições de efetuar essa manobra. Os ingredientes são fáceis de encontrar e, de modo geral, costumam fazer parte da receita: dois dedos de discussão de relação, alguns meses de sexo burocrático, agendas fuxicadas e uma pitada de falsas esperanças. Depois, é só colocar tudo junto em banho-maria, esperar o cozimento e, rapidamente, o grande amor passa de cru a cozido, de vivo a morto.

O problema é que, mesmo depois de enterrado, ele não é esquecido assim tão facilmente. Primeiro, porque nossa alma vira porta-retrato da ternura perdida e passamos a ostentar a melancolia como um colar de pérolas falsas. Segundo, porque nos sentimos sem-teto mesmo dentro de casa e, terceiro, porque passamos a cuspir no prato que comemos, num cinismo vingativo que só serve mesmo pra provar que nosso assassinato foi em legítima defesa.

Há quem diga que o grande amor só acaba mesmo quando paramos de ter saudade dos planos feitos a dois. Dói saber que será com outra que ele terá filhos, casa de campo, netos, discos e histórias. Que as dedicatórias dos livros, de agora em diante, serão apenas palavras esvaziadas de sentido. Ou que o violão empoeirado no fundo da sala não mais empunhará acordes mal-tocados, que antes soavam como sinfonia aos seus ouvidos.

O pior é que nesses casos, a impressão que se tem é a de que seria ótimo poder voltar atrás e fazer tudo diferente. Ser mais disponível, menos imprevisível. E, principalmente, não ter tanto medo de dar o coração de bandeja, mesmo sabendo que, virado pro lado errado, esse músculo involuntário se transforma num pote de mágoa.

Mas o fato é que, como crianças que aprendem que antes de P e B só se usa M, preferimos nos focar no trabalho e na busca por um homem que caiba na fantasia de Cinderela pós-moderna que insistimos em vestir.

E, assim, na vã tentativa de provar a todo mundo que é melhor estar só do que mal acompanhada, pintamos os cabelos, mudamos o estilo de vida e nos enchemos de cremes anti-idade.

Como se isso mudasse o que vemos no espelho.

Ou o desejo de nos sentirmos novamente em casa.

6 comentários:

Marcelle Morgan disse...

Lindo! Como dizia Roberto Freire o amor só é possível no ridículo, na alma exposta, no jogo e no coração entregue.

Bruna disse...

No final das contas, não é tão simples assim.

Ideias em Gotas disse...

Mto bom, Poli. Já perdi meu sapatinho e estou cheia de creminhos... Amar é mto bom, dá trabalho, mas recompensa.

Careca disse...

Belo texto, é sempre bom passar por aqui. Abç,

Dani Graciosa disse...

Vou tirar a carapuça do armário e vestir... rápido, antes que alguém perceba!

Juju disse...

Chorei =´(