segunda-feira, 10 de março de 2008

Maria Maria

maria é filha de astróloga e muito cedo já sabia tudo sobre trânsitos, quadraturas, sêxteis e signos complementares. podia estar numa festinha fantástica, não importava, invariavelmente o papo caía na astrologia. só para se ter uma idéia, a primeira coisa que fazia quando conhecia alguém que considerava especial era fazer-lhe um mapa astral instantâneo, esquema sopa de saquinho. é claro que era pra se exibir, para mostrar o quão culta e interessante pode ser uma moça de sua idade antenada com os movimentos interplanetários e desprendidíssima de valores sórdidos associados ao capital e a suas devidas desproporções.

maria só tinha um medo na vida: o de se apaixonar. sagitariana do primeiro decanato, sabia que isso poderia ser um erro fatal, principalmente se esse encontro se desse com um escorpiano do último decanato. desde menina, quando ainda rezava pra não fazer xixi na cama antes de dormir, já tinha pesadelos com essa temática e acordava suando e chorando. sabia que seria praticamente o fim de toda uma existência feliz. estranhos mecanismos na mente de maria fizeram com que seu medo se concretizasse em um malemolente estudante de medicina, meio largadinho e de barbinha, que brotou no centro acadêmico numa manhã chuvosa de outono.

- e aí, pessoal tudo certo? vocês sabem me dizer onde é a xerox?

maria imediatamente foi a mais solícita:

- seguindo o pátio até o fim, tem uma rampa. daí você sobe e vira à esquerda. eu tô indo lá agora tirar umas cópias.

e foi. no curto caminho se apaixonou. e teve a ilusão de que não estava dando a menor bandeira:

- você estuda aqui?

- não, eu sou da medicina, mas preciso xerocar uns textos sobre cinema noir.

- pra algum trabalho da facu?

- na verdade é pra minha monografia. eu faço um estudo comparativo entre saúde e cinema europeu.

- poxa que bacana.

maria não teve tempo de perguntar o signo dele. mas sua presteza foi impresionante:

- então, olha que legal. eu tô cons uns manuscritos do godart lá em casa. se você quiser posso fazer umas cópias pra ti.

- poxa, eu adoraria. como a gente faz?

- você pode ficar com o meu cartão.

seis meses depois descobriu o signo do rapaz, mas aí já era tarde. teve de encarar o escorpiano do último e definitivo decanato.

parece que maria parou de acordar chorando e soluçando.

Nenhum comentário: