segunda-feira, 10 de março de 2008

Carta bem-humorada para uma tristeza sem fim

Querido Marcos Frango,
Desde que soube que nunca mais ouviria nenhum comentário sarcástico vindo de sua boca, o mundo parece que perdeu um pouco da graça. É claro que os dias bonitos serão sempre bonitos, que a cerveja gelada permanecerá dando alento às almas trôpegas e que uma boa dose de sexo selvagem continuará aliviando as dores na coluna de 90% da humanidade. Ainda assim, mesmo que esteja tomando uma gelada num puta dia de sol, ou esteja fudendo como uma golfinha depravada, sempre que tocar “Paixão Antiga” do Tim Maia chorarei por ti, meu amigo, não só por não ter tido a coragem de ir ao seu enterro, nem por não ter te mostrado meus filmes, mas, principalmente, por não ter te agradecido por tudo que você me ensinou ao longo dos anos de UERJ. Mas, porra, como é que alguém podia adivinhar que uma merda desse tamanho ia acontecer? Eu pensava que ia te encontrar no carnaval, no bloco que o Érick é mestre de bateria, acompanhado da tua mulher e da tua filhinha, toda fantasiada de fada. Lembra quando você conheceu a Mônica e imediatamente me tomou como sua confidente? Ligava pra contar a evolução dos fatos e eu, muito orgulhosa do meu amigo, te dava conselhos que, de tão óbvios, deviam ter sido ouvidos por mim mesma, a fim de ter dado menos cabeçadas de encontro à parede. Você nunca soube o que era isso. Conheceu sua alma gêmea e foi preciso como um artilheiro em decisão de campeonato. Por ser assim, tão irritantemente focado, de vez em quando dizia que eu era uma pessoa muito teórica (coisa que me irritava naquela época e que agora soaria como um blues dos irmãos Gershwin). Por ser assim, tão absurdamente íntegro, às vezes me assoberbava com tanta coerência. O fato é que, de todos os meninos com quem andava (sim, porque eu era a única garota no meio de um bando de brilhantes intelectuais que me servem de referência até hoje), você era um dos poucos que realmente absorvia as inquietações da artista, que, de fato, acabei me tornando. Outro dia, de tanta saudade, sonhei contigo. Pra variar, você tinha que me dar aquela zoada básica:

-Poli, quanto tempo! Como vai essa vida de cineasta?
-Vai indo, mó ralação, não tenho horário pra nada, garantia de porra nenhuma!
-Tá reclamando de quê? Queria tá dando aula em escola?
-Claro que não, não nasci pra isso!
-Mas teria dado uma boa professora! Agora me diz uma coisa, e aquele seu orientador da UFF, comeu?
-Nossa, a gente não se vê há muito tempo mesmo. Aquele cara era viado, acredita?
-Acredito! Vindo de você, qualquer coisa pode ser verdade!
-Pára de me zoar, caralho, que eu tô com mó saudade!
-Eu também! Aliás, ando sumido mesmo, com saudade de todo mundo.
-Você faz muita falta!
-Eu sei! Mas não acabou não!
-Ué, pensei que você tinha estourado seu tempo regulamentar...
-Esquenta não, vamos todos nos ver na prorrogação.
-Mas você tá bem?
-Claro que tô! Olha, querida, o papo tá bom, mas tá na minha hora! Vê se começa a fazer uns filmes sobre futebol!
-Vou pensar no seu caso!
-Mas antes tem que aprender a identificar um impedimento!
-Engraçadinho...

Ao acordar, cheguei a sentir o cheiro da esperança, como quando a gente é criança e pede bicicleta pra Papai Noel. Fiquei um tempo tentando voltar a dormir pra continuar nossa conversa. Mesmo agora, depois de tanto tempo, ainda poderia identificar o timbre de sua voz, terna sem deixar de ser severa, suave sem deixar de ser firme. Se sua voz pertencesse ao reino dos alimentos, seria tipo aquele molho acridoce, que tem no chinês. Mas já que seu timbre não é mais possível, ficamos por aqui, na árdua tarefa de medir o tamanho do buraco que você deixou. A sensação é a de que nunca conseguiremos precisar a magnitude dessa profundidade. É sempre assim com os grandes homens. Mas a herança é tão profunda quanto a lacuna. Disso você pode ter certeza.

A saudade é grande, meu querido. E o prazer da convivência, nem preciso dizer, foi imenso.
Olha pela gente aí!
Beijo grande,
Poliana.

PS: Zânia, Vitor e Carlão tiveram seus rebentos há pouco, mas ainda não conheci a gurizada. Só por foto.

2 comentários:

floratomo disse...

não tenho dúvidas de que essa carta chegou ao seu destino. lindo, poli...

Poliana Paiva disse...

acho que sim, daya, ele era especial...