sábado, 18 de outubro de 2008

O bafo

-Tô fazendo Feng Shui mesmo!
-Mas você acha que precisa despachar o bofe assim tão radicalmente, nega?
-O cara é um musicoterapeuta durango kid!
-Tá, mas dá uma chance, ele pode ser legal, vai...
-Ele me perguntou se 12 reais era o preço da garrafa de uísque. Quase morreu quando falei que esse era o preço da dose que sempre peço! Fala sério!
-Putz, que sinistro.
-Isso no Lamas. Imagina se fosse num lugar mais chic!
-O pior não é ele achar caro e decidir não consumir...
-Porra, o pior é ele achar que a garrafa de uísque custa 12 reais, né, bela?
-Exatamente! Demonstra total falta de ambição.
-Péssimo isso, tô quase precisando de um uísque agora, às 3 da tarde.
-Duplo!
-Cowboy, pra descer ardendo!
-É, mas pensa assim: antes isso do que nada.
-Não, na boa, já vinha perdendo gradativamente o tesão nele. Outro dia no motel ficou reclamando na portaria que tinham cobrado uma camisinha a mais. Situação constrangedora, eu sem saber onde enfiar a cara...
-Que péssimo.
-Bizonho! Mas vamos falar de coisas boas: passei na prova do MBA em Marketing ambiental e reciclagem pró-ativa. Começo daqui a 2 semanas.
-Que linda, arrasou!
-Foda, né?
-Ai, parabéns, queridona. E aí, tá animada?
-Super, tá total na hora de investir em mim mesma.
-Lógico! Mas vai dar pra conciliar com seus freelas?
-Vai ter que dar. Quanto mais ocupada você tá, mais neguinho valoriza seu tempo.
-Isso é ótimo.
-Alguém tem que pagar meu uísque, né?
-Hahahahahahahahaha. Cruel!

E assim, afastada do clube da derrota e próxima dos executivos bem-na-fita, levou seu MBA regado a black label. O balanço final foram três desquitados: dois com disfunção erétil e um com ejaculação precoce. Pra quem reclamava do gatinho pleiteando desconto na porta do motel, a vida nem tinha evoluído tanto. Chegou a ter um pensamento retroativo: pelo menos o durango kid era duro do início ao fim.

Uma semana depois da formatura, seguindo os ditames da reciclagem pró-ativa, voltou pras sessões de musicoterapia.

A aposta agora era na partida de bafo, pois é fato que figurinha repetida não completa álbum.

domingo, 28 de setembro de 2008

Quinta-feira santa

Acordou submissa em plena quinta feira.

Lavou os cabelos e, já que estava debaixo d’água, aproveitou pra depilar a virilha.

Pegou o jornal, mas percebeu que estava sem paciência pra desgraça.

Pensou em ligar pra alguém, mas achou melhor deixar o telefone fora da jogada.

Quando já estava se acostumando ao tédio de seu interminável dia de trabalho, foi avisada que podia ir pra casa mais cedo.

Chegando em casa mais cedo, fez uma macarronada pra dois.

Como não apareceu ninguém, jantou só.

Já que jantou só, dispensou a sobremesa.

Sem companhia, resolveu cuidar da pele.

Passou hipoglós no rosto e desistiu de todo o resto.

Uma pena, pois em dias como esses, poderia facilmente ser dominada.

Mas todo mundo sabe que a todo tempo acontecem casos assim, de submissão em vão...

Foi dormir.

Quem sabe sexta não seria seu dia de sorte?

