segunda-feira, 23 de março de 2009

Vastas estações, pensamentos imperfeitos

Pensou em fazer alguma coisa útil no meio daquela tarde triste de verão, pois sabia que não era certo ficar assim em dias de sol. Passou sundown 60 pra se sentir protegida e quis, lá no fundo, que existisse um protetor solar também para almas. Seria uma boa forma de economizar a grana preta que gastava na terapia. Ou pelo menos de se fazer de alegre quando suas amigas desesperadas insistiam em lhe telefonar em busca de alento.

Mas o telefone, assim como a justiça com as próprias mãos, tarda, mas não falha:

-Ai, amiga, pode me ouvir?
-Claro, diga lá.
-Acho que fiz merdinha...
-O que foi dessa vez?
-Dei pro carinha do curso.
-E desde quando isso é fazer merdinha?
-Dei de primeira, esse é o problema.
-Ai, bela, não semiotiza, vai...
-Como assim?
-Você não tava com vontade de sair com ele há um tempão?
-Tava!
-Então...
-Então que ele não pediu meu telefone...
-Ah, você queria que ele fosse te levar em casa no dia seguinte num cavalo branco, né?
-Ai, amiga, não zoa, tô mal com isso...
-Desculpa, mas não concordo com essa política desesperada de contar encontros até resolver transar, porque isso me dá a impressão de que nossas bucetinhas são uma espécie de prêmio e que, quanto mais esperarmos, mais elas vão ficando apetitosas, como iguarias típicas da Amazônia, sabe assim?
-Se sei.
-Bota na sua cabeça que essa é uma idéia que inventaram pra adaptar aos nossos tempos as normas sexuais castradoras dos tempos de nossas avós.
-Como assim?
-Baby, pode ser que ele não peça seu telefone nunca, e daí?
-E daí que eu queria saber até quando vou ficar dando pra caras que não me ligam no dia seguinte.
-Até o dia que rolar um cara maneiro que goste de você e que saiba usar o telefone. E isso independe de você ter dado de primeira, de segunda ou de terceira...
-Ai, ai, não consigo ser tão esperançosa...
-Querida, preciso desligar, estão tocando o interfone e tô sozinha em casa.
-Me liga depois, então.
-Ligo, sim.

Claro que não ligou: esse papo de esperança era um tormento com o qual tinha que conviver diariamente. Não queria dizer pra amiga que pra cada panela existe uma tampa, porque sabe de um monte de tampas sobrando por aí, totalmente oxidadas de tanto esperar por uma panela que se encaixe em seus contornos com o mínimo de dignidade.

Tirou o telefone do gancho e resolveu nada mais fazer naquela tarde de verão.

A não ser esperar pelo outono, quando, finalmente, poderia ficar triste em paz e jogar a culpa toda no tempo chuvoso.

