
1) Quando cheguei já estava assim
2) A coleta da minha alma é seletiva
3) Eu nunca disse que daria certo
4) Minha espera está com pressa
5) Se precisar posso até jurar
Quem vai perguntar pra falta
Por que ela é a mais alta
Das presenças?
Ou pro hai cai
Por que ele é a calma
Da essência?
Quem não se importa
Em ver morta a paciência?
Em cantar em alto brado
Retumbantes conivências?
Um sujeito
Pra que faça tudo isso
Ou no fundo é muito arisco
Ou lhe falta experiência
desenho via danielamariamartins.blogspot.com
-Fecha os olhos e abre a mão.
-É surpresa?
-O que você acha?
-Acho que é surpresa.
(PAUSA PARA OLHARES LÂNGUIDOS).
-Sabia que eu acho isso muito legal?
-Isso o quê?
-Isso de você ser uma menina de opinião.
-Como assim menina de opinião?
-Ah...
-Ah o quê?
-Ah, todos os assuntos, qualquer assunto, outro dia você ficou conversando com meu pai sobre o Carpegiani.
-Craque.
-Tá vendo?
-Tá vendo o quê?
-Opinião pra tudo.
-Mas dizer que o Carpegiani era craque não tem nada de opinião, tá mais pra categoria dos fatos do que das opiniões, se me permite (aí sim) uma opinião.
-Hahahahahahaha.
-Quê foi, risadinha?
-Hahahahahahaha.
-Quê foi?
-Nada.
-...
(PAUSA PARA PEQUENO TOQUE DAS MÃOS).
-Será que agora você poderia fechar os olhos e abrir a mão?
-Ah, claro, a surpresa.
-Hahahahahahaha.
-Se é que se trata de alguma surpresa, pode ser só o seu certificado de reservista.
(PAUSA PARA RISADAS MÚLTIPLAS)
Óbvio que não era certificado nenhum.
Aliás, o que era ou deixava de ser não importava em absoluto, pelo menos não pra eles, que pareciam achar bacana esse espaço localizado entre fome e a vontade de comer.
Onde quem fala mais alto é a língua dos relevos.
Mas quem manda mesmo são as faíscas.
E, é claro, as curvas.
SEQ ÚNICA- LOFT DE PRODUÇÃO-INTERIOR-TARDE
Produtora chega, dá bom dia a todos e fala com assistente.
-E aí, querida, ligou pra assessoria da banda da semana que vem?
-Liguei.
-E eles?
-Disseram que vão lançar o release assim que a gente mandar a foto em 300 DPI.
-E já não mandamos?
-Estamos esperando o OK do Nelson, ele ficou de decidir qual era a melhor de três pré-selecionadas na última reunião.
-E cadê Nelson?
-Não atende o celular desde 9h.
-E cadê as fotos?
-Aqui na minha máquina, vem ver.
Produtora vê as fotos, aponta pra do meio da tela.
-Essa tá ótima, manda essa pra assessoria e deixa um recado no celular do Nelson dizendo que, na ausência de OK no prazo combinado, mandamos a foto que achamos melhor. Aproveita e manda a foto pro email dele também.
-Pode deixar.
-E João, deu notícia?
-Ainda não.
-Mas você ligou pra ele e ele não atendeu, foi isso?
-Não, eu tô esperando ele retornar...
-Assim, tranquila?
-...
-Aprende uma coisa, xuxu, produtor não fica tranquilo, produtor telefona.
-...
-Hoje mais tarde vai fazer alguma coisa?
-Como?
-Vamos todos a um karaokê, pra relaxar e preparar pro set de domingo, bora?
-Poxa, eu adoro karaokê.
-Sabe cantar ‘Evidências’?
-Hahahahahahaha. Lógico.
-Maravilha, então, liga pro João e me passa por email o que ele disse a respeito do orçamento. Se ele começar a dizer que tem três opções pra cada item, você diz pra ele escolher, que a gente vai na dele, senão ele fica quarenta minutos falando de valor de mercado e ninguém merece.
-Tá bem.
-Qualquer coisa, manda mensagem, tô entrando numa reunião mas te respondo anyway.
-Ok.