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Como deve ser

-E aí?
-E aí o que?
-Como foi?
-Como foi o que?
-Ahhhhhhhhhhhhh! Conta....
-Ai, gata, você já quer saber da trepada que dei há menos de 24 horas?
-Claro! Você é a única que me traz novidades nesse aspecto. Todas as minhas outras amigas são casadas e, naturalmente, não fodem como gostariam.
-Ou não gostam de como fodem...
-Você é do mal, guria!
-Nem, mas não resisti à piadinha infame.
-Não resistiu em mudar de assunto, que eu te conheço.
-Ai, preciso mesmo contar?
-Só pra mim, vai.
-Tá bem, o que você quer saber?
-Tudo.
-Pergunta.
-O pau? Satisfatório?
-Sim, um mediano standart.
-Grosso?
-Sim.
-Mesmo?
-Sim, daquele tipo que arde um cadinho quando entra, sabe?
-Hummmmm, delícia...
-De fato.
-Pegada?
-Interessante.
-Como assim?
-Suave com arroubos de intensidade.
-Nossa...
-Foi legal mesmo. Ainda por cima ele curte chupar, sabe?
-Confesso que esqueci o que é isso, Jaime tem nojo.
-Pois é, esse rapaz gosta muito...
-Que beleza, filha! E aí? Marcaram alguma coisa?
-Nem me atrevi a tocar no assunto.
-Como assim? É tão difícil achar um homem que encaixe bem, qual o problema de vocês se verem mais?
-Problema nenhum. Acontece que, se eu sugerir algo, naturalmente ele vai ficar naquela paranóia de que eu quero casar e ter três filhos, começando a produção mês que vem, quando eu parar com a pílula.
-Menina, que horror!
-Querida, os homens estão todos assim e acho que isso é um pouco culpa nossa...
-Como assim, culpa nossa?
-Nossa, das mulheres.
-Quê isso, amiga? Tanta Rose Marie Muraro pra nada...
-Não é isso, deixa eu explicar direito.
-...
-A culpa não é nossa, nossa, mas do papel que passamos a assumir no mundo em menos de 50 anos. Já reparou que estamos dominando? Natural que eles fiquem inseguros e defensivos, é muita mudança pra pouco espaço de tempo, entende?
-Que espaço de tempo o quê! Agora vamos ter que nos diminuir pros homens ficarem mais confortáveis em nos oferecer um sexo meia-boca?
-Se ainda fosse meia-boca, tava valendo, né, lindona?
-Porra, agora você tá nessa, né, nega? Só tripudiando...
-Ai, tô brincando com você, vai! Mas escuta aqui, o Jaime, hein? Que coisa! Eu se fosse você parava de fazer o jantar dele...
-Daí ele ia jantar fora todo dia, mas deixa o Jaime, que ele já tem o que merece.
-Vai dizer que você não chupa ele? Duvido! Você nunca pôde ver pau sem querer logo colocar na boca, ou você acha que eu não lembro do seu apelido dos tempos da facu?
-Pára com isso, que Jaime tá pra chegar!
-Ele devia ser penalizado!
-Tô te falando que ele já tem o que merece...
-O que é? Agora fiquei curiosa...
-Você não vai conseguir mudar de assunto. Quero saber mais do moço.
-Não tem mais nada pra saber.
-Fala.
-Ele fode bem, chupa bem, conversa sobre as coisas da vida depois do sexo e faz um ovo mexido bacana.
-Ovo mexido?
-É, piranha, ovo mexido, sim, com baguete!
-Baguete é fino demais!
-Não o baguete dele...
-Sei.
-Ai, amiga, sinceramente, não quero me apegar.
-Por que?
-Porque não é momento pra isso.
-Eu sei que você tá deslumbradinha com seu sucesso e com a chuva de homem que invadiu sua horta, mas pensa no futuro. Você quer ficar sozinha pra sempre?
-Mas eu não sou sozinha, eu tenho meus amigos, tenho meus amantes. Tenho também meus amigos-amantes.
-Sim, mas isso não aquece seu coração...
-Que mané coração aquecido o que!? Toda vez que me envolvo com alguém, fico dispersa, esperando telefone tocar, email chegar, menstruação chegar. É um stress, uma leseira, que me canso só de pensar.
-Você quem sabe...
-Pra que ter homem fixo? Pra ele parar de me comer, que nem Jaime fez com você?
-Fala baixo que ele tá pra chegar! E não exagera que também não é assim...
-Claro que é, querida, você vive triste, cercada de vibradores.
-É bom ter vibrador, vai.
-Claro que é, mas, por exemplo, o meu, tá cheio de poeira, há tempos que não preciso dele.
-Você tá numa boa fase, só isso.
-Eu sou dona das minhas fases, é diferente.
-Quero ver você dizer isso daqui a dez anos...
-Daqui a dez anos o mundo já deu muita volta. Não vou ficar parada esperando a liberdade sexual terminar de ser trancafiada e minha bunda definitivamente ceder à gravidade.
-Dramática...
-Nasci atriz, bela.