quinta-feira, 12 de março de 2009

A turma do gargarejo

-Ele duvidou que eu gargarejo, pode?
-Como assim????
-Perguntou se eu cuspia ou engolia. Meti: eu gargarejo!
-E ele duvidou simplesmente?
-Sim.
-Nossa, que cético!
-Pois é, menina, fiquei até me sentindo A Deep Throat!
-É, bela, o moço não tava naquela festinha na casa do Adolfo há uns 10 anos...
-Noooosssaaaaaaaaa! Puxou detrás, hein, nega!
-Lá geral dispensou o cepacol...
-Hahahahahaahahahahahaha! Podes crer...
-Cara, na boa, mais puta que você, só a Adélia mesmo.
-Adélia? Nem acho...
-Olha o despeito!
-Só por que ela comeu aqueles 2 negões gêmeos em Salvador?
-Na casa das namoradas gêmeas deles, esqueceu esse detalhe?
-Ah, isso foi só um golpe do destino. Se fosse comigo, eu faria o mesmo.
-Faria porra nenhuma, que você é piranha, mas não é puta!
-Adélia não gargareja...
-Tá bem: você é a mais piranha. Adélia, a mais puta, tá bom?
-Ainda acho injusto, mas beleza...
-Ah, bonita, ética é uma coisa legal, vai.
-Não adianta de porra nenhuma, mas é legal, concordo.
-Adianta, sim. Veja bem: uma piranha ainda se dá a chance de agir com respeito. Já a puta, não.
-E daí?
-Daí que, enquanto a puta quer fuder com as rivais, as piranhas querem mais é que as rivais assistam confortavelmente a tudo de camarote, sacou?
-Boa!
-É mais chic ser piranha...
-Vendo desse modo, é mesmo...
-Portanto, fofa, deixa o bofe duvidar que você gargareja. Um dia, quem sabe, ele encontra uma mulher que faça isso e aí ele vai te dar razão.
-É...
-Nada como o tempo...
-Pode crer.
-Mas e hoje, qual a boa?
-Vou a uma festa com Alexandre, fazer presença de gostosa, porque ele tá saindo com uma mulher que tá escrotizando ele.
-E a mulher vai estar na festa?
-Lógico, né?
-Vai dar de acompanhante fake?
-Fazer o quê? O cara é meu amigo há 20 anos, tá precisando dessa força. Se eu não fizer isso por ele, quem vai fazer?
-Ele quer é te comer!
-Sim, claro, mas aí, normal também, né? Depois de pagar de namorada a festa toda, no final da noite vou estar precisando mesmo de um agrado.
-E depois ele vai te levar pra onde?
-Praquele motel lá na Niemeyer.
-Caraca, tá com prestígio, hein, nega?
-Faço isso mais por ele, sabia? Tem horas que um homem precisa esbanjar com uma mulher, senão explode!
-Té parece que não adora o pau do bofe...
-Gosto, claro, que não sou Madre Teresa...
-Piranha!
-Enfim, querida, tá na minha hora, marquei depilação pras 4.
-Manda meu beijo pra ele?
-Deixa comigo.

Na dúvida, depilou cavada, já que não conhecia ninguém mais voraz com esse negócio de buceta do que o tal do Alexandre.

E, em homenagem ao cético, nem levou cepacol pro motel.

sexta-feira, 6 de março de 2009

O poeta inconcreto e a cronista desbocada parte 2 (ou Dona Flor e seus dois maridos)

-Você meteu essa mesmo?
-Meti.
-E ele?
-Diz que ficou de pau duro.
-Hahahahahahahahaha.
-Também, antes dos 30, tudo é motivo preles ficarem de pau duro.
-Mas, venhamos e convenhamos, amiga, você jogou baixo!
-É só uma foto, vai...
-Uma foto pelada, com os pentelhos ao vento, não é só uma foto, que você é piranha e sabe muito bem o que tá querendo fazer com o bofe...
-Cada um usa as armas que tem, não é mesmo?
-Lógico, só não mete essa de “é só uma foto” pra mim, que eu te conheço, vaca-mor!
-Dou uma semana presses hai-cais chegarem!
-Nem isso, filha, se bobear, chegam amanhã mesmo, por SEDEX 10!
-Ele disse que precisava revisar. Parece que ainda não saiu da escola, porra! Revisar é o caralho!
-Calma, amiga, homem apressado também não é coisa boa e você sabe disso...
-Ok, mas ele é tipo um cágado baiano de férias em Honolulu.
-Hahahahahahahaha.
-Pecado, ele é fofo, faz a linha homem pra casar.
-Falando nisso, ele ainda tá com aquela mina?
-Tá, né? Mas sabe o que mais? É bom pra ele não ficar enferrujado, pra não tremer nas bases quando puser as mãos em mim.
-É vero, homem que fica muito tempo sem mulher, quando pega uma potranca que nem tu, às vezes passa até mal.
-Passar mal é foda...
-Ué, já me aconteceu.
-Pára de show!
-Tô falando sério! Uma vez fiquei com um menino que vomitou no motel.
-Ai, que pecado...
-Acontece, bela, mas contornei lindamente a situação: segurei a cabeça, citei Angeli, botei pasta na escova de dente, dei coca-cola, coloquei um filminho animado que tinha lá no pay-per-view e, em uma hora, já estávamos mandando ver...
-É, menina...
-É o quê?
-...
-Que foi? Fala!
-Nada...
-Tá pensando em quê?
-Em como eu queria que essa parada desse certo...
-Que bom! Positive vibes são sempre as melhores.
-São, mas às vezes me acho meio épica demais.
-Sei, épicazinha...
-Hahahahahahahahahahaha....Mas ó, fora de brincadeira, do mesmo jeito que ele tem uma mulherzinha por lá, eu também preciso de um chamego por aqui.
-Claro, né? Esse negócio de relacionamento à distância é bonito em filme americano, que o povo pega avião que nem a gente pega metrô!
-Pois é.
-Mas e aí? Já tem alguém em vista?
-Não.
-Jura?
-Se precisar eu juro, mas não tenho ninguém...
-Tá com uma cara de come-quieta da porra!
-Só a cara mesmo...
-Falta só a porra!
-Justamente.

