segunda-feira, 10 de março de 2008

para Ju

analu e carmem não se viam desde os tempos em que faziam teatro. se encontraram do nada, numa pré-estréia boca livre no odeon. papo vai papo vem, os velhos tempos foram ganhando vida.

- e a fábia, hein? quem diria, fazendo novela das 8!
- sensacional, né? encontrei com ela outro dia na praia e ela falou que almoçar com thiago lacerda já virou rotina...
- que chato, hein?
- muito! diz ela que anda recebendo tanto convite pra sair que precisava ser uma profissional do sexo pra dar conta de todo mundo!
- que ótimo! e o resto do pessoal? tem tido notícia? eu tenho pensado tanto na ju. quase que liguei pra ela outro dia. você sabe dela?
- querida, você não soube?
- do que?
- poxa, achei que você tinha sido avisada...
- avisada do que, ai meu deus, o que aconteceu com ela?
- querida, ela morreu.
- meu deus! foi do coração? ela tinha uma má-formação congênita…
- nem foi, ela tava deprimida e se jogou da janela de casa.
- ah, não, cara, não! não pode ser, não pode ser! você tá brincando.

analu não conseguiu mais ficar ali, bebemorando a frivolidade desse mundo cão. nem carmem, que ficou arrasada de ter sido portadora de notícia tão absurda.

- tem quanto tempo isso?
- um mês.
- com quantos anos ela tava?
- 26.
- puta que pariu, cara, não tô acreditando.

no táxi, contendo o choro para não parecer que estava tendo uma síncope, analu começou a se lembrar daquela guria que tinha cativado seu coração. veio logo à mente o primeiro dia em foi à sua casa e que viu seus quadros, poemas e fotos de infância em brasília. lembrou da mãe dela levando bolo ana maria com coca-cola pras duas e de tudo que conversaram, entre almofadas de coração, príncipes encantados e castelos de areia, como se se conhecessem há séculos. teve raiva de si mesma porque pensou na amiga há um mês e não deu um simples telefonema. sentiu culpa de não saber que ela estava tão deprimida. teve pena daquela mãe que vivia a comprar bolos e guloseimas e que não pôde, nem com todo o amor visceral, salvar sua própria cria de si mesma, de sua tristeza abismal e de sua sensibilidade mortal.

era, sem sombra de dúvida, a mais impotente das pessoas dentro de um táxi indo pra casa depois de um coquetel cheio de pró-seco. pegou o celular e ligou pra própria mãe. caiu na secretária. com a voz embargada, deixou um recado:

- mãezinha, é só pra te dizer que eu estou bem, que tenho comido direitinho e que vou passar o fim-de-semana com vocês.

prometeu a si mesma que nunca mais deixaria um telefonema por dar.

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