Depois de tão edificante conversa, uma foi prum encontro e a outra pra cozinha, cortar cebola pra salada do maridão. Ambas certas e erradas.

São até capazes de se ferir, mas nunca de se desrespeitar.

Sabem que estarão ali toda vez que a outra precisar, independente de quantos homens ou vibradores ocuparem suas camas, sofás e cozinhas.

Simplesmente amigas.

Como deve ser.

sábado, 6 de setembro de 2008

A conta

-Oi, Ana, quanto tempo!
-Oi, Debica, tudo bem?
-Sim, querida, você sumiu...
-Pois é...
-A última vez que te vi você tava traçando o cara mais lindo da festa.
-Nem me fale...
-Tá rolando? Vocês têm saído?
-Aconteceu uma parada surreal.
-O quê?
-Aquele dia a gente tava no maior romance, você viu né?
-Se vi! Você tava despertando a ira feminina no banheiro.
-Como assim?
-Tinham umas meninas falando de vocês.
-Falando o quê?
-Coisa de mina invejosa, que o moreno de blusa branca estava agarrando uma gorda descabelada.
-Gorda é sacanagem! Com tanta caminhada e pilates, vagabundo me chamando de gorda!
-Raiva, filha! Você bem sabe que não é gorda!
-Pra esses padrões zero cal, eu sou gorda, mas pros homens, acho que dou pro gasto.
-Modesta! Você é a maior pegadora que eu conheço!
-Também não é assim, vai. De repente um ou outro finge que me acha gostosa, vai saber.
-Homem não finge, baby, homem fica de pau duro!
-Pode crer!
-Mas conta do bofe! Quero saber.
-Cara, a parada que rolou foi meio bizarra.
-Como assim?
-A gente foi prum motelzinho meio de quinta, aquele esquema...
-Sim, normal também, né? Não dá pra exigir vista pro mar...
-Pois então, a noite foi ótima, ele me comeu umas 3 vezes. Bem disposto o rapaz, super carinhoso e tal.
-Onde tá a parada bizarra?
-De manhã acordei e ele não tava no quarto.
-Hummm, que péssimo.
-Pensei: “ah, ele deve ter horário, não quis me acordar”.
-No domingo?
-Pois é, mas o pior ainda estava por vir.
-Ai meu Deus...
-Ele foi embora e não pagou a conta. Quando desci, tive que pagar tudo, o visa electron tava fora do ar, eu tava sem cheque, fiquei contando moeda na recepção da espelunca, você acredita numa coisa dessas?
-Gente, que bizonho! Mas como que no motel deixaram ele ir embora sem te avisar?
-Foi o que perguntei e sabe o que eles me responderam?
-O quê?
-Que o cara tinha pedido pra me deixar dormindo, já que tinha deixado a grana comigo.
-Que cara de pau!
-Desde então fiquei meio ressabiada de dar de primeira pra quem eu não conheço.
-Ai, amiga, nem sei o que te dizer.
-Se duvidar, nem minha terapeuta vai saber!
-Mas também, esquece isso, vai, senão você vai ficar paranóica.
-É, tô tentando, mas de vez em quando me volta a cena deu contando moeda de um real com aquele povo olhando pra minha cara com olhar de pena, sabe assim?
-Bizarro, mas, ó, desanima não. Sabe quem perguntou de você?
-Quem?
-Alexandre.
-O moreninho bocudo?
-Esse mesmo.
-Hummm, delícia.
-Pois é. E esse você pode ter certeza que não vai regular a mixaria.
-Hahahahahahha.
-Isso, filha, tem que rir dessa situação, pra ela ir embora de vez.
-Total!

