segunda-feira, 10 de março de 2008

as amigas de ana

as amigas de ana fazem dela várias. tudo que ana não viveu até hoje, seja por falta de oportunidade, de coragem ou de sorte, o fez por intermédio de suas amigas mulheres, que não são muitas, mas suficientes. na escola só teve uma: negra, altíssima, atleta e gênia de plantão, discriminada por tantas razões, mas altiva como uma deusa, irredutível e combativa. foram cúmplices na difícil tarefa de existir num mundo que não curte o diferente. na faculdade é que tudo realmente começou e passou a ser concreto: a primeira paixonite por um professor, a primeira transa, as pegações nas chopadas, as noites sem dormir, as histórias memoráveis, as histórias contadas por outrem, as coisas ditas em excesso, as coisas não ditas por medo e que pairam até hoje como jujubas estragadas no fundo do pote mofado atrás da louça reservada para o casamento desmanchado por pura bravura. foi na faculdade que construiu os pilares de sua feminilidade estranha e a capacidade de amar à distância as amigas que casaram e tiveram que partir, seja pra outros estados e países, seja para outro universo, o do marido insensível e preocupado somente com a própria dor nas costas e com o futebol de quarta-feira à noite, mesmo quando não se trata de seu time e sim de 15 de jaú contra 15 de piracicaba. aprendeu a amar e a respeitar as amigas que não são mais amadas e que só permanecem casadas por medo de uma solidão exposta, de uma surra ou de terem de criar crianças sem a figura paterna. aprendeu a respeitar inclusive as mães das amigas que simplesmente não aceitam o fato de uma moça “tão bonita e inteligente como você não estar casada e não ter filhos”. hoje entende que elas não falam isso por maldade e não se irrita mais. como nem tudo é sempre cruel o tempo todo, ana ama os poucos maridos que fazem felizes suas amigas e que gostam de recebê-la num domingo para uma cerveja em casa, para ficarem todos bêbados e cercados pelo atordoante e delicioso barulho das crianças que insistem em crescer como samambaias choronas bem regadas. no fundo, lá dentro, mesmo sem admitir pra ninguém, ainda sonha em encontrar um homem assim, sensível, companheiro e imperfeito, que goste de 15 de jaú contra 15 de piracicaba, mas que não dispense flores, poesias, bombons e massagem nos pés, porque é disso que moças como ana gostam: da imperfeição concreta e dos domingos bêbados.

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