segunda-feira, 10 de março de 2008

Acontece

-Ele não vai te responder, esquece.
-Mas como assim?
-Não vai, não adianta, você pode mandar mais uns quinze emails e ele vai continuar te ignorando.
-Mas por que? Não seria mais fácil ele simplesmente me responder, nem que fosse com um: “Olha, eu tô ótimo, me recuperei do acidente, mas, sinceramente, quero que você se foda!”
-Você realmente ia gostar de ouvir isso?
-Sei lá, cara, talvez me sentisse menos culpada, menos escrota, menos qualquer porra! Nunca me senti tão impotente assim!
-Baby, é triste, mas vale a máxima de que pra tudo tem sempre uma primeira vez.
-Preferia ficar virgem nesse setor...
-Olha, eu bem que queria te dar um colinho, mas ando tão vazia de esperança e de sentido que nem sei o que te dizer, amiga.

A tristeza era tão negra que, sem que ninguém pedisse nada, um vinil do cartola começou a tocar no velho três em um da casa nova das meninas.

-Cartola é foda, né?
-Outro dia um amigo me disse que ele é o padroeiro de todos os que preferem sentir raiva à culpa. Achei bonito.
-É. Mas por que a culpa dói tanto?
-Porque é nossa responsabilidade, única e exclusivamente nossa.
-É.
-Porque é pessoal e intransferível.
-Como um cheque ao portador.
-Como um cheque ao portador.
-E se eu ligar pra ele?
-Lindinha, desiste.
-Ai, não fala lindinha, que ele me chamava assim...
-Belíssima, não tem nada que você possa fazer. Vida adulta é assim mesmo: irreversivelmente cruel.
-Pelo menos temos cerveja...
-Gelada!
-E tá chegando fevereiro...
-Viu? Nem tudo está perdido!

Continuaram ali, ouvindo Cartola até altas, e a esperança, cansada de tanto esperar, guardou-se pra quando o carnaval chegar.

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