Ninguém precisava dizer, mas ambas sabiam que contar moeda na porta do cinema, nas lojas americanas ou na padaria é bem diferente de fazê-lo na recepção de uma espeluncazinha qualquer, sob o olhar de reprovação dos moralistas de plantão.

Por conta desse episódio, Ana agora só quer saber de dar pra homem rico.

Dali em diante, pra ela, passa a valer a máxima de quem dá aos pobres, invariavelmente, acaba tendo que pagar o motel.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

A segunda chance

-Amiga, pode me ouvir?
-Lógico, baby, que que foi?
-Cara, fui fazer a unha e na volta vi que tinha uma mensagem do moço no meu celular.
-Falando o que?
-Pedindo preu sugerir algum programa além da festinha aonde íamos nos encontrar hoje.
-Esse é o mesmo que furou contigo na semana passada?
-Esse mesmo...
-Resolveu dar uma segunda chance pra ele, foi?
-Escuta.
-Sim, ele te mandou mensagem e você respondeu o que?
-Sugeri um cinema.
-E ele?
-Respondeu um minuto depois pedindo preu escolher um filme.
-E você?
-Fui no Segundo Caderno, escolhi um filme e respondi a mensagem.
-E ele?
-Não respondeu.
-Será que ele não recebeu sua mensagem?
-Foi o que pensei...
-Por que você não ligou pra ele, pra tirar a dúvida?
-Foi o que fiz.
-E?
-Ele não atendeu.
-Hummm, amiga, que péssimo.
-Pois é.
-E ficou por isso mesmo?
-Não, mais tarde ele me mandou uma mensagem.
-Menos mal...
-É.
-E qual foi a da mensagem?
-“Oi, tava dormindo. Tô indo agora pra casa dos meus coroas, já que amanhã é dia dos pais. Beijo e divirta-se!”
-Uai, mas ele não sabia do dia dos pais?
-É a pergunta que não quer calar...
-Gente, que surreal!
-Pois é.
-E você respondeu o que?
-Nada né, amiga!
-Lógico!
-Mas e aí, você acabou indo na festa?
-Sim.
-Se divertiu?
-Te falei que tô numa fase boa...
-Conta.
-Conheci um rapaz enooooorme, que ficou jogando charme pra mim na pista de dança.
-E você resolveu jogar o charme de volta, né?
-Quem não tem cão...
-Caça com gatinho!
-Hahahahahahaha!
-Pois é, neguinha, não pode dar muita importância pra esses episódios.
-É mesmo...
-Que carinha é essa?
-Tô meio sem saber o que faço.
-Essa é a hora de não fazer nada.
-Como nada?
-Nada, bela! Na dúvida, a gente mantém o charme.
-Hahahahahahaha.
-E espera...
-Mas esperar o que? Ele furar mais uma vez?
-Não querida, espera e vê se vale a pena dar uma segunda chance pra ele.
-Terceira, no caso...
-Eu acho muita coisa, mas vai saber...

Se despediram e, no caminho de casa, cada uma chegou à conclusão de que Graham Bell até teve uma ótima idéia ao criar o telefone.

O que ele não poderia adivinhar era que sua invenção ia ser ao mesmo tempo solução e problema pra falta de comunicação da humanidade.

Porque, afinal de contas, esse negocio de se relacionar é saber dar e esperar telefonemas.

Não necessariamente nessa ordem.

domingo, 10 de agosto de 2008

O adorável escroto parte 2 (ou Babaquice tem limite)

