quarta-feira, 5 de maio de 2010

O claro e o escuro (pro Clube da Leitura)


*imagem: Tara Mc Pherson


Francisca sempre foi sinônimo de sucesso: passou em primeiro lugar na faculdade de Biologia e se formou com louvor. Ainda estudante, fez arrojadas descobertas a respeito da relação entre o uso de sundown 60 e a coloração das células epiteliais em pessoas de pele sardenta e, aos poucos, foi pendendo para o lado da pesquisa em estética. Logo após a formatura, começou a trabalhar num hospital especializado em queimados, onde, naturalmente, era cúmplice de cenas tristíssimas. Por conta disso e de sua natureza muito sensível, acordava aos prantos quase toda manhã. Preocupados com seu estado emocional, seus colegas a encaminharam prum psiquiatra que detectou uma depressão funcional em decorrência do estresse. Como estava com férias acumuladas, uniu o útil ao agradável e foi passar duas semanas em Honolulu munida de quatro caixas de Prozac. O que ninguém esperava era que, mesmo sob o efeito de medidas tão drásticas, a moça fosse continuar na mais profunda escuridão. A coisa estava de tal forma complicada que nem sair do quarto durante o dia lhe era agradável. Francisca via tudo em preto e branco e fora de foco e, pra se ter uma ideia, nem filmes com Jerry Lewis conseguiam mais lhe arrancar sequer meios sorrisos. A maior crueldade do mecanismo depressivo não está somente no torpor no qual a pessoa fica submersa e, sim, principalmente, na falta de perspectiva de sair do buraco. A sensação que se tem é a de que a alma ficará pra sempre na horizontal, e, que, olhar pra cima, no intuito de vislumbrar um futuro, é tarefa para além de hercúlea.

Numa determinada manhã, ainda de férias, com os cabelos imundos e os dentes visivelmente saudosos de fio dental, foi abordada por um habitante local portador de exuberância única que, provavelmente movido por algo semelhante à piedade, a convidou para um passeio. Como estava mais pra inerte, voltou rastejando pro seu quarto de hotel, onde apagou a luz e ligou a televisão num canal de venda de jóias. Qual não foi sua surpresa quando, no meio da tarde, o mancebo bate à sua porta munido de uma garrafa de champagne e da chave de sua lancha. Por pura incapacidade de reagir, Francisca aceitou a investida e, metida num biquíni lamentavelmente puído, partiu rumo à experimentação subaquática da culinária local. Não se sabe exatamente se foi o tempero do rapaz ou o efeito da bebida misturada ao Prozac, mas o fato é que, pela primeira vez depois de muito tempo, viu de novo as cores que temia tivessem desaparecido de sua vida pra sempre. Tem gente que chama isso de orgasmo, mas, pra efeitos práticos, o que importa é o milagre e não o nome do santo. No dia seguinte, acordou com beijinhos e afagos no pescoço, ao que, já com o sangue limpo, rejeitou, pedindo apenas, em inglês macarrônico, que o rapaz a levasse de volta ao hotel.

Já no Brasil, para garantir que aquele lampejo de cura se transformasse em algo sólido, começou, em segredo, a se consultar com uma astróloga especializada em vidas passadas e, curiosamente, descobriu que, em sua primeira encarnação, tinha sido uma grande dançarina da Polinésia francesa. Depois disso, entendeu que a escolha do destino de suas férias foi providencial e, dali em diante, mesmo ainda com dificuldades para tirar cor de suas entranhas cinzas, procuraria andar sempre munida de bons pincéis.

Pra garantir, não comentou nada com o povo do hospital.

Afinal, ninguém por lá daria ouvido a astrólogos.


6 comentários:

M. disse...

Pq ela não ficou em Honolulu pra sempre, gente?

guilherme preger disse...

não deixa de ser um conto de fadas...

Bruna disse...

Isso é tão "Brothers & Sisters"! Haha...

Rodrigo de Roure disse...

que bão isso! rs!

Juju disse...

Moral da história: nada melhor do que uma boa foda para tirar a mulher do buraco!

Juju disse...

Moral da Historia 2: se a foda for seguida de mimos, boa culinária, um otimo vinho em um local chiquerrimo, a mulher ressucita!