quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Vida que segue (pro Clube da Leitura)


Quando depois de vinte anos duas amigas de colégio se reencontram, as agruras e delícias da adolescência vêm à tona como se apenas cinco minutos tivessem se passado. Tudo tem cheiro e sabor e quase nada escapa à memória:

-Lembra quando a gente foi pega fumando no banheiro do quinto andar?

-Claro, você que cismou que eu tinha que fumar!

-Ah, coitadinha, tão ingênua.

-Ingênua não, medrosa!

-Medrosa pra fumar, mas pra dar...

-Olha o respeito!

-Fala sério, mané respeito, você já dava até a retaguarda pra se manter virgem enquanto eu nem beijar na boca beijava.

-Sabia que minha filha usa um termo pra quem não beijou na boca ainda? É uma sigla...

–B.V.?

-Isso mesmo.

-Sua filha é B.V.?

-Diz ela que sim.

-Então trocaram ela na maternidade.

-Boba! Mas fala de tu.

-Ah, eu casei duas vezes, separei, fiz dois abortos e tô aí na pista.

-E como tá a pista?

-Lotada!

-Sabe que eu tenho saudade de sair pra paquerar?

-Normal, né, baby, a gente sempre quer o que não tem.

-Pois é...

-Quê carinha é essa?

-Ah, às vezes me questiono se fiz a escolha certa, sabe?

-Como assim?

-Tipo, meu homem é maravilhoso, companheiro, paizão, tudo certo.

-Então qual o problema?

-Ele tem distúrbio de ansiedade.

-Que porra é essa?

-Tipo ele tem umas palpitações, uma angústia no peito, às vezes tem até que tomar tarja preta, um saco.

-Mas isso interfere na performance?

-Que performance?

-Que performance, sua putinha?

-Hahahahahahaahahahahahahha!

-Interfere?

-Claro que não, sexo até melhora ele.

-Doencinha boa essa então.

-É, homem perfeito num tem, né?

-Até tem, mas tá tudo morto.

-Você continua uma figura, e aí, tá namorando?

-Tô saindo com um carinha aí.

-Legal ele?

-Legal, mas morre de medo de se envolver.

-E você não, né?

-É, eu também...

-Vou te falar uma coisa, do alto da minha baixa temporada: melhor tá solteira do que casada com homem broxa.

-Ou grosso.

-Ou indiferente.

-Ou galinha.

-Galinhas todos são...

-Até se apaixonarem...

-Menina, a gente tá disputando um campeonato de quem fala mais clichês?

-Hahahahahahahahaha!

-Mas num é? Num falamos nada de novo até agora.

-É.

-Mas, também, o que é novo nesse mundo?

-Meu vibrador, comprei semana passada, lindo, o tal do rabbit.

-É bom mesmo?

-Não dá vontade de sair de casa, filha, uma coisa.

-Isso deve ser bom pra gente frígida.

-Pois então, eu até os trinta nunca tinha gozado, depois que comecei a adquirir brinquedinhos, sou praticamente uma deusa do sexo.

-Hahahahahahha.

TOCA O TELEFONE

-Ih, é o maridão (ATENDE) Oi, mozão, sabe quem eu encontrei? A Bella, que estudou comigo, tamo aqui na maior fofoca. (PAUSA) O quê? (PAUSA) Fica calmo, mozão, você sabe que não é nada no coração. (PAUSA) Tá com o frontal aí? (PAUSA) Então, toma metade que tô indo te buscar, tá? Te amo.

-...

-Vou ter que ir amiga, maridão tá freak.

-Vai lá, então, melhoras pra ele.

Se despediram sem saber quando iriam se encontrar de novo.

Mas de uma coisa tinham certeza: felicidade dos outros é cristal.

Já a nossa, pedra bruta.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Para Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito e Alcides Caminha


Tire

O

Seu

Juízo

Do

Caminho

Que

Eu

Quero

Passar

Com

O

Meu

Humor

domingo, 9 de outubro de 2011

Domingueira pé no chão (ou disciplina é liberdade)


SEQUÊNCIA ÚNICA- QUALQUER LUGAR- EXT- DOMINGO

Rapaz e moça conversam.


-Você é ciumenta?

-Se eu sou ciumenta?

-É?

-Acho que sou normal.

-Defina normal.

-Posso ser sucinta?

-Deve.

-Acredito mais no respeito do que na posse.

-Legal.

-E você?

-Se sou ciumento?

-É.

-Acho que sou que nem você, adepto do respeito.

-Ponto pra nós.

-É.

-Até mesmo por que, quem se prende é a própria pessoa.

-Como assim?

-Por exemplo, se eu fosse sua gatinha, não ia adiantar eu tentar te prender a mim, só você teria essa capacidade.

-E esse desejo...

-Isso mesmo, quer chiclete?

-É de quê?

-É dado.

-Hahahahahahaha, você é divertida.

-Ser divertida é apagar determinados incêndios com conta-gotas.

-Nossa, isso foi uma metáfora?

-Sabe que até hoje não sei direito o que é metáfora?

-Jura?

-Se precisar eu juro, uai.

-Você é mineira?

-Nada, carioca.

-Num parece.

-Por quê?

-Sei lá, essa pele cheia de sardinhas, parece gente de fora.

-Minha mãe é galeguinha, mas minha vó era negona.

-Legal.

-Mas fala mais das metáforas.

-Você não aprendeu isso na escola?

-Essa aula devo ter matado.

-Metáfora é uma figura de linguagem que compara duas coisas, tipo: ‘você é uma gata’.

-Obrigada.

-Sério, se você é uma mulher, não pode ser uma gata, portanto, se eu te comparo a uma gata sem dizer que você é 'como uma gata' ou 'tal qual uma gata', isso é uma metáfora, entendeu?

-Nossa, morri agora.

-Para com isso...

-(Risos).

-'Morri' é exagero, vai...

-Não é exagero, é hipérbole.

-Olha só, que danadinha...

-Foi só à aula de metáfora que faltei.

-Maneiro.


Continuaram nessa por horas, apalpando suas almas em braile.

Aceitando o escuro.

Pra ver se dissolviam os temores que insistem em nascer do cansaço.

E da solidão.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Liquidação


Não me venha com pirraça

Nem com alma cheia de traça

Que sorriso, ném

Sempre foi de graça

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Flesh and blood


Não se assuste

Com o embuste

De que é feio

O que te sobra

Mais vale o recheio

O esteio

E a carne de manobra

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Pêndulos


Alvos em movimento

São difíceis

Até pro tempo