-Ele leu o conto que você escreveu pra ele no blog?
-Sim. Disse que leu e morreu de rir.
-Nada mal...
-Aproveitou pra dizer que a pessoa que estava com ele morreu de rir também...
-Que pessoa?
-Foi o que perguntei.
-Por acaso era uma mulher?
-Lógico!
-Sabe que isso pode ser mentira dele pra ver sua reação, né?
-Sei, mas não faz a menor diferença se é mentira ou verdade...
-Exatamente, baby, muito caído...
-Caído pra caralho!
-Não gosto quando você fala assim de caralho! Já disse que isso não atrai coisa legal pra tua vida. Só pronuncia a palavra caralho com raiva, assim não dá! Do jeito que a situação está, esse tipo de atitude sua chega a ser antiecológica, amiga!
-E não foi só isso!
-Jesus, tem mais?
-Cara, ele teve a audácia de falar que meu conto era só mais um textinho de internet, que quase ninguém lia mesmo...
-Ihhhhhhhhhh...
-Ih o quê?
-Nada, deixa quieto.
-Diz, porra!
-Muito bem! Falou porra ao invés de caralho! Olha a evolução!
-Você não vai parar com isso não!!? Eu aqui te falando uma parada séria e você nessa merda, bicho, que porra dos infernos!

O tempo estava quase fechando quando as palavras vieram carregando o ânimo nos ombros:

-Desculpe, amadinha, tava tentando te relaxar, porque não tem mais jeito mesmo, né? O cara entrou nessa de ser um babaca, fazer o quê? Matricular ele na aula de etiqueta? Se ele é assim, deixa pra lá, se preocupa com as coisas que merecem sua atenção nesse momento.
-O mais engraçado é que ele não era desse jeito antes...
-Claro, assim são os babacas!
-Era super fino, preocupado com os detalhes...
-Um babaca detalhista, requintado e daí? Não deixou de ser uma babaca!
-Ele ficava dizendo que o nosso momento estava chegando, que eu precisava ser paciente, que nosso lance não era pra ser uma coisa efêmera, que precisávamos de tempo e coisa e tal...
-Tava te cozinhando em banho-maria!
-Pior é que é...
-Ah, cara, um homem que tem o desplante de mandar que leu seu texto ao lado de uma mulher, que eles morreram de rir juntos, e ainda complementa com um “seu conto é só um textinho de internet que ninguém lê mesmo” não é um cara gentil, concorda?
-Concordo.
-E você tá acostumada a ser bem tratada, né, querida?
-A pão-de-ló...
-Então, babou, né?
-...
-C’est fini, it’s over, that’s it!
-...
-Concorda que essa história já deu o que tinha que dar?
-...
-Chora não, honey! Imagina um cara desse depois do almoço de domingo, que horror que não ia ser! Deve ser do tipo que olha pros peitos das amigas na frente da mulher, que esquece aniversário de casamento, que pensa que flor é frescura, essas coisas.
-Sinistro...
-Já tô até vendo a cena: você fugindo pro CCBB, pra primeira mostra de artes plásticas, pra esquecer que tem marido. Ia passar a vida tentando fingir que domingos não existem! Um inferno! Não combina contigo isso, sinceramente! Você é uma mulher foda, não é pra qualquer detalhista que se esquece da gentileza, cruzes!

A ofendida enxuga as lágrimas, respira fundo e, enquanto pega o colírio na bolsa, cai em si:

-Nossa, que bom ouvir essas coisas, nega, brigada!
-É pra isso que existem as amigas, porque elas podem ver de fora. E de fora a vista é bem menos embaçada...
-A gente fica meio idiota quando tá a fim de alguém, né?
-Comigo também rola isso, de volta e meia ficar desse jeito que você tá aí, toda me sentindo meio boçal de ter dado corda prum figura tão merda quanto esse carinha.

E assim, como quem está de férias no Maranhão tomando sorvete de graviola, as amigas espremeram aquele episódio até a última gota, pois sabiam que somente dessa forma poderiam se ajudar na imensa dificuldade que é lidar com os próprios sentimentos, emoções, hormônios e todo tipo de substância ou presença que nos modifique a respiração e que nos deixe prontas para transgredir em paz.

E, em se tratando de babacas, a melhor coisa a fazer é sair de cena sem alarde, como quem diz que vai ao toalete e não volta pro final do espetáculo.

Porque circo de horrores é só pra quem tem estômago de avestruz.

domingo, 20 de julho de 2008

O adorável escroto

-Você tá de onda!
-Não tô, Lívia, ele mandou essa.
-Como é que é? Você e o Bukowski, o quê?
-Que eu, assim como Bukowski no início de carreira, não entendia nada do sexo oposto.
-Disse assim, na lata?
-Na lata, fiquei pretérita!
-Também ficaria...
-Pois é.
-Mas sabe que eu sempre achei meio Bukowski seus textos?

