segunda-feira, 10 de março de 2008

O cinema nacional

-Quem vai?
-O povo de sempre.
-Veridiana também?
-Claro, mô.
-...
-Vai começar de novo essa história? Quantas vezes tenho que te dizer que a Veridi é minha amiga de faculdade, que não tem mais nada a ver.
-Não precisa dizer nada, baby, eu vejo o jeito que você olha pra ela.
-Claro! A gente viveu muita coisa junto. Pra mim, ela é que nem o Jefferson. Do Jefferson você não tem ciúme, né?
-Lógico! Jeff não te deu chá de buceta durante três anos seguidos.
-Môzinho, eu te amo tanto, não gosto quando a gente discute por bobagem.
-Não é bobagem. Você sabe que eu sou uma mulher que relativiza as coisas. Li todas as feministas, aceito tudo, da bebedeira ao playstation semanal na casa do Romano. Sou praticamente uma companheira perfeita. Mas a Veridiana eu não aturo! Ela nem disfarça! Chega sempre lânguida, decotada e solteira, te contando mil novidades do mundo do cinema. Caguei que ela é cineasta! Caguei pro cinema nacional!
-A sua sorte é que você fica muito tesudinha quando tá com raiva...
-Não muda de assunto, cacete!

Passados trinta minutos de infrutífera discussão, o pragmatismo masculino falou mais alto:

-Tá, diante dessa situação, o que você quer que eu faça?
-Nada.
-Como nada?
-O que você quer que eu te peça? Pra você não falar com ela nunca mais? Logo ela, sua amiga mais famosa, mais talentosa, mais interessante?
-Se você me pedir, eu paro.
-Não vou te pedir isso, não seria justo!
-Também acho, mas se for pra gente parar de discutir, eu até topo, chamo ela pruma conversa e explico tudo. Que tal?
-Aí quem sai de piranha histérica insegura sou eu aqui, a mãe dos seus filhos, que atura seus podres, que fica com o mel e a ferida! Não, obrigada pela oferta! Prefiro continuar fingindo que me interesso pelos filmes que ela faz.
-Os filmes dela são bons, vai!
-Ótimos! Se a pessoa estiver com insônia então...

Para amansar aquela tsunami, só mesmo uma comparação brutal e definitiva:

-Olha, mô, eu jurei pra mim mesmo que nunca cometeria a indelicadeza de falar da intimidade das minhas ex-namoradas com ninguém, mas a verdade é que a gente não rendia muito na cama. Pra você ter uma idéia, nem o boquete dela era gostoso, eu ficava tenso com aquele aparelho dentário, com medo dela me ralar inteiro, de inutilizar meu pau pra todo o sempre.
-E você quer que eu acredite nisso?
-Você acredita se quiser, mas nunca tinha entendido o que era uma buceta esplêndida até te conhecer.
-Buceta esplêndida?
-Quem tem uma personal fucker como você não quer saber do passado.
-Sei...
-É claro que a Veridi é bonita, é gostosa. Me ensinou o que era marxismo e mais valia. Com ela eu trepei pela primeira vez numa barraca de camping.
-Que romântico...
-Naquela época até foi, tudo era novidade.
-Posso imaginar...
-Veridiana tem gosto de juventude. Você tem gosto de vida inteira, entendeu, minha peituda?

A peituda fingiu que não entendeu, pra se fazer de chateada. Tava era valorizando seu passe. Mas, lá no fundo, sua alma se aquietara.

Porque, por mais que o mundo gire cada vez mais rápido, toda mulher quer ter gosto de vida inteira.

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