segunda-feira, 10 de março de 2008

a bailarina e o esgrimista

jorge e clotilde se conheceram na faculdade quando ela era a bailarina virgem e ele, o esgrimista pervertido. rapidamente viraram unha e carne. nunca clotilde tinha tido um amigo assim. jorge era truculento mas gostava de vê-la dançar. dizia que tudo parecia mais verdadeiro e feliz e simples quando aquele corpo cheio de reentrâncias e saliências girava em torno de si mesmo desenhando poemas aéreos. ele não se incomodava em parecer tolo. simplesmente babava nela e assumia isso, com toda a sinceridade possível a um esgrimista:
- clotilde é foda! dança com a alma. não fica de frescura.
todo mundo achava que rolava sexo ali, mas clotilde queria o professor de metodologia da dança, um adonis ariano cheio de si, que sabia de tudo mas preferia ficar ali do alto, esperando as bailarinas virgens virem ao seu encontro. já jorge, que não era um adonis mas sabia ser pragmático, queria as meninas que o queriam. isso sem nunca perder a oportunidade de deixar as coisas claras para clotilde, numa sinceridade que beirava o lirismo:
- tudo bem, somos amigos. mas se você me der mole, eu te passo o rodo.
os anos passaram, o professor ariano se casou e clotilde e jorge continuaram próximos. parece que a alegria de jorge situava a melancolia de clotilde num lugar mais ameno. tantas vezes ela ligou pra ele chorando e acabou às gargalhadas, morrendo de rir de si mesma e de quão patéticas podem ser as moças envoltas em suas crises. um dia, numa dessas, entre uma choradinha no ombro e um abraço apertado, rolou um sexo. foi tudo de bom, claro. eles eram curiosos um do outro. na verdade, se deviam uma trepada há tempos.
tudo parecia ir bem, sem muita neurose, mas era só maquiagem. bastava clotilde aparecer com um adonis para jorge pegar na espada:
- é foda. mulher é tudo a mesma porra! falam que querem um cara legal, inteligente e sensível, mas sempre acabam com os gostosões. então pra que esse discurso?
o contrário também acontecia. bastava jorge aparecer com uma gata para clotilde começar a desferir seus comentários ácidos:
- tá vendo? homem é tudo a mesma merda! dizem que querem uma companheira mas na hora h acabam ficando com as loiras do pentelho preto. impressionante!
os amigos em comum percebiam tudo e evitavam fazer comentários. afinal de contas, não havia nada que pudessem fazer a não ser esperar que os dois se dessem conta do que sentiam um pelo outro. depois de 10 anos de convívio, precisavam assumir se a coisa era namoro ou amizade. afinal, clotilde já não era mais a bailarina virgem. nem jorge, o esgrimista pervertido.
e já era tempo de florir. ou de deixar murchar.

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