segunda-feira, 10 de março de 2008

Jorge e Jane

Aparentemente, Jorge e Jane formavam um belo casal: ele, político marxista; ela, colunista interessada em relações humanas. Intelectualmente ágeis, eram conhecidos como aquele casal que problematizava tudo o que via pela frente, do preço do tomate orgânico à queda do dólar. O embate de neurônios realmente os excitava e tinha um efeito muito mais eficaz do que qualquer par de algemas, chicote ou óleo para passar nas entranhas. Podiam ficar dias assim, teorizando e exibindo seus cérebros esculpidos em horas e mais horas de onanismo estético.

Com o passar dos anos, no entanto, a vida deles foi parecendo mais bacana do que na verdade era, já que Jorge, apesar de ter-se transformado num político digno e eloquaz, dentro de casa era uma pessoa lacônica, broxa e até pusilânime. Isso foi fazendo de Jane uma mulher insegura, impotente e frígida.

Mas a gota d’água ainda estava por vir:

- Então, querido, preciso saber o que você achou daquele release que fiz pra sua amiga lá do Partidão.
- Legal.
- Mas e a parte em que eu falo que a modéstia é a purgação burguesa, você não achou pesada demais?
- Achei dialética.
- Mesmo?
- Aham. Pertinente.

Acontece que Jane não tinha sequer citado a burguesia em seu release e aquilo foi meio que a azeitona azeda da empada existencial na qual havia se transformado seu casamento.

- Mas você não acha que essa é uma falsa questão?
- Não, Jane, já disse que achei bom, ok? Agora queria terminar de escrever esse artigo, que é pra plenária de amanhã.

Jane, que tinha até comprado uma caixa de K.Y., finalmente entendeu o cerne da questão e resolveu, após anos de secura e estagnação, agir de forma pragmática.

- O que você está fazendo?
- As malas.
- Pára de drama, vai! Assim que eu terminar aqui a gente vai na locadora pegar uns filminhos, ok?
- Ah é? E o que você quer ver? Lua de Fel, O Império dos Sentidos ou Encaixotando Helena?
- Ih...
- Chega, Jorge! Eu sou nova, bonita, inteligente e minha bunda ainda nem sequer começou a dar sinais de queda. Se eu não sair desse casamento com meus próprios pés, ninguém vai vir me buscar. Você é um homem ótimo, um político sensacional, mas esqueceu que a paudurescência é a única maneira de sair dessa caverna de Platão que virou nossa vida. Pra mim chega! Eu não quero mais ser seca e suave!

Jane jogou fora a caixa de K.Y., pegou suas coisas e, sem perder a ternura que ainda lhe restava, virou uma caçadora da umidade perdida.

Já Jorge, terminou a tempo de escrever seu artigo, fez um café e acendeu um charuto.

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