-Às nove devo tá de volta pra te pegar, o pessoal do figurino vai guardar uma mesa pra gente. Agora fui.
-Tchau.
Era a primeira vez que a chefe chamava a assistente pra sair.
Era também o primeiro trabalho da garota que costumava anotar na última folha do caderno todas as informações importantes que tinha medo de um dia vir a esquecer.
A daquele dia era ‘produtor não fica tranquilo, produtor telefona’.
Até que fazia sentido.
Respirou fundo e ligou pro João do orçamento.
Não sem antes colocar pra tocar seu hit predileto do Chitãozinho e Xororó, pra já ir fazendo um esquenta na alma.
-Seu coração já acumulou milhas suficientes?
-(Dilatando as pupilas) Como?
-Seu coração, baby, já acumulou milhagem pra viajar sem rumo comigo?
-...
-Porque um dia você vai querer uma companhia pra viajar sem rumo...
-Acha mesmo isso?
-Tenho tipo certeza.
-(Com um meio sorriso) E isso é tipo o que você mais gosta em mim, né?
-Gosto de gente que tem asas nos olhos.
-...
-...
-...
-Posso fazer uma proposta?
-Deve.
-Bora ocupar minha boca com coisa mais concreta que palavras?
-Ah, muleque...
MORAL DA HISTÓRIA:
Discutir uma relação que ainda não existe: 28 dores de cabeça.
Saber que tudo tem seu tempo: Não tem preço.
Para a maioria das coisas existe a ansiedade.
Pra todas as outras existe o atentar.
FIM (Será?)
Quando depois de vinte anos duas amigas de colégio se reencontram, as agruras e delícias da adolescência vêm à tona como se apenas cinco minutos tivessem se passado. Tudo tem cheiro e sabor e quase nada escapa à memória:
-Lembra quando a gente foi pega fumando no banheiro do quinto andar?
-Claro, você que cismou que eu tinha que fumar!
-Ah, coitadinha, tão ingênua.
-Ingênua não, medrosa!
-Medrosa pra fumar, mas pra dar...
-Olha o respeito!
-Fala sério, mané respeito, você já dava até a retaguarda pra se manter virgem enquanto eu nem beijar na boca beijava.
-Sabia que minha filha usa um termo pra quem não beijou na boca ainda? É uma sigla...
–B.V.?
-Isso mesmo.
-Sua filha é B.V.?
-Diz ela que sim.
-Então trocaram ela na maternidade.
-Boba! Mas fala de tu.
-Ah, eu casei duas vezes, separei, fiz dois abortos e tô aí na pista.
-E como tá a pista?
-Lotada!
-Sabe que eu tenho saudade de sair pra paquerar?
-Normal, né, baby, a gente sempre quer o que não tem.
-Pois é...
-Quê carinha é essa?
-Ah, às vezes me questiono se fiz a escolha certa, sabe?
-Como assim?
-Tipo, meu homem é maravilhoso, companheiro, paizão, tudo certo.
-Então qual o problema?
-Ele tem distúrbio de ansiedade.
-Que porra é essa?
-Tipo ele tem umas palpitações, uma angústia no peito, às vezes tem até que tomar tarja preta, um saco.
-Mas isso interfere na performance?
-Que performance?
-Que performance, sua putinha?
-Hahahahahahaahahahahahahha!
-Interfere?
-Claro que não, sexo até melhora ele.
-Doencinha boa essa então.
-É, homem perfeito num tem, né?
-Até tem, mas tá tudo morto.
-Você continua uma figura, e aí, tá namorando?
-Tô saindo com um carinha aí.
-Legal ele?
-Legal, mas morre de medo de se envolver.
-E você não, né?
-É, eu também...
-Vou te falar uma coisa, do alto da minha baixa temporada: melhor tá solteira do que casada com homem broxa.
-Ou grosso.
-Ou indiferente.
-Ou galinha.
-Galinhas todos são...
-Até se apaixonarem...
-Menina, a gente tá disputando um campeonato de quem fala mais clichês?
-Hahahahahahahahaha!
-Mas num é? Num falamos nada de novo até agora.
-É.
-Mas, também, o que é novo nesse mundo?
-Meu vibrador, comprei semana passada, lindo, o tal do rabbit.