Pelo visto, já tinha algum gatinho carioca em mente, mas tava achando melhor esconder o jogo.

Nada de mais, em tempos de crise fálica, onde “amigas” não hesitam em puxar o tapete umas das outras.

Preferia garantir o de cá em segredo e o de lá, em sobreaviso.

Afinal de contas, encarar um esporte tão radical quanto amor à distância exige preparo físico, sangue frio e estratégia.

Coisa pra Dona Flor, sempre a postos pros seus dois maridos.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Dicas práticas para não queimar o filme com as gatinhas

Muitos dos meninos que andam à solta pelo Rio de Janeiro andam muito sem noção. Alguém precisa dizer a eles que algumas atitudes são feias e acabam por detonar-lhes a imagem de maneira avassaladora. Como ninguém se sente bem mandando a real na cara (até porque é constrangedor), segue abaixo uma cartilha com dicas práticas para não queimar o filme com as gatinhas.

Capítulo Primeiro: do convite.

-Mas você sabia que ele era pistoleiro?
-Descobri ontem.
-Ele foi na parada por sua causa, né?
-Sim.
-E chegou a rolar algum convite prum after?
-Chegou, mas quando ele viu a quantidade de amigas minhas presentes, curtiu a configuração e desistiu do convite que tinha feito 2 horas antes.
-Hummm, que pobreza. Mas ele é gato pelo menos?
-Nem.
-É simpático?
-Sim.
-E com certeza estava mais simpático ainda no meio da mulherada, né?
-Super.
-Cara-de-pau o sujeito, então.
-Pois é, menina, fiquei até meio sem-graça com a falta de noção dele, sabe assim?
-Se sei.

Dica prática: ao combinar de encontrar uma moça, não se empolgue com as amigas dela, mesmo que elas estejam te dando o maior mole. É deselegante demais.

Capítulo Segundo: do pau fino.

-Mas vocês tavam saindo numa boa, né?
-Sim, estávamos, até ele entrar na paranóia do namoro.
-Como assim?
-Começou a querer ficar comigo escondido, a dizer toda hora que não era meu namorado, sabe assim?
-Ui.
-Me dava vontade de falar: ok, baby, mas quem disse que quero ser sua namorada????
-Pois é.
-Não quer me namorar, mas outro dia veio de novo com um papo mole querendo me levar pro motel. Daí me fiz de desentendida, porque não tava a fim de esfregar minha bucetinha de ouro naquele pau fino.
-Hahahahahahahaha.

Dica prática: Se seu pau é de calibre fino, cuidado: quanto mais babaca você for, mais a mulherada vai explanar suas medidas.

Capítulo Terceiro: da ficadela.

-Não te vi mais na festinha
-Pois é menina, teve uma hora que fui embora.
-Mas tava tão legal...
-Tava sim, mas acontece que fiquei com um idiota lá que pegou outra menina na minha frente.
-Ui!
-Aí, já um pouco passada, resolvi ir embora.
-Lógico!
-Mas tirando isso, foi o máximo, né? Precisamos sair mais juntas.
-Sim, claro! Mas sabe que você não é a primeira que me fala isso? Duas amigas minhas passaram pela mesma coisa nessa festa: carinhas dando mó mole e pegando outras na sequência.
-Mentira!
-Quem dera que fosse...

Dica prática: Se escolheu uma menina pra ficar, seja homem o suficiente pelo menos por uma noite, mesmo que alguma pistoleira passe a mão na sua bunda. Afinal de contas, as árvores morrem de pé.

Capítulo Quarto: da ejaculação precoce

-De repente ele tava nervoso, não?
-Com certeza.
-Dá uma chance pro rapaz, talvez na próxima ele mande bem.
-Sim, eu tava até numas de dar uma segunda, ou até mesmo uma terceira chance, mas ontem ele me mandou um email bizarro.
-Falando o quê?
-Que eu era gente fina, mas que ele tinha esquecido de comentar que tava enrolado com outra pessoa.
-Esquecido de comentar??? Mas isso não é um mero detalhe, cara!
-Pois é, surreal.
-E você, respondeu?
-Não, né! A única resposta que eu poderia dar é: tá, querido, tomara que com essa outra você consiga ficar de pau duro por mais de 5 minutos sem gozar. Mas aí seria humilhação, né?
-Sim, seria.

