segunda-feira, 10 de março de 2008

Sofia e o supervisor

sofia é meio artista e há tempos não trabalhava de carteira assinada. não lembrava mais o que era um tiquet refeição, uma catraca, um exame de admissão. o fato é que estava empolgada, essa vidinha de neohippie sem grana para ir ao japonês já tinha cansado sua beleza balzaca esvoaçante. agora poderia mergulhar em baldes de kerastase e se esconder atrás de potes de lancôme, além de poder deixar de lado o hábito brega de beber proseco só em dia de festa. estava tudo indo até bem num certo sentido, como costumam ir bem todas as coisas que se repetem e se arrastam como velhos medos de coisas novas ou inexistentes. no meio disso tudo apareceu o supervisor falcão, homem de fala lenta, arrastada e desesperadamente lânguida. o cara meio que curtiu sofia que em nenhum momento foi recíproca. inclusive passou a pedir para seu namorado ligar durante o expediente, just in case. mas falcão realmente curtiu sofia. os diálogos entre eles eram lamentáveis e desnecessários, pois o figura achava que ser erudito era o lance crucial no ato da conquista.

- sofia, sofia, você sabe de onde vem o nome sofia?
- sei sim senhor.
- então diga: de onde vem?
- lembrei que preciso fazer uma ligação urgente.

esse tipo de papo não assutava falcão, muito pelo contrário, o estimulava, uma coisa desesperadora. sofia não teve escolha. teve de ser macho. às sete da manha. na salinha do café. nem a faxineira podia ser testemunha.

- queria falar uma coisa com o senhor
- vc me falou ontem sobre a necessidade de outra pessoa no seu setor, já estou providenciando
- não é sobre isso
- pois não
- queria pedir pro senhor parar de encostar em mim
- como assim? eu encosto em você?
- encosta sim senhor, por vezes toca minha perna e não gosto. pode ser uma idiossincrasia besta mas o senhor precisa entender que meu corpo é meu território e nele só toca quem eu dou espaço. estou querendo dizer que se o senhor encostar em mim mais uma vez eu vou passar no rh depois do expediente de hoje.

o supervisor falcão engoliu em seco. aproveitou que estava na copa e pegou um copo d’agua. não disse nada por alguns segundos, que para sofia foram a máxima eternidade que poderia existir numa copa microscópica de uma empresa mais ou menos grande. com dificuldade de parar de gaguejar, disse a única coisa que conseguiu pensar naquele instante:

- não há necessidade de rh.

realmente não houve. o sujeito teve de se curvar diante da ameaça provocada por sua determinação exasperada e imensa. sofia parecia uma leoa ávida por carne humana. mesmo que fosse de quinta.

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