quarta-feira, 13 de abril de 2011

Número primo (pro Clube da Leitura)


imagem via alaleali.tumblr.com

Oi, boa noite, meu nome é Helena, sou personagem de telenovelas e gostaria de passar minhas impressões sobre como é viver do lado de cá da folha de papel, posto que hoje em dia o povo só quer saber quem foi o autor dessa ou daquela ideia e esquece completamente que o pilar de uma boa dramaturgia está nos personagens que lhe dão vida. Outro dia, inclusive, entre uma gravação e outra, conheci um personagem de comédias românticas, dessas onde o casal protagonista acaba sempre feliz no final, dizendo ‘eu te amo’ e ‘você é a luz da minha vida’. Pois bem, esse personagem me contou que, depois que começou a fazer esse tipo de trabalho, ficou tão esperto, mas tão esperto, que, volta e meia, sem perceber, se pegava citando Leminski, Dante e Lope de Vega e que isso, por mais que aumentasse sua credibilidade, em nada colaborava pra construção de relações saudáveis, fossem de amizade, sexo casual ou monogamia. A propósito, alguém sabe me dizer se a monogamia caiu com a reforma ortográfica? E os pingos nos ‘is’, também caíram? Estou tão confusa hoje que seria capaz de andar da minha casa até Salvador levando comigo só água e sonhos. Não os de padaria, mas aqueles dos quais a gente nunca desiste, independente do passar do tempo, da perda de colágeno e da incapacidade de rir de nossa própria ignorância. Mas, voltando, esse personagem, um tipão, diga-se de passagem, me pediu pra ajudá-lo na pesquisa de campo pro papel que ele havia sido escalado, de um jovem bem-nascido que gostava de se passar por pobre pra ganhar popularidade entre as dançarinas de maracatu. Na hora sugeri que fôssemos à Lapa, berço da burguesia folclórica, da cerveja barata e do alpinismo social. Depois de sermos abordados por uns quinze vendedores de bijuterias que prometiam dar um brinco de amostra grátis em troca de um minuto de atenção, começamos a conversar sobre como a mania de magreza já não era mais privilégio do pessoal da vida real e que os primeiros casos de anorexia nervosa em personagens vinham sendo abafados pela grande imprensa. Papo vai, papo vem, me senti à vontade de dizer que me achava gorda, ao que ele respondeu que não, que mulheres como eu, peitudas e graúdas, davam às vezes a impressão de serem gordas, mas que, sem roupa, mostravam ao que vinham e faziam um serviço infinitamente melhor do que as magrelas que tinha de traçar em nome da dramaturgia. Na hora fiquei sem ter o que dizer, pois, apesar de considerar a sinceridade uma coisa positiva, aprecio a sutileza, nem que seja em gotas. Mas, como sei que tudo acaba se resolvendo nos capítulos finais, achei por bem aceitar o elogio chucro como se poema lírico ele fosse, senão corria o risco de acabar sozinha que nem aquele pessoal das tragédias gregas. Deus me livre, faço qualquer coisa pra não descer ao inferno da solidão, primeiro que não tenho mais idade de fazer a egípcia e, segundo, porque já vivi o suficiente pra saber que, quando se olha em volta e só o que se avista são variáveis sem constantes, qualquer número primo tá valendo. Assim, fui lá somar com o personagem pra ver onde ia dar a equação. No final, depois de tanta matemática, entendi que de quatro ninguém é normal e isso já foi um aprendizado e tanto. Se duvidar, uso essa nova sacada pra passar pruma novela das oito. Potencial é que não me falta. Gilberto Braga que me aguarde.

Um comentário:

paoleb disse...

De quatro ninguém é normal vai de par com a máxima rodrigueana que afirma que se conhecêssemos as intimidades sexuais uns dos outros ninguém mais se olharia na rua.