Dica prática: se sua performance não é lá essas coisas, cuidado: quanto mais babaca você for, mais a mulherada fará questão de não guardar segredo sobre sua ejaculação precoce.

Capítulo Quinto: da conta.

-Mas ele não tinha grana pra pagar?
-Tinha, claro.
-Então por que isso, meu Deus?
-Sei lá, cara.
-Ele tinha te convidado ou você se ofereceu?
-Me convidou, eu disse que tava sem grana, ao que ele respondeu: sem problemas, eu recebi um adiantamento de um cliente e coisa e tal.
-Não dá pra entender então.
-Mas o pior foi depois. Me trouxe em casa, deu uma desculpa de que tava apertado pra ir ao banheiro e, chegando aqui, ficou numas de querer me comer.
-E você?
-Não tive estômago, né?

Dica prática: Se convidou a dama pra sair e ela previamente lhe avisou que estava sem grana, pague a conta sem mais delongas. Demonstrações de mesquinharia deixam qualquer bucetinha ressecada.

Por enquanto são essas as dicas.

Básicas, eu sei.

Óbvias de doer, também percebo.

Do jeito que as coisas vão, depois do carnaval, infelizmente, surgirá mais uma lista delas.

Provavelmente ainda mais óbvias e básicas.

Porque depois que a carne muito vale, a alma só barateia.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

O poeta inconcreto e a cronista desbocada

-Acha mesmo que devo me fechar pro amor?
-Amor é o caralho!
-Calma, moça, assim tu me faz sentir um filho-da-puta sem ter feito filha-da-putice alguma...
-Basta você morar a quase dois mil quilômetros de mim e já está feita a putaria!
-Que putaria, guria? Eu só estou deixando as coisas acontecerem. Me diga agora: tu acha que a gente é possível? Duvido que aí no Rio tu não jogue charme pros moços que te agradam.

Mal sabe ele, poeta inconcreto, que o Rio de Janeiro só leva a fama. Quem deita na cama, quase que invariavelmente, são os homens de fora. Mas isso não estava em questão pra cronista desbocada: ela queria era molhar a ferida com água oxigenada, pra ver a espuma escorrer.

