segunda-feira, 10 de março de 2008

O campari de domingo (só ele é assim)

paulette tinha tomado uma decisão firme. quase nunca fazia isso. não gostava de não poder voltar atrás. preferia ter um leque amplo de opções sobrepostas umas às outras, para que pudesse manter um vir-a-ser inesgotável, uma eterna imanência. mas havia chegado a hora de começar a curtir a vida com o mesmo afinco que dedicava ao trabalho. era apenas deixar o corpo ir, que a alma trataria de acompanhar.
chamou sua amiga mais cúmplice e foram rumo à disneylândia existencial, com o objetivo único e exclusivo de se divertir com os meninos errados. acabaram optando pela zona norte, por ser menos asséptica. em menos de duas horas já tinham virado tema e centro e quadrado da hipotenusa. eram as próprias donas da situação, mais poderosas que qualquer trio de arbitragem. precisavam apenas estar disponíveis e à flor da pele, para se sentirem confortáveis na posição de musas. pode parecer simples no posto nove, mas em madureira ser musa era outra coisa: exigia atitude, rebolado e curvas passíveis de feijoadas com orelha de porco. era preciso também ter tomado sol na laje. não era pra qualquer uma virar musa dos poetas inconcretos, dos artistas de palco improvisado, dos cineastas com filmografia em vhs. era preciso aprender a ser imprescindível, a não ser mais uma das infinitas gostosas que vêm embrulhadas para presente em vestidos de sensualidade previsível, facilmente digeríveis por gregos acomodados e troianos insípidos, desses que já perderam a capacidade de sentir alguma coisa além do óbvio. o cansaço blasé já havia feito estragos suficientes. era tempo de cerveja com churrasco, de sábados dormidos em camas de solteiro alheias às suas. na verdade era tempo de sábados suados em camas de solteiro alheias às suas, porque dormir era coisa pros domingos, depois de tudo, quando voltavam para as suas casas e faziam um balanço do fim-de-semana carne ao ponto e bola na rede.
dali em diante, para paulette e sua amiga cúmplice, os domingos seriam para verificar os avanços nas suas recém-iniciadas carreiras de musas zona norte. assim, poderiam brindar àquilo tudo que passou, porque suas almas precisavam de alguma coisa além da beleza pura, simples e politicamente correta. e também porque a geografia de suas vidas podia até começar na gávea, mas nunca, de forma alguma, terminaria na lapa. nem em santa teresa.
e para aplacar o vazio inevitável dos domingos que sucedem os sábados cheios, o brinde tinha que ser com a única bebida capaz de tirar o gosto da cerveja, da poesia e das camas de solteiro suadas: o bom e velho campari.
não é toa que dizem que só ele é assim.

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