-É bom mesmo?
-Não dá vontade de sair de casa, filha, uma coisa.
-Isso deve ser bom pra gente frígida.
-Pois então, eu até os trinta nunca tinha gozado, depois que comecei a adquirir brinquedinhos, sou praticamente uma deusa do sexo.
-Hahahahahahha.
TOCA O TELEFONE
-Ih, é o maridão (ATENDE) Oi, mozão, sabe quem eu encontrei? A Bella, que estudou comigo, tamo aqui na maior fofoca. (PAUSA) O quê? (PAUSA) Fica calmo, mozão, você sabe que não é nada no coração. (PAUSA) Tá com o frontal aí? (PAUSA) Então, toma metade que tô indo te buscar, tá? Te amo.
-...
-Vou ter que ir amiga, maridão tá freak.
-Vai lá, então, melhoras pra ele.
Se despediram sem saber quando iriam se encontrar de novo.
Mas de uma coisa tinham certeza: felicidade dos outros é cristal.
Já a nossa, pedra bruta.
SEQUÊNCIA ÚNICA- QUALQUER LUGAR- EXT- DOMINGO
Rapaz e moça conversam.
-Você é ciumenta?
-Se eu sou ciumenta?
-É?
-Acho que sou normal.
-Defina normal.
-Posso ser sucinta?
-Deve.
-Acredito mais no respeito do que na posse.
-Legal.
-E você?
-Se sou ciumento?
-É.
-Acho que sou que nem você, adepto do respeito.
-Ponto pra nós.
-É.
-Até mesmo por que, quem se prende é a própria pessoa.
-Como assim?
-Por exemplo, se eu fosse sua gatinha, não ia adiantar eu tentar te prender a mim, só você teria essa capacidade.
-E esse desejo...
-Isso mesmo, quer chiclete?
-É de quê?
-É dado.
-Hahahahahahaha, você é divertida.
-Ser divertida é apagar determinados incêndios com conta-gotas.
-Nossa, isso foi uma metáfora?
-Sabe que até hoje não sei direito o que é metáfora?
-Jura?
-Se precisar eu juro, uai.
-Você é mineira?
-Nada, carioca.
-Num parece.
-Por quê?
-Sei lá, essa pele cheia de sardinhas, parece gente de fora.
-Minha mãe é galeguinha, mas minha vó era negona.
-Legal.
-Mas fala mais das metáforas.
-Você não aprendeu isso na escola?
-Essa aula devo ter matado.
-Metáfora é uma figura de linguagem que compara duas coisas, tipo: ‘você é uma gata’.
-Obrigada.
-Sério, se você é uma mulher, não pode ser uma gata, portanto, se eu te comparo a uma gata sem dizer que você é 'como uma gata' ou 'tal qual uma gata', isso é uma metáfora, entendeu?
-Nossa, morri agora.
-Para com isso...
-(Risos).
-'Morri' é exagero, vai...
-Não é exagero, é hipérbole.
-Olha só, que danadinha...
-Foi só à aula de metáfora que faltei.
-Maneiro.
Continuaram nessa por horas, apalpando suas almas em braile.
Aceitando o escuro.
Pra ver se dissolviam os temores que insistem em nascer do cansaço.
E da solidão.
Uma amiga que sempre teve no mínimo dois amantes por vez me contou uma coisa interessante que eu gostaria de dividir com vocês. É uma coisa aparentemente boba e óbvia, mas vale o registro, que é o seguinte: ‘homem traído precisa de muito agrado matinal’. Confesso que sempre ouvi com reserva as colocações dessa minha amiga, afinal, falar assim do próprio homem, pai de seus filhos, era, no mínimo, cruel. Mas como ela é minha amiga e sabe que mais discreta do que eu só mesmo a Lady Di (que Deus a tenha na paz e na luz), fica me enchendo o ouvido com seus truques de infidelidade. Na verdade o que eu quero mesmo dizer é que o problema não foi ela ter contado essa história do agrado matinal, isso aí é pinto, quando ela bebe me conta cada detalhe que às vezes demoro meses pra esquecer.
