quinta-feira, 1 de julho de 2010

Strange love


Não tinham feito dois meses desde sua última ida à ginecologista, mas, devido a um desconforto repentino na região onde mamãe no passado encheu de hipoglós, precisou de uma consulta emergencial. Lá chegando, e antes de deitar naquela cama onde o ar circula de forma inusitada, pensou se tinha se colocado em alguma situação de risco (dessas que a gente tem ciúme e se encharca de perfume) e acabou lembrando que, há mais ou menos um mês, enquanto aguardava candidamente seu ônibus depois de sair de uma festa, percebeu o aquecimento global materializar-se na forma de um moço portador de guitarra (ou violão, ou violino, ou algo com cordas). Como quem não sabe a diferença entre a fome e a vontade de comer, deu-lhe, por uma única vez, aquele olhar que se dá quando se pretende sacar um cheque ao portador sem carteira de identidade e entrou no coletivo. Rápido como quem rouba, o mancebo já tinha pago sua passagem, sentado a seu lado e se apresentado. Em algum momento do caminho, enquanto ajeitava propositalmente o tomara-que-caia, disse, maquiavelicamente, que Debussy estava para a música assim como jiló estava para a culinária. Depois disso, as linguagens deixaram de ser verbais e foi parar em lençóis que não pareciam ter saído da corda há menos de duas semanas. Percebendo que de nada adiantaria pedir uma nova roupa de cama e com a plena consciência de que também não dava mais pra dizer: “ai, baby, deu dor de cabeça”, fez o que se espera numa situação como aquela. De camisinha, naturalmente. E, mesmo em se tratando de um perfeito desconhecido, gostou da experiência, ao mesmo tempo perigosa e excitante, afinal, ele podia bem ser um psicopata que gosta de repartir moças em quinze partes e colocar, uma a uma, no porta-malas do carro. Mas não era. Depois de tudo, ainda ofereceu-lhe café com ovos mexidos e pão dormido, ao que ela aceitou de bom grado. Só não teve a ousadia de dar-lhe o telefone, pra não abusar da sorte, que anjos da guarda também precisam de um refresco.

Após contar o ocorrido à medica, sem poupar-lhe dos detalhes sórdidos, a mesma, enquanto a examinava sem qualquer demonstração de emoção ou julgamento, afirmou que aquilo não se tratava de doença sexualmente transmissível, até mesmo porque a camisinha a protegia dessas moléstias, mas que o tal lençol de higiene duvidosa podia de fato ter sido o causador de tamanha irritação. Por fim, receitou uma pomadinha e alertou que esse tipo de coisa costuma acontecer com igual frequência ao experimentamos, sem os devidos cuidados, roupas de brechó ou figurinos mal-lavados. Foi pra casa aliviada e se pegou refletindo sobre o fato de que irritações no ouvido, cavidade também úmida, nunca geram o mesmo mal-estar do que qualquer evento na perseguida, pois buceta, querendo ou não, vem cercada de uma moral e de uma culpa que fazem com que qualquer deslize nos faça sentir trabalhadoras da Vila Mimosa. Engraçado como o desconforto nos persegue até na hora de enfrentar o olhar de soslaio do atendente da farmácia ao comprarmos preservativos, como se ninguém fizesse sexo ou como se camisinhas brotassem da bolsa justo na hora que precisamos delas.

Sabia que, mesmo quando encontrasse o homem certo para dividir a alegria da vida e parasse, por fim, de se divertir com os errados, ainda assim teria que se cuidar, já que vivemos a triste realidade onde mulheres casadas representam o grupo que a cada dia avoluma as estatísticas de casos de HIV. Talvez por conta disso se lembre de rezar todas as noites pelas amigas que vivem relacionamentos estáveis e se expõem diariamente ao sexo inseguro.

Afinal de contas, confiança ainda não vende em farmácias.

3 comentários:

guilherme preger disse...

rsrsrs, achei q strangelove era de outra natureza... mas vem cá, não sou exatamente um ginecologista, mas a razão de tal desconhecida e recôndita irritação não tem a ver com o fato da moça estar esperando "candidamente" o ônibus?

Ana Claudia Calomeni disse...

guilherme, eu também pensei nisso. rsrsrs mas a parada tá com cara é de sarna mesmo. sarna na bacurinha rsrs Poliana, como sempre, texto muito legal. bjobjo Ana Claudia

Anônimo disse...

sou amante há alguns anos e do mesmo homem. Quando fico com outras pessoas, me protejo. Isso não é frequente, pois amo o tal casado, mas quando acontece penso na mulher dele, penso que ela nem sabe e nem tem opção de saber o que ele faz comigo longe dela e como fazemos.
Não nos protegemos juntos, é a carne que manda em nós. Enfim, confiança à prêmio, ser generosa com a esposa oficial pode trazer bons frutos, pra todos. Afinal, o homem dela também é meu.