-Isso não vem ao caso! Eu não coloco fotinha feliz no orkut sorrindo ao lado de homem nenhum!
-Poxa, mas eu sempre fui tão leal contigo...
-Tá vendo? Essa sua clareza de intenções, essa sua pureza d’alma, esse seu jeito de sinceramente querer saber se estou bem, isso tudo, junto, é o que me mata!
-O que você quer que eu faça?
-Quero que você me esqueça, dá pra ser?
-Impossível! Tu é minha escritora predileta. E sabe disso!
-E daí? Eu lá escrevo com a minha buceta?
-Tá vendo? Eu só sirvo pra sexo mesmo, né? Duvido que me acompanharia se eu fosse um broxa...
-Comigo não existe homem broxa e tu sabe disso! Os paus, de uma maneira geral, gostam de mim. E não vem mudando de assunto não, que eu sei que tu tá querendo me amansar!
-Tudo que eu queria na vida era poder te amansar, guria.
-Não me chama de guria que eu viro do avesso e a essa distância não há nada que possamos fazer!
-Boba! Vai dizer que não sabe que esse gaúcho aqui é capaz de te enlouquecer só pelo telefone?
-Grande coisa...
-Sabe ou não sabe que adoro domar uma potranca raivosa que nem tu?
-Sei, mas e daí?Isso vai mudar alguma coisa?
-Lindinha, nada do que esteja me acontecendo aqui, ou que esteja te acontecendo aí, vai diminuir a nossa sintonia e tu sabe disso...
-...
-Tá se fazendo de muda, minha ambrosia?
-Não quero ver você com essa lambisgóia!
-Ela não é lambisgóia. É minha amiga. Pensa na minha situação: eu tava tão sozinho, tão sem ninguém, tão jogado de lado, só com minhas poesias...
-Pára com esse discurso de queda do império romano que eu não tô presse tipo de jogo, ok?
-Não sei por que tu me liga se não quer conversar feito adulta...
-Eu não quero ser adulta! Eu quero você!
-Mas que radical...
-E a poesia das unhas pintadas? Recita pra ela também?
-Ihhhhh...
-Recita ou não recita?
-Não, ela sabe que fiz pra ti.
-Sabe nada! Não mete essa!
-Meto meu pau na tua boca miúda.
-A dois mil quilômetros, qualquer um mete. Quero ver cara-a-cara!
-Não me provoca, guria. Sabe que tenho uma passagem comprada praí.
-E daí?
-E daí que eu tô dizendo que essa passagem tá guardada pra te ver!
-Vai trazer a gatinha pra me apresentar também? Porque, vamos combinar, essa situação é bem confortável pra ti, né?
-Não, não é. Eu te entendo, sei como é essa sensação...
-Não, você não faz idéia. Quer ver uma coisa?
-O quê?
-Adivinha onde eu queria ter passado a bosta desse reveillon?
-Essa eu sei: em Floripa!
-Não, nos teus braços, porra! Floripa era só uma desculpa esfarrapada!
-Como?
-Eu queria que tudo acontecesse naturalmente...
-Bah, guria, por que não me falou isso antes?
-Porque no dia que fui te escrever a respeito, vi a fotinha no orkut...
-Quer que eu tire a foto de lá?
-Quero.
-Que mais que tu quer?
-Você ao alho e óleo.
-Não começa, vai.
-Tá, vou baixar as expectativas e pagar de mesquinha, pode?
-E o que é que tu não pode?
-Quero os Hai-kais que você escreveu pra mim e nunca colocou no correio!
-Boa!
-Se duvidar, nem escreveu porra nenhuma...
-Pára de charme, musa.
-Musa é o caralho!

Pelo andar da carruagem, a conversa iria longe. Bem mais longe do que Porto Alegre está do Rio. Ou do que o Rio está de Porto Alegre.

Ainda assim, uma pergunta sempre ficará no ar: se o Porto é alegre, por que motivo só saem notas tristes dessa sinfonia?

Pode ser que a resposta esteja perto da cidade onde o medo e a solidão finalmente resolveram se casar de papel passado.

Mas isso são apenas especulações.

A única coisa de que se tem notícia é que nunca houve uma história tão docemente escrita como o tórrido romance entre o poeta inconcreto e a cronista desbocada.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

O feng shui de Jane parte 2 (ou Página em branco a gente gosta)