Pois então, voltando, um dia (lembro bem, era um sábado e dava pra ouvir o barulhinho da feira lá no fundo), resolvi testar com Adalberto, meu esposo, o tal agrado. Pensei: Adalberto gosta de iogurte com mel no café, então, vou usar seus ingredientes prediletos pra coisa ficar mais apetitosa. O problema começou já na cozinha, meu filho mais velho, Adalbertinho, de seis anos, estava ligado no duzentos e vinte, comendo biscoito recheado e perguntando quanto tempo faltava pra gente ir no zoológico. Disse a ele que teríamos de esperar papai acordar para decidir e que a melhor coisa a fazer seria assistir a um dvd bacana pra passar o tempo. Como ele é um menino muito obediente (tem gente até que diz que ele parece um funcionário público, veja só), se encaminhou para a sala, não sem antes me fazer a pior pergunta que poderia ser feita num sábado de manhã:
-Mamãe, você vai tomar café na cama com papai? Posso também?
Pronto, tive que morrer num dinheiro e mandei o garoto pra lan house pra ver se ele esquecia essa coisa de café na cama. Despachado o moleque, entrei no quarto pé ante pé, descobri meu digníssimo, lancei o mel na minha boca (nessas horas agradeço a Deus não ser diabética) e dei um jeito de ocupá-la com classe, ritmo e estilo. Maridão abriu os olhos e ficou como? Alegria pura, ainda bem que o nosso mais novo tem sono pesado e nem percebeu as estocadas que dávamos com a cama na parede por pelo menos uma hora. Pensa bem: que mulher tem isso? Uma hora inteira de sexo com o homem que é seu marido há uma década inteira? Eu não conheço nenhuma, pelo menos lá na repartição ouço tanta reclamação que tem dias que vou até me benzer pra não deixar entrar olho gordo. Pois bem, acabada a aeróbica, tomamos um banhozinho na suíte, fomos almoçar com as crianças, depois pegamos um pedalinho na Lagoa. Me lembro de ter pensado que minha amiga realmente sabia das coisas e que nada podia ser mais normal do que agradar a quem se ama, ainda mais de manhã e coisa e tal. O devaneio era tamanho (cheguei a planejar uma viagem sem as crianças, pra que pudéssemos nos dedicar à arte do bem acordar) que nem entendi bem quando Adalberto me lançou a pior pergunta que poderia ser feita num sábado à tarde:
-Querida, você tem esse amante há quanto tempo?
-Amante que amante?
-Mulher sem culpa não acorda o marido do jeito que você me acordou hoje.
-Você não gostou, mozão?
-Gostar eu gostei, mas você vai ter de me dar o nome dele.
-Dele quem?
-Do seu amante.
-Mas eu não tenho nada disso.
-Vamos voltar pra casa.
Durante as semanas seguintes, Adalberto ficou tão ensimesmado que chegava a dormir de bermuda jeans. Sem saber muito o que fazer, procurei minha amiga, afinal, ela que tinha dado a dica, de repente sabia como me tirar dessa. Sabe o que a vaca me disse? Que nunca tinha sido fiel pra dar conselho a mulher honesta nenhuma, que eu enfiasse minha honestidade goela abaixo, que era bom ter acontecido isso comigo preu parar de achar que meu casamento é perfeito, com meus filhos perfeitos, meu apartamento perfeito e blá blá blá. Se eu tivesse conseguido contar quantas vezes ela usou a palavra perfeito, daria mais de trinta e cinco fácil. Ou seja, tava puxado pra ela a minha felicidade.
Mas fui Poliana e levei a coisa pelo lado bom, até mesmo por que, depois de ter cortado um dobrado pra convencer Adalberto que vi essa tática do melzinho no programa da Sue Johansen, ele se empolgou com a coisa e aqui em casa tá um verdadeiro apiário do amor.
Quanto à minha amiga, parece que está agora com três amantes e um casinho do sertanejo universitário, que não considera como amante e sim como aprendiz. Outro dia nos encontramos na ioga e ela me disse que tinha umas dicas quentes e que a coisa toda envolvia comida japonesa.
Fiz a aula de ioga com força.
O resto foi silêncio.
E gemidos.
E carne crua.
E hematomas.
Exatamente nessa ordem.