segunda-feira, 10 de março de 2008

Helena e Inês

- Será?
- Pode ser isso sim!
- Sei lá, Inês, tô meio sem saber o que pensar.
- Mas por que você tem sempre que saber o que pensar? Isso é uma das coisas que te fode, sabia?
- É, eu sei.
- Então, relaxa, Helena! As coisas sempre acabam dando certo, de um jeito ou de outro.
- Até parece!
- Pára de charme, nêga. Eu conheço poucas pessoas mais fantásticas que você. E digo isso de coração! Você é forte, sensível, talentosa. Além disso, domina as palavras com uma facilidade de dar inveja!
- Pára com isso que eu fico até sem jeito...
- Vou parar, mas antes me escuta! Apesar de tantas qualidades maravilhosas, você tem que entender que nem sempre as coisas precisam acontecer exatamente do jeito que você imagina ser o correto. Nem sempre a reta é a maneira mais interessante de unir dois pontos, entendeu?
- Saquei. Mas, me diga, o que você faria, se estivesse na mesma situação?
- Em primeiro lugar, eu seria honesta comigo mesma e me perguntaria o que eu quero de verdade. De nada adianta ficar procurando alguém que caiba numa idéia cristalizada de bom moço, sabe? Porque isso faz de você uma pessoa careta e mediana, entende? E aí, um cara legal, que por ventura venha a aparecer na sua vida, vê essa pessoa careta e cai fora! E tudo isso porque, mesmo sendo um cara legal, ele não chega nem a ter a oportunidade de te conhecer de verdade. Por exemplo, esse carinha aí, qual é a dele?
- Não sei. Na verdade ele mora longe e a gente vinha se falando basicamente pela internet. Mesmo assim, ele parecia interessado. Mas interessado de um jeito legal, sem ser grudento nem meloso, sabe? Só que tem que, de uns dias pra cá, ele sumiu, o que foi estranho, porque eu estava planejando ir visitá-lo no fim do mês.
- Estranho mesmo. Será que ele tá meio confuso com essa coisa da distância?
- Acho pouco provável, Inês.
- É, né? Bem, pode ser que ele esteja ocupadérrimo, numa dessas ondas enlouquecidas de trabalho, que acontecem com todo mundo. Agora, é bom ficar atenta, porque muitas vezes os meninos usam o trabalho como uma desculpa pra se afastar da gente sem ter que dizer a verdade.
- Ô...
- E tem também aquela velha história, que não podemos descartar, já que não sai de moda nunca, que é a da ex-namorada que aparece, de repente, a fim de reatar, como costuma acontecer em novelas e seriados, sabe?
- Se sei!
- Enfim, são tantas as possibilidades que chega a dar um cansaço só de pensar. Definitivamente, não dá pra entender o que se passa na cabeça dos homens!
- É, né? Será então que ele tá me testando?
- Humm...Será? Olha, minha intuição me diz que os homens não constumam ser tão maquiavélicos. Esse tipo de mesquinharia é mais coisa de mulher. Na verdade, os homens são mais simples do que costumamos imaginar. Uma vez, uma amiga ótima me disse uma coisa incrível, mais ou menos assim: que homem é que nem geografia na escola, melhor decorar do que tentar entender. Que tal?
- Essa foi boa! Então, acho que o melhor é deixar pra lá, né?
- Deixar pra lá não! Isso é pras mulheres medianas. Você é talentosa demais! Merece requinte!
- Ai, ai, amiga, você é uma figura!
- Pronto, tive uma idéia sensacional! Você vai escrever um conto e vai mandar pra ele, só pra ver a reação do rapaz!
- Aí é covardia! Ele adora as coisas que eu escrevo.
- Amiga, o moço vai adorar saber que você escreveu um conto inspirado nele.
- Mas ele vai achar que eu tô apaixonada! Vai sair correndo mais ainda!
- E você tá apaixonada?
- Não.
- Fala a verdade, caralho!
- Não tô! Mas confesso que estava gostando da situação, sim. Pensa bem: um carinha todo romântico, dizendo que quando eu for visitá-lo vai me dar tratamento vip, com direito a violão, caminhadas na natureza, sombra, água fresca...
- Violão, é?
- Isso mesmo!
- Só falta saber uma coisa.
- O que?
- Quantos anos ele tem?
- Exatamente a minha idade. Trinta e seis.
- É, cherrie, diante da realidade carioca, onde a maioria dos homens só pede o telefone das meninas para colecionar expectativas e ter o que comentar com os coleguinhas na hora do chopp...
- Agora você entendeu o babado, né, amiga?
- Sim, claro. Olha, não restam dúvidas do caminho a seguir: você vai escrever um conto pro moço vip. Ele não é romântico? No mínimo, vai adorar!
- Não sei não.
- O que você tem a perder? A virgindade?

Diante de tamanha veemência, Helena, embora ainda relutante, resolveu acatar a sugestão de Inês e, no dia seguinte, o conto já estava escrito.

- Ficou ótimo! Sucinto, objetivo e honesto.
- Mesmo?
- Mesmo! Fica claro no texto que você é uma paranóica do bem. Menina, se eu tivesse esse dom, economizaria uma baba na terapia!
- Mas você acha que vai surtir algum efeito bacana?
- O que você chama de efeito bacana?
- Ah, ele curtir o conto numa boa, sem ficar assustado.
- Sinceramente, em se tratando de homens, o susto é sempre um risco a se correr.
- É, né?
- É! Mas vida sem risco não é vida, é plano de saúde sem carência! E se o rapaz ficar arredio, fazer o quê? Pelo menos você foi macho o suficiente pra colocar suas neuroses pra fora e isso já é grande coisa. Agora, vamos!
- Vamos pra onde?
- Gata, esqueceu que hoje tem tributo a Pink Floyd naquele barzinho que eu te falei, lá na Barra da Tijuca? Só gatinho saúde, do jeito que você gosta! Vamos embora! A vida corre, a fila anda e a caixa é rápida!
- Ok! Bora! Vou colocar aquele tomara-que-caia vermelho então!
- Ótimo! Esse é o espírito!

Foram e beberam, felizes, na fonte da saúde suprema.

No meio daquele florido tributo, Helena teve, finalmente, uma das certezas mais pungentes de sua vida: a de que nas horas mais burras, para nos salvar do limbo, melhor que uma amiga sábia, só mesmo esse tal de rock’n roll.

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