Mentira, Lívia nunca leu sequer uma linha dele. Mas aquela foi a única coisa que pôde dizer naquele momento, já que não se sentia à vontade de comentar com a amiga que o gatinho que ela tá amarradona de dar um confere podia estar personalizando demais suas observações literárias, provavelmente por estar se sentindo vulnerável dentro da relação. Ou por ter um pau muito pequeno. Ou um pouco fino. Enfim, independente do que fosse, era coisa de casal. E, nesses casos, o melhor é que as amigas não metam a colher.

De repente, do nada, surge a pérola:

-Nem te falei uma coisa, ele escreveu um texto pra mim.
-Mesmo?
-Aham.
-E aí? Legal?
-Intenso.
-Mas legal?
-Não sei, tinha uma coisa de esperar, mas não saber por que ou por quem. Uma coisa bonita, mas um pouco ensimesmada demais, sabe?
-Porra, mas você não sabe que ele é ensimesmado? Queria que ele escrevesse uma parada cool?
-Calma, gata!
-Foi mal, mas esse negócio de analisar homem não é fácil.
-Não estamos analisando, estamos comentando.
-Ah, ainda bem que você me avisou! Estamos comentando! Agora sim, entendi tudo!
-Debochadinha...
-Quer a verdade nua e crua?
-Sempre.
-Eu, como sua amiga, diria pra você sair fora desse cara enquanto ainda não deu pra ele e não ficou de quatro.
-Ficar de quatro não é mau, vai...
-Posso continuar?
-Claro.
-Onde eu estava mesmo?
-Na parte que eu ficava de quatro...
-Isso mesmo! Eu estava dizendo que, por outro lado, acho que o ensimesmado vai fazer esse vulcão que tem aí dentro explodir.
-Explodir como?
-Ah, uma coisa lava incandescente, saca?
-...
-Eu tive um cara assim também, ensimesmado, quase canalha, mas adorável.
-Quase canalha?
-Isso mesmo! Me escrevia umas coisas herméticas, tipo isso aí que você falou, de esperar mas não saber por que e nem por quem.
-Jura?
-Juro, isso é coisa que só um escroto adorável faz por você...
-Escroto adorável?
-É, darling, tem um monte deles por aí.
-Mas, vem cá, por que você nunca me contou desse cara?
-Porque se eu for ficar falando tudo que eu já vivi vou ficar parecendo sua tia, o que está longe de ser o caso.
-Você é mais rodada mesmo, qual o problema?
-Rodada é punk!
-Bucetuda, prefere?
-Melhor.
-Tá, bucetuda, diga lá, o que aconteceu com o seu ensimesmado?
-Um dia eu acordei e tive a certeza de que eu precisava de uma pessoa mais tranqüila do meu lado, independente de não ser tão intensa nem tão capaz de falar as coisas mais oportunas nas horas mais sensacionais.
-Sei...
-Uma pessoa que, apesar de não me deixar úmida com um único olhar, não me daria cortes tão secos, não me largaria derrapando na pista, nem me deixaria triste nos dias mais alegres.
-Nossa...
-Por isso não te falei nada, entende? Porque acho que você tem que ser a protagonista dessa história. Todo mundo na vida precisa aprender a decodificar, seduzir, comer e deixar ir pra sempre pelo menos um escroto adorável.

E assim, sem entrarem nos detalhes mais sórdidos, as duas ficaram lá pensando porque não poderiam ter tudo que queriam do jeito que achavam mais gostoso, como quando eram crianças e faziam charme pra Papai Noel.

E, enquanto pensavam, viram que o melhor mesmo era parar de pensar e ir correndo pro videokê do botequim da esquina, que estava pegando fogo, pra tomar uma gelada, comer um queijinho de coalho, morrer de dar risadas e adorar a lua, que transbordava de tão cheia.

Porque canta melhor quem canta pra subir.