segunda-feira, 10 de março de 2008

À moda de Jorge

Jorge é filho de costureira e estava acostumado ao constante entra-e-sai de mulheres em sua casa. Desde muito cedo, demonstrava interesse pelas clientes mais frívolas, dessas que só se preocupam em parecer mais magras e mais jovens do que realmente são. Não se sabe bem o motivo, mas ele conseguia fazê-las acreditarem em suas próprias fantasias. Assim, dia após dia, aquele garoto tímido foi se transformando numa criatura ousada e inventiva.

Um belo dia, chega em casa com a novidade:

- Vou fazer vestibular pra Moda!
- Mas tem faculdade disso?
- Mãe, não me mata de vergonha!
- E eu vou lá saber? No meu tempo, as mulheres que podiam estudar viravam normalistas. Os homens, no máximo, médicos ou engenheiros. Essa coisa de moda era só pra filho de bacana que ia pra Europa e voltava cheio de idéias!
- A coisa vai ser assim: eu desenho e a senhora costura. Vamos ficar ricos e famosos e, se Deus quiser, daqui a alguns anos, vamos passear na Ilha de Caras!

Só de ouvir essas palavras, aquele coração de mãe vinha à boca, pois, filha de padeiro com quituteira, era a primeira da família a ter um filho universitário. E isso já era um feito do qual podia se vangloriar no baile da terceira idade que freqüentava aos domingos.

Os anos passaram com certa violência e tiraram a velha costureira do convívio de Jorge. No dia do enterro, depois que todos foram embora, tal qual Scarlet O’Hara, o moço profetizou:

- Vou levar nosso nome pras alturas, mãezinha! A senhora vai ver! De lá de cima, mas vai ver!

Dias depois, já estava numa Fashion Week. Daí para o sucesso o caminho foi relativamente curto, pois sua ambição cabia como uma luva de pelica naqueles ambientes em que as partes nunca são pelo todo. E em que o todo não deve ser pleno, sob pena de descortinar uma desconfortável espontaneidade.

Antenado, Jorge optou por esconder suas origens e, para ostentar confiança, transformou-se na cópia da cópia de si mesmo. Se por ventura ficasse cansado de tanto simulacro, pensava na Semana de Madri, onde estreou internacionalmente e aprendeu, numa só tacada, a distribuir sorrisos de poliéster e a fingir que velhos conhecidos eram feitos de vidro, por onde seu olhar podia atravessar languidamente.

Mas a notoriedade mesmo veio quando copiou discretamente uma estilista tailandesa e disse tratar-se de mera licença poética. Logo depois, recusou o convite para participar de um evento dedicado à bajulação das novas estrelas da moda. Preferiu tirar férias em Mikonos.

Isso foi suficiente para que o editor-chefe de uma grande revista, conhecedor das tendências orientais, concluísse, em matéria de capa, que aquele jovem sabia o preço do sucesso, mas, de forma curiosa, não vendia sua alma corsária, ainda que ela estivesse muito bem cotada no leilão das vaidades descartáveis.

Diga-se de passagem, esse editor era conhecido por ser implacável nas suas avaliações mercadológicas: ele implicava com leiloeiros; apreciava mais os falsários.

Mesmo os feitos de poliéster barato.

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