-O que ele disse mesmo?
-Ai, bela, esquece, já foi.
-Sim, mas quero saber, só pra depois colocar nos anais...
-Ele não disse nada que eu já não soubesse.
-Tipo...
-Falou que sair comigo pra dar uma bordejada, ir ao cinema, se pegar no escurinho, tomar um vinho em público, ou mesmo ficar numa festinha eram coisas que ele não se sentia à vontade de fazer, porque não tinha intimidade suficiente pra pagar de namoradinho.
-Ah, não tem intimidade? Mas meia nove pode, né?
-Pior é que nem...
-Como assim? Na cama também tinha que seguir o protocolo?
-Não exatamente, ele até que me comia direitinho.
-Sem sexo oral não é comer direitinho, gata, numa boa. Ele também não gosta que você chupe?
-Da última vez rolou.
-E ele não gostou? Qual foi? Não tô entendendo nada!
-Da última vez, eu chupei ele, só que ele não retribuiu a gentileza. Daí, um dia, no msn, perguntei qual era o problema.
-E qual era o problema?
-Pra ele, chupar é que nem não usar camisinha: coisa pra fazer só com namorada.
-Não creio que ele meteu essa!
-Foi aí que eu comecei a broxar, sabe?
-Claro! Você não é uma boneca inflável! Boneca inflável é que não precisa de agrado!
-Exato.
-Mas essa história foi antes ou depois dele dizer que não queria pagar de namoradinho?
-Então, deixa eu ir por partes.
-Vá.
-Ele outro dia disse que tava com saudade de mim e eu disse que também estava. Aproveitei a ocasião pra falar que não tinha curtido esse episódio da não-chupada, porque isso me dava a clara impressão de que ele não gostava de mim.
-E...
-E aí ele disse que já tinha me explicado o porquê dessa parada.
-Já sei! Deixa eu adivinhar: ele disse isso e foi correndo pegar um formulário de requerimento de favores sexuais localizados?
-Hahahahahaha.
-Fala, mulher!
-Aí ele ficou naquele papo mole de “Como assim eu não gosto de você? Você tá viajando!”
-E...
-E aí eu já tava toda ressecada mesmo, coloquei as cartas na mesa.
-O valete de espadas? Ou a dama de paus?
-Besta...
-Conta!
-Meti: “Você gosta mesmo de mim? Iria comigo ao cinema? Ao teatro? Me beijaria numa festa?”
-Ah, tá! Saquei! Foi aí que ele veio com o lance de não querer pagar de namoradinho...
-Isso! Só que antes ele chegou a dizer que sim, que faria esses programas comigo.
-Como assim disse que sim???? Porra, não tô entendendo nada de novo, caralho!
-Calma! Ele disse que faria tudo isso, sim. Mas em dois minutos mudou de idéia, veio com o lance de não se sentir à vontade pela falta de intimidade e blá blá blá, sacou?
-Jesus, vai ver ele é casado!
-Que nada.
-Mas vem cá, você não explicou a ele que sai também com outros caras pra fazer programas outdoor?
-Eu sou uma dama, não fico falando de um homem pra outro. Acho isso de uma deselegância ímpar...
-Mas ele merecia saber, pra parar de achar que qualquer coisa que acontece do lado de fora de um motel é namoro!
-A vida vai ensinar a ele, filha. Minha parte eu já fiz. Na boa, cansei de ser tia Teteca.
-Mas o papo acabou assim? Não teve um ponto final?
-Ah, bela, a gente tem que saber quem faz o papel de que nessa vida.
-Como assim?
-Não fui eu que fui atrás dele, fuxiquei o orkut, chamei pra festinha, adicionei no msn e instiguei o quanto pude?
-Foi.
-Então, quando vi que o único papel que me tinha sobrado era o de boneca inflável, desisti da cena dos próximos capítulos.
-Tá certa, amiga, certíssima. Mas como foi que vocês se despediram?
-Não nos despedimos. Ele deu a entender que essa era uma questão que exigia uma longa conversa, ao que eu respondi que não, que não era necessário alongar essa prosa, já que ele queria uma coisa e eu, outra.
-E você acha que ele entendeu?
-Sim, ele entendeu.
-E você tá chateada?
-Não.
-Mesmo?
-Não. Agora eu sei bem claramente que tipo de relação eu não quero pra mim. E isso é libertador, saca?

A amiga até sacava, pois sabia que tava na hora de deixar de uma vez por todas cada linha daquela história pra trás.

E abrir uma nova página em branco.

Pronta pra ser escrita.

(ou quem sabe até desenhada).

domingo, 18 de janeiro de 2009

O marxismo e a burguesia

Quando viu a mensagem no celular, sacou que ela também não tinha conseguido dormir depois da conversa que tiveram. Ele, que fala com todas as letras que só quer comê-la de uma vez por todas e deixar que o resto aconteça naturalmente, chegou a dar uma risada de canto de boca ao lembrar dela dizendo que vida sem risco não é vida, é plano de saúde sem carência.

Lá no fundo, se sente estranho por gostar tanto daquela burguesa maluquinha.

Só mandou a mensagem em plena madrugada porque sacou que ele ainda tinha muito tesão encubado, mesmo depois de dois anos. Ela, que brada aos quatro ventos que homem com namorada não rola, chega a tremer nas bases só de lembrar dele dizendo que fala com os amigos de como o corpo dela é delicado, apesar de grande.

Lá no fundo, se sente estranha por gostar tanto daquele marxista cético.

Assim, os dois passaram o resto daquela noite deitados, cada um na sua cama, banhados pela lua cheia, com o corpo quente e a mente irrequieta: ela, pensando que não queria morrer da cura; ele, batendo umazinha com a foto dela nua que ganhou de presente.

Já amanhecendo, decidiram viver o risco. E se alguém por algum acaso ficasse triste, talvez houvesse a necessidade de uma separação radical. Mas esse era assunto pra depois.

Agora era só ele ligar de novo e torcer pra ela não estar menstruada.

Porque, mesmo curtindo uma galinha ao molho pardo, o marxista bem sabia com que tipo de burguesa estava lidando.