segunda-feira, 10 de março de 2008

Firmina e Norberto

a terapeuta de casais havia dito para firmina e norberto que eles precisavam destinar pelo menos uma manhã por semana para cultivar a relação. como já eram casados há 10 anos, resolveram obedecer.

a ordem era não ter pressa de sair da cama e nem de escovar os dentes. firmina, filha mais velha de mãe solteira, neurótica desde criancinha, não conseguia dormir pelas manhãs, nem nas de sábado. começou então a procurar o que fazer, já que acordava primeiro e não podia escovar os dentes, nem fazer café, nem multiprocessar todas as informações do mundo, do condomínio, das crianças e das 4 irmãs solteiras que viviam a lhe contar suas peripécias sexuais e a lhe dizer que era melhor estar casada do que solteira porque as casadas ainda tinham o benefício do divórcio.

logo relembrou de um esporte espetacular que não praticava desde solteira: olhar por debaixo das cobertas enquanto norberto dormia e ficar a observar o sono pesado daquele homem todo nu, que depois de 10 anos não tinha ficado barrigudo nem careca nem broxa nem metrossexual. saiu do sedentarismo para entrar pro mundo das sortudas. norberto podia demorar o tempo que fosse pra acordar que não tinha mau tempo. como se tratava do primeiro sábado de inverno e firmina estava bastante empolgada com a nova velha vida de desportista, resolveu citar a poesia de zeca baleiro no momento em que o pai de seus filhos abriu os olhos:

- hoje eu acordei com uma vontade danada de mandar flores ao delegado, de bater na porta do vizinho e desejar bom dia, de beijar o portugûes da padaria.

- quê isso, mamãe? pirou? flor pro delegado? de onde? da décima nona?

firmina só ria. na verdade gargalhava da barriga doer. norberto, ainda sonolento - mas ciente de se tratar de uma manhã de sábado, resolveu entrar na onda:

- e vem cá, qual vizinho? seu vladimir? ele não gosta da gente! diz que as crianças resolvem começar a gritar sempre depois das 10 da noite!

firmina percebeu que aquilo era muita metáfora para ele e, para evitar maiores explicações, resolveu calar a boca do seu homem utilizando seus artifícios de fêmea habilidosa. como se tratavam de ordens médicas, norberto, que já gostava mesmo daquilo tudo, acabou aceitando de bom grado a investida precisa da esposa. depois de mais ou menos 45 minutos de esportes intra-aeróbicos, ainda intrigado, afirma:

- não gostei desse negócio de beijar português da padaria não, mamãe! sabe como é esse povo da vizinhança! daqui a pouco tá falando de você e daí vou ter que me meter e aí quando eu fico nervoso, o bagulho pesa!

pela primeira vez, firmina entendeu racionalmente o quanto seu maridinho era maravilhoso. foda-se se ele não conseguia alcançar a poesia de zeca baleiro. isso era o de menos. ainda tinha outra coisa: ela podia tirar onda de poeta sem ter que dar os créditos. e o mais importante era que aquele homem ao seu lado era um pai bacana de 3 filhos, cheio de cabelo, sem barriga, sem frescura e de pau duro pra toda obra.

na manhã de segunda, enquanto sorria e dirigia rumo ao trabalho, ao som do baleiro, resolveu mandar flores para a teraupeuta, essa maga que com uma simples dica tinha feito ela perceber que em time que está ganhando não se mexe jamais. muito menos durante a temporada de inverno.

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