quarta-feira, 30 de março de 2011

Carrego comigo (pro Clube da Leitura)


imagem via alaaleali.tumblr.com


Essa coisa de escrever em prosa corrida e arfante tem uma hora que cansa, sabe? Ainda mais num dia como hoje, que chove lá fora e aqui dentro faz sol. Sabe fazer sol por dentro? Ter muita vontade de viver, muito lugar pra visitar, muita conversa pra jogar fora? Sim, porque não só as pessoas, as lembranças e os papéis que se enchem de poeira e precisam ser jogados fora. As conversas também. Vai dizer que você nunca ficou um tempão querendo trocar uma ideia com alguém e, por pura timidez, medo ou preguiça, ficou quieto, na sua, como quem tá distraído vendo uma manada de elefantes passar pela janela? Digo essas coisas só mesmo pra introduzir o que quero de fato colocar: nunca achei que um dia me tornaria escritora. Quer dizer, pra falar a verdade, eu sempre tive uma certa mania de tentar adivinhar os diálogos dos personagens das novelas, o que talvez já desse uma dica do que estava por vir. Também nunca fui uma menininha exatamente gata, o que facilitou a tal da introspecção que dizem ser necessária aos literatos. Porque, pruma gostosa-mirim, a vida é cheia de compromissos sociais e a hora do recreio é um eterno colecionar de olhares de cobiça. Comigo não tinha nada disso, comia meu hambúrguer e agradecia a Deus quando ninguém me pedia um pedaço. Além disso, nos finais de semana, como não era chamada pra festinha nenhuma, me distraia despejando no meu diário aquele monte de ideias que sobravam onde me faltava vida. Ah, lembrei outra coisa: eu brincava de sinônimo nas férias! Pensa aqui comigo, isso lá é normal? Cheia de hormônio na veia, no auge do peitinho duro, ao invés de pensar em me enturmar com os menininhos, ficava nesse onanismo estético de deixar qualquer mãe preocupada. Mas mamãe, sábia do jeito que sempre foi, dizia para mim que beleza era uma coisa que ia desabrochando na gente aos poucos, à medida em que fôssemos construindo nossa forma de ver o mundo e de interagir com ele. Não deu outra, lá pelos vinte e poucos anos, percebi que as palavras me faziam parecer mais gostosa do que eu realmente era e daí pra comer geral na faculdade foi um pulo. Normalmente precisava de duas metáforas e uma boa analogia para ter uma bela refeição. Nessa mesma época descobri que a vida, mesmo não vindo com manual de instruções, tinha uma parcela de previsibilidade para lá de grande. E antes que comecem a me julgar, aviso logo: não tô nem aí pro que você, que me lê agora, tá achando. Cansei desse negócio de tentar agradar leitor. Penso sempre com meus botões: Jesus Cristo, que foi um cara bacana à pampa, que só queria o bem da humanidade, acabou daquele jeito, igual bandido. Que dirá eu, mera mortal, movida a elogios banais. Mas, voltando à vaca fria, agora que minha vida é diferente e esse negócio de fazer metáforas por encomenda me serve para pagar aluguel, pão, manteiga e um pouco de cerveja importada, posso confessar: gosto mesmo é de falar na primeira pessoa do singular, pra deixar bem claro o que penso e não ficar me escondendo atrás de mecanismos psicológicos que, se não fazem mal, bem é que não hão de fazer. Há tempos concluí que a terceira pessoa do singular está para a vida assim como a quarta parede está para o Teatro. Achou erudito demais o que eu disse? Bate um google, filho, procura por Bertold Brecht e você vai entender tudo. Antes de ficar com preguiça, lembre que cada conhecimento a mais significa a possibilidade de comer pessoas. Agora preciso ir. Desculpe a pressa, mas estou de saída pro clube de leitura que frequento. Se você se comportar bem, quem sabe um dia te levo comigo?

7 comentários:

Paulo Bono disse...

Fudendo, laranja.
Um dos melhores.

Sabrina Bitencourt disse...

Demais! Adoro.

Anônimo disse...

Demais! Adoro.

Eduardo Ades disse...

Foda! Bom demais.

daniela palheiro disse...

Legal a pampa!!!

Lobo Mauro disse...

Me deixou um bagaço gostoso.

maria rachel oliveira disse...

Pois eu, ao contrário de você... fui melhorando nas metáforas e nos sinônimos e decaindo no resto... rs.... praticamente vegan.

O texto tá ótimo, as usual.

Beijo!