quarta-feira, 9 de setembro de 2009

As amigas de Ana (pro Clube da Leitura)

As amigas de Ana fazem dela várias. Tudo que Ana não viveu até hoje, seja por falta de oportunidade, de coragem ou de sorte, o fez por intermédio de suas amigas, que não são muitas, mas suficientes. Na escola só teve Lúcia, graúda abusada, tipo vulcão engarrafado. Juntas, trocavam confissões roubadas das irmãs mais velhas e, se duvidar, até hoje lembram do desamparo que era a hora da música lenta nas festinhas.

Na faculdade foi quando tudo começou de fato: a paixonite por um professor, as pegações nas chopadas, as histórias memoráveis, as amnésias inenarráveis, as coisas ditas em excesso e as mentiras mofadas, que, como grinaldas herdadas, ainda esperam por um pretérito perfeito.

Já mulher feita, Ana começou a frequentar casamentos demais e a ter de assistir suas melhores amigas partindo, seja para outros países, seja para o mundo dos maridos preocupados somente com o resultado do futebol, mesmo em se tratando de Quinze de Jaú contra Quinze de Piracicaba.

Quando entendeu o amor à distância, conseguiu perdoar as amigas que só se casaram por medo de camas vazias, e, naturalmente, parou de se constranger com as mães delas, sempre a bradar sobre o absurdo de uma moça tão bonita ainda estar solteira.

Como nem tudo é bege o tempo todo, Ana ama os poucos maridos que fazem felizes suas amigas e que gostam de recebê-la pruma cerveja aos domingos, para ficarem todos bêbados e atordoados com a bagunça das crianças, que insistem em crescer como samambaias choronas bem regadas.

Lá no fundo, mesmo sem admitir pra ninguém, Ana adoraria encontrar um homem assim: sensível, companheiro e imperfeito, que goste de Quinze de Jaú contra Quinze de Piracicaba, mas que não dispense poemas nem massagens nos pés.

Porque é disso que moças como Ana gostam: da imperfeição concreta e dos domingos bêbados.

9 comentários:

Fábio Ricardo disse...

Texto com sabor de sentimentos abafados, daqueles que a gente não quer que venham à tona, mas insistem em nos cutucar de tempos em tempos.

Juju disse...

chorei...

gigi disse...

ai... e de panelada de comida pra todos os amigos!

C.C. disse...

poli querida,
emocionei-me com o texto...
lindo, beibe

Lis disse...

pujança de sentimentos bem colocados, das palavras que transbordam mas não sobram, tava com saudades e não sabia...

Elga Arantes disse...

É exatamente assim! Sei bem... Sou Ana e as várias amigas, rs.

Marina disse...

e quem não é, ou já foi, um pouco Ana?
tem horas que ela vem com tudo.

Mariana Valle disse...

Lindo, Poli, muito lindo.

Mas, se a Ana estivesse casada, em algum momento também estaria desejando algo diferente para a vida dela. Estamos sempre querendo aquilo que não temos. Ficamos sempre procurando a felicidade além do horizonte. É fácil sonhar, idealizar. Difícil é não deixar que, uma vez realidade, o sonho se torne um pesadelo.

Ronaldo Brito Roque disse...

Muito legal.