domingo, 3 de outubro de 2010

Vastas emoções, pleitos imperfeitos


Mesmo sendo a obrigatoriedade uma coisa que depõe contra a ideia de que o voto é uma atitude democrática, sempre (mas sempre) me emociono com esse negócio de eleição. Hoje vi um molequinho de uns dez anos acompanhando o pai, a irmã e a avó, super sabendo em quem cada um ia votar, participando da coisa toda e fazendo daquele direito/dever, que ainda não lhe pertence, uma expressão de sua cidadania em construção. Olhando pra ele, me lembrei de meu primeiro voto, em 89, pro Lula, naturalmente. Naquele dia teve uma greve de ônibus escrota que dificultou a locomoção de muita gente e que foi tida como um boicote ao sonho de colocar na presidência um cara sem dedo e de português, digamos, nada escorreito. Passaram-se os anos e, após vermos boa parte das empresas estatais serem vendidas a preço de banana para pagar uma dívida externa, que, ainda assim, só aumentou de volume, em 2002, hospedada na casa de minha irmã e curtindo uns ares cearenses, fui justificar meu voto acompanhada de meu sobrinho, então com quatro anos, que deu um escândalo sem precedentes pois queria votar. Aquilo foi esquisito à pampa, pois o moleque em questão sempre foi um cara tranquilão, genioso, mas tranquilão. Tensas, eu e minha irmã tivemos que agilizar a coisa toda e sair de fininho da zona eleitoral, mais zoneada ainda depois da passagem do pequeno furacão de nome Guilherme. Engraçado que quando conto isso pra ele (agora já um pré-adolescente), rola um constrangimento, que eu, como tia, aproveito em meu favor, como não poderia deixar de ser. Pois bem, dias depois, voltando pro Rio, vim sentada no avião ao lado de uma senhora que comparou a festa que se fazia pela eleição do Lula à que viu na França, quando Miterrand foi eleito. Lembro dela comentando que essa euforia ia se assentar e todos os problemas advindos das coligações feitas visando à eleição viriam à tona em alguns anos e muitas decepções iriam rolar. Perguntei se, mesmo sabendo disso, ela tinha votado no Lula, ao que ela me respondeu, com um meio-sorriso de quem entende as coisas por inteiro: “Política é xadrez e vida, estratégia e, portanto, como não se pode ganhar todas, que ganhemos a maioria”. Nos despedimos, mas nunca me esqueci dela e, muito por conta desse encontro a onze mil metros de altura, levei minha câmera Hi-8 pra Cinelândia pra registrar a algazarra diante do primeiro discurso de Lula como presidente, ao vivo, no telão. Nesse dia, encontrei com amigos de UERJ, dos tempos de militância estudantil, de bebedeiras juvenis e de trepadas nos Centros Acadêmicos. Nos abraçávamos e chorávamos como quem viveu por anos a fio um sonho junto, que, de tão junto, virou realidade. Passaram-se os anos e, em 2006, por indicação de um amigo, fui trabalhar de pesquisadora num programa da antiga TVE (hoje TV Brasil), chamado ‘Cultura Ponto a Ponto’, que documentou os principais Pontos de Cultura brasileiros, iniciativa de nosso Ministério da Cultura, que, mesmo com suas limitações orçamentárias e estruturais, fez com que muita pérola que estava sendo extinta por pura falta de multiplicadores fosse salva. Descobri coisas incríveis, ouvi histórias distantes de minha realidade burguesa e atentei pra necessidade da continuidade desse anteprojeto de visão democrática de sociedade. Por conta disso, repeti meu voto. Esse ano, mesmo diante da comoção que se fez em torno das eleições, votei, como de hábito, com o coração, sempre antenada à frase emblemática de minha colega de avião.


Afinal, se política é xadrez e vida, estratégia, movamos um peão de cada vez.

4 comentários:

Ana Rieper disse...

Ai Poli, pára de escrever tão bonito! Seus textos sempre me emocionam de alguma maneira forte, pro riso ou pra lágrima. ADORO!!!!!!!!!

rafael amorim disse...

oi poli! texto maravilhoso! parabéns por votar com o coração! bjos!!!

Elga Arantes disse...

Pois é. Sua fala foi coerente. O emblema citado foi inteligente. Seu voto foi corajoso.

Mesmo assim, não vou deixar de fazer do meu não voto um protesto.

Votar no 'menos pior' nunca me convenceu.

Parabéns pelo texto. Realmente, muito bom. Faz a gente refletir.

Talita Leoneli disse...

Arrasou(como sempre).
O.b.s.: adorei o lance de ganhar a maioria, já que não se pode ganhar todas. É isso ae...