segunda-feira, 31 de março de 2008

A parada hetero

Estava eu a trabalhar numa mostra no CCBB, vendo se o tempo passava de forma menos tediosa, quando encontro um rapaz que estuda cinema na UFF. Na verdade, quando ele entrou na faculdade eu já estava de saída, portanto, nem somos muito amigos, apenas colegas. Desta forma, nossa conversa nada mais é do que um show de amenidades, uma coisa simpatia é quase amor, bem comum em nosso meio. Só que dessa vez foi diferente. Não sei bem por que, mas o moço levantou questões bastante elucidativas da angústia do macho heterossexual pós-moderno.

-Por que você não foi à chopada ontem?
-Ah, porque quase não conheço mais ninguém da UFF. Além do mais, tô aqui na mostra, sabe como é, trabalhar de ressaca não rola...
-Claro, claro.
-Mas e aí? Tava legal?
-Mais ou menos
-Cerveja quente?
-Que nada, a cerveja tava gelada, o problema é que as meninas também...
-Jura? Poxa, na minha época o bicho pegava, era uma carnificina louca!
-Bons tempos...

Sem querer tirar minha oxítona terminada em u da reta, eu tenho lembranças (e amnésias) ótimas das chopadas, aliás, eventos essenciais dentro de um curso de graduação, onde interiores se revelam, namoros começam e filmes se queimam, exatamente nessa ordem.

Assim sendo, resolvi dar corda pro moço, pois senti que sua aflição era real.

-Mas não tinha nenhuma menina assim mais animada?
-Não.
-Será que você não está sendo muito exigente?
-Pior é que não! Eu estava mais do que facinho, mas ninguém se comoveu com minha macheza...
-Sei, posso te perguntar uma coisa?
-Claro.
-Você costuma citar filósofos em suas cantadas? Porque isso ninguém merece, né?
-Claro que não!
-Vou ser bem franca com você: pra mim, homem que leu Foucault demais não dá em boa coisa...
-É, nem pensar, fica micropoder pra lá, vigilância pra cá. Melhor não!
-Com certeza! Mas então qual será o problema?
-Você quer mesmo saber? Não vai me achar um machista recalcado?
-Diga lá!
-Acho que as meninas estão preferindo a companhia de meninas. Nós, homens heterossexuais, fazemos parte de uma minoria excluída. Inclusive, estou pensando em fazer uma parada do orgulho hetero, o que você acha?
-Hahahahahahahahaha! Orgulho hetero! Incrível!
-Sério, minha idéia é organizar um esquema bem bacana, criar um símbolo, ter uma bandeira e tudo o mais! Você me ajudaria?
-Sim, só temos que tomar cuidado pra não parecer coisa de gente reacionária, que prega a heterossexualidade em detrimento da diversidade.
-É mesmo, nem tinha pensado nisso...
-Mas a idéia é interessante, é só mesmo se ligar que a questão é delicada.
-Claro!
-E pode contar comigo, tô contigo e não abro!
-Poxa, até me animei agora, obrigado pela força!
-Que nada, disponha.

O colega foi embora e eu me senti uma pessoa melhor em poder ajudar. Afinal, até já perdi a conta de quantos homens sexualmente confusos passaram por mim e acabaram virando minha cabeça pelo avesso. É muito estranho se sentir minoria, ainda mais se o que gostamos é tido como “normal”. Mas, por outro lado, é sensacional perceber que o mundo está girando numa velocidade que não podemos mais controlar.

E que a liberdade, de tão livre, está sempre a nos criar novas prisões.

17 comentários:

Zander Catta Preta disse...

"E que a liberdade, de tão livre, está sempre a nos criar novas prisões."

Eu faria uma alteração breve.

"E que a liberdade, de tão vasta e desfronteriça, está sempre a nos criar novas prisões."

Paulo Bono disse...

tô na parada.
abraço

Poliana Paiva disse...

acho que vai bombar...
hehehehehe

atempadamente disse...

uhuuu! divina essa do orgulho hetero, sem preconceitos! já tô pirando aqui na alegoria "entrando no armário": um caminhão-armário cenográfico, todo forrado internamente por espuma e seda, cheio de casais na maior suruba - suruba hetero, swing e troca-troca. maior pegação. delícia!
liberdade é bom, mas gosto mesmo é de brincar de lego.

Fábio Ricardo disse...

pô, só eu que achei todo esse papo de orgulho hetero um tanto quanto.... gay?

C.C. disse...

"Mas, por outro lado, é sensacional perceber que o mundo está girando numa velocidade que não podemos mais controlar.

E que a liberdade, de tão livre, está sempre a nos criar novas prisões."

seria lindo se não fosse demais da conta esses "pormenores" contemporâneos...
na verdade é bonito mesmo assim. phelômeno!

e conte comigo na parada! rs

Unknown disse...

ahahahaha...tô nessa aê !! Bóra pá parada!! auahauaha

Anônimo disse...

Olá,

Vou na frente, levando a bandeira!!! Bacaníssimo o seu texto.

Até mais.

Fernando Secco disse...

Você sabe que seremos demonizados a princípio, não?
Que na primeira poucas pessoas aparecerão, com medo de represálias. Teremos que lutar pelo espaço da minoria hetero reprimida aos poucos, a longo prazo.
Aliás, você não falou sobre a discriminação com os heteros. Fala pra alguém, hoje, que você nunca pegou ninguém do seu sexo... capaz de ser expulso da roda de conversa.
Vida dura essa do século XXI.

4rthur disse...

eu levanto a minha bandeira em prol desse movimento!


Poli, vi um texto no blog de uma amiga que acho que vc ia gostar bastante... está no patirangel.blogspot.com

beijo!

ps - já te disse que me amarrei no teu filme?

Unknown disse...

Pô, sacanagem, Mr. Z (Zanderito) já citou o trecho que me perturba atualmente. Essa modernidade me deixa tonta, juro.
Várias vezes por dia eu falo mentalmente com 'Ele':
- Deus, por favor, me teletransporta... (rs)

Mas ao contrário de você eu fico em pânico com a velocidade que as coisas mudam, acho isso bom não. Mas o texto... tá show! (E tô dentro da parada de orgulho hetero.)

Bezzos,

Poliana Paiva disse...

Dá um medinho mesmo, mas, se tá no inferno, abraça o capeta!
rs

P.R. disse...

adorei seu blog. vou voltar sempre.
beijos

Rackel disse...

Po, se a parada rolar, me avisa, tá! rsrs

bj

Roberta S. disse...

renderiza, renderiza...

Stephanie disse...

hahahah, Poliana, acho nós não chegamos a nos cruzar no Iacs, embora eu tenha visto um curta seu num daqueles festivais universitários...

também cheguei a presenciar algumas dessa choppadas históricas da comunicação - é uma pena que o colega aí esteja afim de socializar e não consiga.

se rolar a parada do orgulho, avise!

e parabén pelo blog, seus textos são ótimos.

Tchello Melo disse...

Topo participar desde que a parada hetero não fique histérica...